Este documento apresenta procedimentos didáticos para leitura eficiente, incluindo a importância da leitura, espécies de leitura, como identificar obras, o que deve ser lido e como ler de forma proveitosa. Inclui também defeitos a serem evitados como dispersão, inconstância e preguiça.
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Apostila Metodologia Cientifica
1. PÓS-
PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”
EDUCAÇÃO ESPECIAL
APOSTILA DE METODOLOGIA CIENTÍFICA –
MÉTODOS DE PESQUISA
PROF. MS. FABIO AUGUSTO DE OLIVEIRA SANTOS
2. Apostila Pós-Graduação: A Metodologia Científica no mundo acadêmico 2
Ms. Fabio Augusto de Oliveira Santos
SUMÁRIO
Procedimentos Didáticos para Leitura 03
Texto Complementar 01: Ler devia ser proibido 09
Texto Complementar 02: A questão é começar 11
Ciência e Conhecimento Científico 14
O que é Ciência? 21
Texto Complementar 03: O que é científico? 22
Texto Complementar 04: Os limites da ciência 25
Diretrizes para Elaboração de um Trabalho Científico 28
Projeto de Pesquisa 40
Monografia 46
Consulta em Bancos de Dados e Internet 54
Dicas para Redação de Trabalhos Científicos 57
Bibliografia 60
3. Apostila Pós-Graduação: A Metodologia Científica no mundo acadêmico 3
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PROCEDIMENTOS DIDÁTICOS PARA LEITURA1
1. LEITURA
Ler significa conhecer, interpretar, decifrar. A maior parte dos conhecimentos é
obtida através da leitura, que possibilita não só a ampliação, como também o
aprofundamento do saber em determinado campo cultural ou científico.
Ler significa também eleger, escolher, ou seja, “distinguir os elementos mais
importantes daqueles que não o são e, depois, optar pelos mais representativos e mais
sugestivos” (Salvador, 1980: 100).
Sendo os textos uma fonte inesgotável de idéias e conhecimentos, deve-se ler
muito e continuadamente. Entretanto, não basta ler indiscriminadamente, é preciso
saber ler. A leitura é válida somente quando assimilada. Tanto o estudante quanto o
intelectual precisam ler constantemente.
Importância
A leitura constitui-se em um dos fatores decisivos do estudo sendo imprescindível
em qualquer tipo de investigação científica. Favorece a obtenção de informações já
existentes, poupando o trabalho da pesquisa de campo ou experimental.
A leitura propicia a ampliação de conhecimentos, abre horizontes na mente,
aumenta o vocabulário, permitindo melhor entendimento do conteúdo das obras.
Através dela podem-se obter informações básicas ou específicas.
Pode-se dizer que a leitura tem dois objetivos fundamentais: serve como meio
eficaz para aprofundamento dos estudos e aquisição de cultura geral. Todavia, impõe-
se uma seleção para a leitura, em razão da quantidade e qualidade dos livros e
periódicos em circulação. Primeiro, não se tem condições físicas e tempo para se ler
tudo; segundo, nem tudo que há merece ser lido.
Gagliano (1979: 85) afirma que “toda leitura cultural tem sempre um destino, não
caminha a esmo. Esse destino pode ser a busca, a assimilação, a retenção, a crítica, a
comparação, a verificação e a integração de conhecimentos”.
1
Extraído de LAKATOS, Eva; MARCONI, Marina de Andrade. Metodologia do trabalho científico. SP: Atlas, 2001.
p. 15 – 20.
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Natureza da Leitura
Há três espécies de leitura: uma, para entretenimento ou distração; outra, para
aquisição de cultura geral, erudição; e a terceira, tendo em vista a ampliação de
conhecimentos em determinado campo do saber. As duas primeiras não exigem,
praticamente, um grande esforço intelectual, ao passo que a última requer atenção
especial e concentração.
Espécies de Leitura
a) De Entretenimento ou Distração — visando apenas ao divertimento,
passatempo, lazer, sem maiores preocupações com o aspecto do saber. Talvez
tenha um mérito: o de despertar, no leitor, o interesse e em conseqüência a
formação do hábito da leitura. Neste item estão incluídos alguns tipos de
periódicos e de obras literárias.
b) De Cultura Geral ou Informativa — tendo como objetivo tomar conhecimento,
de modo geral, do que ocorre no mundo, mas sem grande profundidade.
Engloba trabalhos de divulgação, ou seja, livros, revistas e jornais. As notícias
de jornais atualizados, nacionais ou estrangeiros, são, muitas vezes, fontes de
importantes informações, pois situam uma época.
c) De Aproveitamento ou Formativa — cuja finalidade é aprender algo de novo
ou aprofundar conhecimentos anteriores. Exige do leitor atenção e
concentração. Essa espécie de leitura deve ser efetuada em livros e revistas
especializados.
Para Vega (1969:26), a leitura implica quatro operações: reconhecimento,
organização, elaboração e valoração. Significam:
a) Reconhecer — entender o significado dos símbolos gráficos utilizados no
texto.
b) Organizar — entrosar o significado das palavras na frase, nos parágrafos, nos
capítulos etc.
c) Elaborar — estabelecer significados adicionais em tomo do significado
imediato e original dos símbolos gráficos utilizados no texto.
d) Valorar — cotejar os dados da leitura com os meios ideais, conceitos e
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sentimentos, a fim de aceitar ou refutar as afirmações ou supostas verdades.
A seqüência dessas operações não é fixa, varia de acordo com o leitor, suas
condições ou preferências.
O que se Deve Ler
É muito importante a escolha da leitura e, para isso, faz-se necessário que, no
início, alguém oriente, indicando as obras mais adequadas ou mais importantes.
“Quem estuda um texto tem por objetivo aprender algo, rever detalhes ou buscar
respostas para certas indagações” (Gagliano, 1979:73). Como nem todos os textos
atendem a determinado objetivo, surge a necessidade da seleção. Mas também não
basta selecionar só o que interessa; tem-se de levar em consideração aquilo que é
confiável.
Em se tratando de estudantes, iniciantes da vida intelectual, a seleção, a
princípio, deve ser feita sob a orientação do professor. Depois, à medida que houver
mais familiaridade com o mundo dos livros, a habilidade de seleção será mais fácil,
natural.
Deve-se escolher o livro ou artigo pelo título, autor e edição e, de preferência, a
melhor edição crítica existente ou as bem-conceituadas.
A leitura, tanto quanto possível, deve ser feita em obras originais, na língua do
autor; na falta destas, escolher traduções que ofereçam garantia de fidelidade.
A elaboração de uma tese de mestrado ou tese de doutoramento e outras exige
muita leitura e, se possível, de toda a bibliografia referente ao assunto.
Identificação de uma obra
O primeiro passo na busca de material para leitura, comum a todos os leitores,
consiste na identificação do texto que se tem pela frente. Deve-se ler:
a) o título — pois ele estabelece o assunto e, às vezes, a intenção do autor;
b) a data da publicação — para certificar-se de sua atualização ou aceitação
(pelo número de edições), a não ser que seja uma obra considerada clássica;
c) a ficha catalográfica — a fim de verificar as credenciais ou qualificações do
autor;
d) a “orelha” — onde, geralmente, se encontra uma apreciação da obra;
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e) o índice ou sumário — para se ter uma idéia da divisão e tópicos abordados;
f) a introdução ou prefácio — procurando encontrar indícios da metodologia e
objetivos do autor;
g) a bibliografia — final e as citações de rodapé — tendo em vista as obras
consultadas.
Deve-se, ainda, olhar uma ou outra página, para saber que tipo de abordagem fez o autor. Se a
obra for de interesse, assinale a sua futura utilização.
Os livros podem ser úteis de duas maneiras: para leituras ou para consultas. De
qualquer forma, há necessidade prévia de seleção.
Selecionam-se, então, dois tipos de obras: as que podem ajudar nos estudos, em
face dos conhecimentos técnicos e atualizados que contêm, e as que oferecem subsídios
para a elaboração de trabalhos científicos.
O estudante deve procurar, na medida do possível, preocupar-se com a formação de uma
biblioteca de obras selecionadas, dado que elas são o instrumento de trabalho do estudioso, do
intelectual e do cientista.
Em geral inicia-se pelas obras básicas, indicadas pelos professores; depois, outrás
mais especializadas que tratem de assuntos mais amplos, porém, dentro da área de
interesse profissional.
Como se Deve Ler
“É preciso ler para obter informações básicas e para procurar informações especí-
ficas” (Barrass, 1979:137).
A maneira de ler, todavia, varia de acordo com o fim a que se propõe o leitor. Para
Salomon (1972:33), o bom leitor é aquele que:
1. Lê com objetivo determinado.
2. Lê unidades de pensamento.
3. Tem vários padrões de velocidade.
4. Avalia o que lê.
5. Possui bom vocabulário.
6. Tem habilidade para conhecer o valor do livro.
7. Sabe quando deve ler um livro até o fim, quando interromper a leitura definitiva ou
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periodicamente.
8. Discute freqüentemente o que lê com os colegas.
9. Adquire livro com freqüência e cuida de ter sua biblioteca particular.
10. Lê vários assuntos.
11. Lê muito e gosta de ler.
12. O bom leitor é aquele que não só é bom na hora da leitura (...) é constantemente
bom leitor. Não só lê, mas sabe ler.”
Leitura Proveitosa
Para que a leitura tenha um resultado satisfatório, algumas considerações devem ser levadas
em conta:
a) Atenção — aplicação cuidadosa da mente ou espírito em determinado objeto,
para haver entendimento, assimilação e apreensão dos conteúdos básicos encontrados
no texto.
b) Intenção — interesse ou propósito de conseguir algum proveito intelectual
através da leitura.
c) Reflexão — consideração e ponderação sobre o que se lê, observando todos os
ângulos, tentando descobrir novos pontos de vista, novas perspectivas e relações.
Favorece a assimilação de idéias alheias, o esclarecimento e o aperfeiçoamento das
próprias, além de ajudar a aprofundar conhecimentos.
d) Espírito crítico — avaliação de um texto. Implica julgamento, comparação,
aprovação ou não, aceitação ou refutamento das colocações e pontos de vista. Permite
perceber onde está o bom ou o verdadeiro, o fraco, o medíocre ou o falso.
Ler com espírito crítico significa ler com reflexão, não admitindo idéias sem analisar,
ponderar; nem proposições sem discutir; nem raciocínio sem examinar. E emitir juízo de valor.
e) Análise — divisão do tema no maior número de partes possível, determinação
Análise
das relações entre elas e entender sua organização.
Segundo Bloom (1971:119), “as capacidades que requer a análise estão situadas
em um nível mais alto que as necessárias para compreensão e aplicação.”
f) Síntese — reconstituição das partes decompostas pela análise e resumo dos
aspectos essenciais, deixando de lado o secundário e o acessório, mas dentro de uma
seqüência lógica de pensamento.
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g) Velocidade — certo grau de velocidade, mas com eficiência, faz-se necessário.
Os estudantes, os responsáveis pelos trabalhos científicos devem consultar e ler
quantidades razoáveis de obras e documentos. Em razão da explosão bibliográfica
especializada é necessário que se leia com certa velocidade, para se tomar
conhecimento das novas teorias, idéias, colocações etc. Deve-se ler rápido, mas de
modo a entender o que se lê, visando ao bom aproveitamento.
Gagliano (1979:71-72) indica algumas regras elementares para a leitura:
“1. Jamais realizar uma leitura de estudo sem um propósito definido.
2. Reconhecer sempre que cada assunto, cada gênero literário requer uma
velocidade própria de leitura.
3. Entender o que se lê.
4. Avaliar o que se lê.
5. Discutir o que se lê.
6. Aplicar o que se lê.
Defeitos a Serem Evitados
Além de se observarem os requisitos necessários para que a leitura se torne pro-
veitosa, deve-se também procurar evitar algumas atitudes que só prejudicam o bom
aproveitamento. Entre elas estão:
a) Dispersão do espírito — falta de concentração, deixando a imaginação divagar
de um lado para outro. A formação intelectual consiste, em grande parte, na disciplina
da mente.
b) Inconstância — o trabalho intelectual, sem uma devida perseverança, não
atinge o objetivo, não chega a nada concreto.
c) Passividade — a leitura passiva, sem trabalho da mente, sem raciocínio, re-
flexão, discussão, impede o verdadeiro progresso intelectual.
d) Excessivo espírito crítico — preocupação exagerada em censurar, criticar,
refutar ou contradizer prejudica o raciocínio lógico.
e) Preguiça — em procurar esclarecimentos de coisas desconhecidas contidas no
texto. Sem a compreensão da terminologia específica, nem sempre se pode entender o
texto.
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f) Deslealdade — distorção do pensamento do autor. Quando há má fé ou se
falsificam as idéias contidas no texto, compromete-se o caráter científico de qualquer
obra. A investigação ou a apreciação deixa de ser uma verdade científica.
Texto Complementar 01: Ler devia ser proibido2
A pensar fundo na questão, eu diria que ler devia ser proibido.Afinal de contas,
ler faz muito mal às pessoas: acorda os homens para realidades impossíveis, tornando-
os incapazes de suportar o mundo insosso e ordinário em que vivem. A leitura induz à
loucura, desloca o homem do humilde lugar que lhe fora destinado no corpo social. Não
me deixam mentir os exemplos de Don Quixote e Madame Bovary. O primeiro, coitado,
de tanto ler aventuras de cavalheiros que jamais existiram meteu-se pelo mundo
afora, a crer-se capaz de reformar o mundo, quilha de ossos que mal sustinha a si e ao
pobre Rocinante. Quanto à pobre Emma Bovary, tomou-se esposa inútil para fofocas e
bordados, perdendo-se em delírios sobre bailes e amores cortesãos.
Ler realmente não faz bem. A criança que lê pode se tornar um adulto perigoso,
inconformado com os problemas do mundo, induzido a crer que tudo pode ser de outra
forma. Afinal de contas, a leitura desenvolve um poder incontrolável. Liberta o homem
excessivamente. Sem a leitura, ele morreria feliz, ignorante dos grilhões que o
encerram. Sem a leitura, ainda, estaria mais afeito à realidade quotidiana, se
dedicaria ao trabalho com afinco, sem procurar enriquecê-la com cabriolas da
imaginação.Sem ler, o homem jamais saberia a extensão do prazer. Não
experimentaria nunca o sumo Bem de Aristóteles: o conhecer. Mas para que conhecer
se, na maior parte dos casos, o que necessita é apenas executar ordens? Se o que deve,
enfim, é fazer o que dele esperam e nada mais?
Ler pode provocar o inesperado. Pode fazer com que o homem crie atalhos para
caminhos que devem, necessariamente, ser longos. Ler pode gerar a invenção. Pode
estimular a imaginação de forma a levar o ser humano além do que lhe é devido.
2 Extraído de In: PRADO, J. & CONDINI, P. (Orgs.). A formação do leitor: pontos de
vista. Rio de Janeiro: Argus, 1999. pp.71-3.
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Além disso, os livros estimulam o sonho, a imaginação, a fantasia. Nos
transportam a paraísos misteriosos, nos fazem enxergar unicórnios azuis e palácios de
cristal. Nos fazem acreditar que a vida é mais do que um punhado de pó em
movimento. Que há algo a descobrir. Há horizontes para além das montanhas, há
estrelas por trás das nuvens. Estrelas jamais percebidas. É preciso desconfiar desse
pendor para o absurdo que nos impede de aceitar nossas realidades cruas.
Não, não dêem mais livros às escolas. Pais, não leiam para os seus filhos, pode
levá-los a desenvolver esse gosto pela aventura e pela descoberta que fez do homem
um animal diferente. Antes estivesse ainda a passear de quatro patas, sem noção de
progresso e civilização, mas tampouco sem conhecer guerras, destruição, violência.
Professores, não contem histórias, pode estimular um curiosidade indesejável em seres
que a vida destinou para a repetição e para o trabalho duro.
Ler pode ser um problema, pode gerar seres humanos conscientes demais dos
seus direitos políticos em um mundo administrado, onde ser livre não passa de uma
ficção sem nenhuma verossimilhança. Seria impossível controlar e organizar a
sociedade se todos os seres humanos soubessem o que desejam. Se todos se pusessem a
articular bem suas demandas, a fincar sua posição no mundo, a fazer dos discursos os
instrumentos de conquista de sua liberdade.
O mundo já vai por um bom caminho. Cada vez mais as pessoas lêem por razões
utilitárias: para compreender formulários, contratos, bulas de remédio, projetos,
manuais etc. Observem as filas, um dos pequenos cancros da civilização
contemporânea. Bastaria um livro para que todos se vissem magicamente
transportados para outras dimensões, menos incômodas. E esse o tapete mágico, o pó
de pirlimpimpim, a máquina do tempo. Para o homem que lê, não há fronteiras, não há
cortes, prisões tampouco. O que é mais subversivo do que a leitura?
É preciso compreender que ler para se enriquecer culturalmente ou para se
divertir deve ser um privilégio concedido apenas a alguns, jamais àqueles que
desenvolvem trabalhos práticos ou manuais. Seja em filas, em metrôs, ou no silêncio
da alcova... Ler deve ser coisa rara, não para qualquer um.
Afinal de contas, a leitura é um poder, e o poder é para poucos.
Para obedecer não é preciso enxergar, o silêncio é a linguagem da submissão.
Para executar ordens, a palavra é inútil.
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Além disso, a leitura promove a comunicação de dores, alegrias, tantos outros
sentimentos... A leitura é obscena. Expõe o íntimo, torna coletivo o individual e
público, o secreto, o próprio. A leitura ameaça os indivíduos, porque os faz identificar
sua história a outras histórias. Torna-os capazes de compreender e aceitar o mundo do
Outro. Sim, a leitura devia ser proibida.
Ler pode tornar o homem perigosamente humano.
02:
Texto Complementar 02 A questão é começar3
Coçar e comer é só começar. Conversar e escrever também. Na fala, antes de iniciar, mesmo
uma livre conversação, é necessário quebrar o gelo. Em nossa civilização apressada, o “bom dia”, o
“boa tarde, como vai?” já não funcionam para engatar a conversa. Qualquer assunto servindo, fala-
se do tempo ou de futebol. No escrever também poderia ser assim, e deveria haver uma escrita algo
como a conversa vadia, com que se divaga até encontrar assunto para um discurso encadeado. Mas
à diferença da conversa falada, nos ensinaram a escrever e na lamentável forma de uma mecânica
que supunha texto prévio, mensagem já elaborada. Escrevia-se o que antes se pensara. Agora
entendo o contrário: escrever para pensar, uma outra forma de conversar.
Assim fomos “alfabetizados”, em obediência a certos rituais. Fomos induzidos a, desde o
início, escrever bonito e certo. Era preciso ter um começo, um desenvolvimento e um fim
predeterminado. Isso estragava, porque bitolava, o começo e todo o resto. Tentaremos agora (quem?
Eu e você, leitor) conversando entender como necessitamos nos reeducar para fazer do escrever um
ato inaugural; não apenas transcrição do que tínhamos em mente, do que já foi pensado ou dito, mas
inauguração do próprio pensar. “Pare aí”, me diz você. “O escrevente escreve antes, o leitor lê
depois”. “Não”, lhe respondo, “Não consigo escrever sem pensar você por perto, espiando o que
escrevo. Não me deixe falando sozinho”.
Pois é, escrever é isso aí: iniciar uma conversa com interlocutores invisíveis, imprevisíveis,
virtuais apenas, sequer imaginados de carne e ossos, mas sempre ativamente presentes. Depois é
espichar conversas e novos interlocutores surgem, entram na roda, puxam outros assuntos. Termina-
se sabe Deus onde. Entretanto, se jogar conversa fora no falar e no escrever são os caminhos para
encontrar um começo, isso não nos exime de chegar a um começo. Diria mais: que, em se tratando
3
Extraído de MARQUES, M. O. A questão é começar. In : Escrever é preciso : o princípio da pesquisa. 2.
ed. Ijuí: Editora UNIJUÍ, 1997, p. 13-15.
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de pesquisa, esta só inicia pela definição de seu começo (o problema, o tema ou o assunto, uma
hipótese, um título, que tudo significa quase o mesmo). Em minha prática, tenho feito do título esse
começo. A coisa só principia a funcionar quando consigo encontrar um título, que provisoriamente
resuma meu problema e se constitua em hipótese a ser trabalhada.
(...) O título é o começo da obra como um todo, e de cada parte ou capítulo com seus
subtítulos. Ele configura e dá nome ao que vamos procurar. Há dois ditos populares que expressam
essa necessidade básica de saber o que queremos : (...) “Quem não sabe o que procura, quando
encontra não se apercebe.” [E] “a quem a porcos vai até as moitas lhe roncam.”
(...) Não se quer dizer que se deva saber por completo o que se procura. Se desde o início se
saber, por que pesquisar, dado que isso significa buscar novo saber? Nas moitas em que se pode
esconder o porco, podem também estar muitas outras surpresas até bem mais interessantes e que
passem a reorientar nossas buscas. Os portugueses se aventuraram por mares nunca dantes
navegados, à procura de pimenta; encontraram muito mais: terras do pau-brasil, das esmeraldas, do
ouro. É certo, no entanto, que se não suspeitassem, a menos que admitissem a hipótese de caminhos
novos conduzindo ao desconhecido, jamais teriam acreditado que navegar fosse preciso.
É, por isso, boa essa idéia de que “quem [procura], quer acha”: quando temos na cabeça um
assunto, em toda parte topamos com referências a ele. E é isso mesmo: escrever é uma obsessão,
paixão. É ter um título, problema-tema-hipótese, e viver com ele essa paixão amorosa o dia todo.
Dorme-se com ele, e se descobre que a noite é a melhor conselheira. Acordamos com ele, e com ele
na cabeça fazemos tudo o mais durante o dia. Gostaríamos, talvez, de ter um tempão só para
escrever. Não adianta, não o temos e, se o tivéssemos, duvido que escrevêssemos melhor. A
critatividade não é bicho que se agarre; ela surge de inopino, nos interstícios, nos sonhos da
imaginação vagamundos, de forma que, quando menos se espera, escrever é preciso.
Há gente que não começa, alegando precisar de tempo. Andam à procura não do tempo
perdido, mas do temo que não lhe dão. Falta tempo ou falta paixão? Qual o viciado que não
encontra tempo e jeito para sua cachacinha no boteco? O tempo não é sólido que não se possa
recortar em fatias para melhor distribuí-lo, nem é líquido sem consistência e densidade/duração
apropriada. O tempo é pastoso, algo que se espicha ou comprime como se quer, que se amolda aos
nossos amores. Havendo paixão não é preciso a cada momento ser alertado (...) [que] a cada dia
[há] como escrever alguma linha que seja, desde que o escrever seja cachaça, não obrigação
insípida. (...).
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Ms. Fabio Augusto de Oliveira Santos
CIÊNCIA E CONHECIMENTO CIENTÍFICO
O CONHECIMENTO CIENTÍFICO E OUTROS TIPOS DE CONHECIMENTO
Ao se falar em conhecimento científico, o primeiro passo consiste em diferenciá-lo de outros
tipos de conhecimento existentes. Para tal, analisemos uma situação histórica, que pode servir de
exemplo.
Desde a Antiguidade, até aos nossos dias, um camponês, mesmo iletrado e/ou
desprovido de outros conhecimentos, sabe o momento certo da semeadura, a época da
colheita, a necessidade da utilização de adubos, as providências a serem tomadas para
a defesa das plantações de ervas daninhas e pragas e o tipo de solo adequado para as
diferentes culturas. Tem também conhecimento de que o cultivo do mesmo tipo, todos
14. Apostila Pós-Graduação: A Metodologia Científica no mundo acadêmico 14
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os anos, no mesmo local, exaure o solo. Já no período feudal, o sistema de cultivo era
em faixas: duas cultivadas e uma terceira em repouso, alternando-as de ano para ano,
nunca cultivando a mesma planta, dois anos seguidos, numa única faixa. O início da
Revolução Agrícola não se prende ao aparecimento, no século XVIII, de melhores
arados, enxadas e outros tipos de maquinaria, mas à introdução, na segunda metade
do século XVII, da cultura do nabo e do trevo, pois seu plantio evitava o desperdício de
se deixar a terra em pousio: seu cultivo “revitalizava” o solo, permitindo utilização
constante. Hoje, a agricultura utiliza-se de sementes selecionadas, de adubos químicos,
de defensivos contra as pragas e tenta-se, até, 6 controle biológico dos insetos
daninhos.
Mesclam-se, neste exemplo, dois tipos de conhecimento: o primeiro, vulgar ou
popular, geralmente típico do camponês, transmitido de geração para geração por meio
da educação informal e baseado em imitação e experiência pessoal; portanto, empírico
e desprovido de conhecimento sobre a composição do solo, das causas do
desenvolvimento das plantas, da natureza das pragas, do ciclo reprodutivo dos insetos
etc.; o segundo, científico, transmitido por intermédio de treinamento apropriado,
sendo um conhecimento obtido de modo racional, conduzido por meio de procedimentos
científicos. Visa explicar “por que” e “como” os fenômenos ocorrem, na tentativa de
evidenciar os fatos que estão correlacionados, numa visão mais globalizante do que a
relacionada com um simples fato — uma cultura específica, de trigo, por exemplo.
Correlação entre Conhecimento Popular e Conhecimento Científico
O conhecimento vulgar ou popular, às vezes denominado senso comum, não se
distingue do conhecimento científico nem pela veracidade nem pela natureza do objeto
conhecido: o que os diferencia é a forma, o modo ou o método e os instrumentos do
“conhecer”. Saber que determinada planta necessita de uma quantidade “X” de água e
que, se não a receber de forma “natural”, deve ser irrigada pode ser um conhecimento
verdadeiro e comprovável, mas, nem por isso, científico. Para que isso ocorra, é
necessário ir mais além: conhecer a natureza dos vegetais, sua composição, seu ciclo de
desenvolvimento e as particularidades que distinguem uma espécie de outra. Dessa
forma, patenteiam-se dois aspectos:
a) A ciência não é o único caminho de acesso ao conhecimento e à verdade.
15. Apostila Pós-Graduação: A Metodologia Científica no mundo acadêmico 15
Ms. Fabio Augusto de Oliveira Santos
b) Um mesmo objeto ou fenômeno — uma planta, um mineral, uma comunidade ou as
relações entre chefes e subordinados — pode ser matéria de observação tanto para o cientista
quanto para o homem comum; o que leva um ao conhecimento científico e outro ao vulgar ou
popular é a forma de observação.
Para Bunge (1976:20), a descontinuidade radical existente entre a Ciência e o
conhecimento popular, em numerosos aspectos (principalmente no que se refere ao
método), não nos deve fazer ignorar certa continuidade em outros aspectos,
principalmente quando limitamos o conceito de conhecimento vulgar ao “bom senso”.
Se excluirmos o conhecimento mítico (raios e trovões como manifestações de desagrado
da divindade pelos comportamentos individuais ou sociais), verificamos que tanto o
‘bom-senso” quanto a Ciência almejam ser racionais e objetivos: “são críticos e aspiram
à coerência (racionalidade) e procuram adaptar-se aos fatos em vez de permitir-se
especulações sem controle (objetividade)”. Entretanto, o ideal de racionalidade,
compreendido como uma sistematização coerente de enunciados fundamentados e
passíveis de verificação, é obtido muito mais por intermédio de teorias, que constituem
o núcleo da Ciência, do que pelo conhecimento comum, entendido como acumulação de
partes ou “peças” de informação frouxamente vinculadas. Por sua vez, o ideal de
objetividade, isto é, a construção de imagens da realidade, verdadeiras e impessoais,
não pode ser alcançado se não se ultrapassarem os estreitos limites da vida cotidiana,
assim como da experiência particular; E necessário abandonar o ponto de vista
antropocêntrico, para formular hipóteses sobre a existência de objetos e fenômenos
além da própria percepção de nossos sentidos, submetê-los à verificação planejada e
interpretada com o auxílio das teorias. Por esse motivo é que o senso comum, ou o
“bom -senso”, não pode conseguir mais do que uma objetividade limitada, assim como é
limitada sua racionalidade, pois está estreitamente vinculado à percepção e à ação.
Características do Conhecimento Popular
“Se o ‘bom senso’, apesar de sua aspiração à racionalidade e objetividade, só
consegue atingir essa condição de forma muito limitada”, pode-se dizer que o
conhecimento vulgar ou popular, é o modo comum, corrente e espontâneo de conhecer,
16. Apostila Pós-Graduação: A Metodologia Científica no mundo acadêmico 16
Ms. Fabio Augusto de Oliveira Santos
que se adquire no trato direto com as coisas e os seres humanos: “é o saber que
preenche nossa vida diária e que se possui sem o haver procurado ou estudado, sem a
aplicação de um método e sem se haver refletido sobre algo” (Babini, 1957:21).
Para Ander-Egg (1978:13-4), o conhecimento popular caracteriza-se por ser
predominantemente:
• superficial, isto é, conforma-se com a aparência, com aquilo que se pode
comprovar simplesmente estando junto das coisas: expressa-se por frases como
“porque o vi”, “porque o senti”, “porque o disseram”, “porque todo mundo o diz”;
• sensitivo, ou seja, referente a vivências, estados de ânimo e emoções da vida
diária;
• subjetivo, pois é o próprio sujeito que organiza suas experiências e
conhecimentos, tanto os que adquire por vivência própria quanto os “por ouvir
dizer”;
• assistemático, pois esta “organização” das experiências não visa a uma
sistematização das idéias, nem na forma de adquiri-las nem na tentativa de
validá-las;
• acrítico, pois, verdadeiros ou não, a pretensão de que esses conhecimentos o
sejam não se manifesta sempre de uma forma crítica.
Os Quatro Tipos de Conhecimento
Verificamos, dessa forma, que o conhecimento científico diferencia-se do popular
muito mais no que se refere ao seu contexto metodológico do que propriamente ao seu
conteúdo. Essa diferença ocorre também em relação aos conhecimentos filosófico e
religioso (teológico).
Trujillo (1974:11) sistematiza as características dos quatro tipos de
conhecimento:
Conhecimento Popular: Valorativo; Reflexivo; Assistemático; Verificável; Falível;
Inexato.
Conhecimento Científico: Real (factual); Contingente; Sistemático; Verificável; Falível;
Aproximadamente exato.
17. Apostila Pós-Graduação: A Metodologia Científica no mundo acadêmico 17
Ms. Fabio Augusto de Oliveira Santos
Conhecimento Filosófico: Valorativo; Racional; Sistemático; Não verificável; Infalível;
Exato.
Conhecimento Religioso (Teológico): Valorativo; Inspiracional; Sistemático; Não
verificável; Infalível; Exato.
CONHECIMENTO POPULAR
O conhecimento popular é valorativo por excelência, pois se fundamenta
numa seleção operada com base em estados de ânimo e emoções: como o conhecimento
implica uma dualidade de realidades, isto é, de um lado o sujeito cognoscente e, de
outro, o objeto conhecido, e este é possuído, de certa forma, pelo cognoscente, os valores
do sujeito impregnam o objeto conhecido. É também reflexivo, mas, estando limitado
pela familiaridade com o objeto, não pode ser reduzido a uma formulação geral. A
característica de assistemático baseia-se na “organização” particular das experiências
próprias do sujeito cognoscente, e não em uma sistematização das idéias, na procura
de uma formulação geral que explique os fenômenos observados, aspecto que dificulta
a transmissão, de pessoa a pessoa, desse modo de conhecer. É verificável, visto que
está limitado ao âmbito da vida diária e diz respeito àquilo que se pode perceber no
dia-a-dia. Finalmente é falível e inexato, pois se conforma com a aparência e com o que
se ouviu dizer a respeito do objeto.
CONHECIMENTO FILOSÓFICO
O conhecimento filosófico é valorativo, pois seu ponto de partida consiste em
hipóteses, que não poderão ser submetidas à observação: “as hipóteses filosóficas
baseiam-se na experiência, portanto, este conhecimento emerge da experiência e não
da experimentação” (Trujillo, 1974:12); por este motivo, o conhecimento filosófico é não
verificável, já que os enunciados das hipóteses filosóficas, ao contrário do que ocorre no
campo da ciência, não podem ser confirmados nem refutados. É racional, em virtude de
consistir num conjunto de enunciados logicamente correlacionados. Tem a
característica de sistemático, pois suas. hipóteses e enunciados visam a uma
representação coerente da realidade estudada, numa tentativa de apreendê-la em sua
totalidade. Por último, é infalível e exato, já que, quer na busca da realidade capaz de
abranger todas as outras, quer na definição do instrumento capaz de apreender a
18. Apostila Pós-Graduação: A Metodologia Científica no mundo acadêmico 18
Ms. Fabio Augusto de Oliveira Santos
realidade, seus postulados, assim como suas hipóteses, não são submetidos ao decisivo
teste da observação (experimentação).
CONHECIMENTO RELIGIOSO
O conhecimento religioso, isto é, teológico, apóia-se em doutrinas que contêm
proposições sagradas (valorativas), por terem sido reveladas pelo sobrenatural
(inspiracional) e, por esse motivo, tais verdades são consideradas infalíveis e
indiscutíveis (exatas); é um conhecimento sistemático do mundo (origem, significado,
finalidade e destino) como obra de um criador divino; suas evidências não são
verificadas: está sempre implícita uma atitude de fé perante um conhecimento
revelado.
CONHECIMENTO CIENTIFICO
Finalmente, o conhecimento científico é real (factual) porque lida com
ocorrências ou fatos, isto é, com toda “forma de existência que se manifesta de algum
modo” (Trujillo, 1974:14). Constitui um conhecimento contingente, pois suas
proposições ou hipóteses têm sua veracidade ou falsidade conhecida através da
experimentação e não apenas pela razão, como ocorre no conhecimento filosófico. É
sistemático, já que se trata de um saber ordenado logicamente, formando um sistema
de idéias (teoria) e não conhecimentos dispersos e desconexos. Possui a característica
da verificabilidade a tal ponto que as afirmações (hipóteses) que não podem ser
comprovadas não pertencem ao âmbito da ciência. Constitui-se em conhecimento
falível, em virtude de não ser definitivo, absoluto ou final e, por este motivo, é
aproximadamente exato: novas proposições e o desenvolvimento de técnicas podem
reformular o acervo de teoria existente.
Apesar da separação “metodológica” entre os tipos de conhecimento popular,
filosófico, religioso e científico, no processo de apreensão da realidade do objeto, o
sujeito cognoscente pode penetrar nas diversas áreas: ao estudar o homem, por
exemplo, pode-se tirar uma série de conclusões sobre sua atuação na sociedade,
baseada no senso comum ou na experiência cotidiana; pode-se analisá-lo como um ser
biológico, verificando, através de investigação experimental, as relações existentes
entre determinados órgãos e suas funções; pode-se questioná-los quanto à sua origem e
19. Apostila Pós-Graduação: A Metodologia Científica no mundo acadêmico 19
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destino, assim como quanto à sua liberdade; finalmente, pode-se observá-lo como ser
criado pela divindade, à sua imagem e semelhança, e meditar sobre o que dele dizem
os textos sagrados.
Por sua vez, estas formas de conhecimento podem coexistir na mesma pessoa: um
cientista, voltado, por exemplo, ao estudo da física, pode ser crente praticante de
determinada religião, estar filiado a um sistema filosófico e, em muitos aspectos de sua
vida cotidiana, agir segundo conhecimentos provenientes do senso comum.
APRENDIZAGEM E CONHECIMENTO
APRENDIZAGEM
CONHECIMENTO
FAMÍLIA COMUNIDADE ESCOLA GOVERNO
20. Apostila Pós-Graduação: A Metodologia Científica no mundo acadêmico 20
Ms. Fabio Augusto de Oliveira Santos
CONHECIMENTO
CONHECIMENTO
O homem por ser
existencial tem que interpretar
a si e ao mundo em que vive,
atribuindo-lhe significações
Filosófico Mítico Religioso ORDINÁRIO Científico
(Comum)
CONHECIMENTO DO SENSO COMUM
1. Surge da necessidade de resolver problemas imediatos.
2. É elaborado de uma forma espontânea e instintiva.
3. Possui caráter utilitarista, sem um aprofundamento crítico e racionalista.
4. São passados de gerações para gerações, transformando-se em crenças.
5. É subjetivo, possui uma linguagem vaga e baixo poder de crítica.
CONHECIMENTO CIENTÍFICO
21. Apostila Pós-Graduação: A Metodologia Científica no mundo acadêmico 21
Ms. Fabio Augusto de Oliveira Santos
1. O homem busca otimizar sua racionalidade de uma forma sistemática, metódica e
crítica.
2. É um produto resultante da investigação científica.
3. Está baseado: na verdade sintática onde os enunciados devem estar
isentos de ambigüidade e de contradição lógica, na verdade semântica em
que o ideal de objetividade deve representar com fidelidade o mundo real e
na verdade pragmática ou seja, na busca da intersubjetividade.
O que é Ciência?
“Ciência [Do lat. scientia] S.f. 1. Conhecimento. 2. Saber que se adquire pela leitura e
Ciência
meditação; instrução, erudição, sabedoria. 3. Conjunto organizado de conhecimentos
relativos a um determinado objeto, especialmente os obtidos mediante a observação, a
experiência dos fatos e um método próprio”
(Dicionário Aurélio de Língua Portuguesa)
“É uma atividade intelectual, desenvolvida por seres humanos, com o objetivo de
descobrir informações sobre o mundo natural no qual os seres humanos vivem e
descobrir meios através dos quais essas informações podem ser organizadas em
padrões compreensíveis.”
(Sheldon Gottlieb)
“Ciência é um conjunto de descrições, interpretações, teorias, leis, modelos, etc,
visando ao conhecimento de uma parcela da realidade, em continua ampliação e
renovação, que resulta da aplicação deliberada de uma metodologia especial
(metodologia científica).”
22. Apostila Pós-Graduação: A Metodologia Científica no mundo acadêmico 22
Ms. Fabio Augusto de Oliveira Santos
Newton Freire-Maia
“(...) na ciência busca-se enunciar leis gerais consideradas suficientes para explicar o
universo físico (em oposição ao mundo metafísico), valendo-se de um método (mais ou
menos variável), do discurso lógico e, fundamentalmente, admitindo que suas
conclusões são provisórias. ”
Gilson Luiz Volpato
Texto Complementar 03: "O que é científico?"
Rubem Alves
Era uma vez um jovem que amava xadrez. Sua vocação era o xadrez. Jogar xadrez lhe dava
grande prazer. Queria passar a vida jogando xadrez. Nada mais lhe interessava. Só lia livros de
xadrez. Estudava as partidas dos grandes mestres. Só conversava sobre xadrez. Quando era
apresentado a uma pessoa sua primeira pergunta era: Você joga xadrez? Se a pessoa dizia que não
ele imediatamente se despedia. Tornou-se um grande mestre. Mas o seu sonho era ser campeão.
Derrotar o computador. Até mesmo quando andava jogava xadrez. Por vezes, aos pulos para frente.
Outras vezes, passinhos na diagonal. De vez em quando, dois pulos para frente e um para o lado. As
pessoas normais fugiam dele porque ele era um chato. Só falava sobre xadrez. Nada sabia sobre as
coisas do mundo como pombas, beijos e sambas. Não conseguia ter namoradas porque seu único
assunto era xadrez. Suas cartas de amor só falavam de bispos, torres e roques. Na verdade ele não
queria namoradas. Queria adversárias. Essas coisas como jogo de damas, jogos de baralho, jogo de
peteca, jogo de namoro eram inexistentes no seu mundo. Inclusive, entrou para uma ordem
religiosa. Eu viajei ao lado dele, de avião, de São Paulo para Belo Horizonte. Cabeça raspada.
Durante toda a viagem rezou o terço. Não prestei atenção mas suspeito que as contas do seu terço
eram peões, cavalos e bispos. Sua metafísica era quadriculada. Deus é o rei. A rainha é nossa
senhora. O adversário são as hostes do inferno. As pessoas normais brincam com muitos jogos de
linguagem: jogos de amor, jogos de poder, jogos de saber, jogos de prazer. jogos de fazer, jogos de
brincar. Porque a vida não é uma coisa só. A vida é uma multidão de jogos acontecendo ao mesmo
tempo, uns colidindo com os outros, das colisões surgindo faiscas. Uma cabeça ligada com a vida é
um festival de jogos. E é isso que faz a inteligência. Mas o nosso heroi, coitado, era cabeça de um
23. Apostila Pós-Graduação: A Metodologia Científica no mundo acadêmico 23
Ms. Fabio Augusto de Oliveira Santos
jogo só. Jogava o tal jogo de maneira fantástica. Especializou-se. Sabia tudo sobre o assunto. E, de
fato, sabia tudo sobre o mundo do xadrez. Mas o preço que pagou é que perdeu tudo sobre o mundo
da vida. Virou um computador ambulante, computador de um disquete só. Disquetes são
linguagens. O corpo humano, muito mais inteligente que os computadores, é capaz de usar muitos
disquetes ao mesmo tempo. Ele passa de um programa para outro sem pedir licença e sem pensar.
Simplesmente pula, salta. Inteligência é isso: a capacidade de pular de um programa para outro, de
dançar muitas danças ao mesmo tempo. O humor se nutre desses pulos. O riso aparece no momento
preciso em que a piada faz a inteligência pular de uma lógica para uma outra. Há a piada dos dois
velhinhos que foram ao gerontologista que, depois de examiná-los, prescreveu uma dieta de
comidas e remédios a ser seguida por duas semanas. Passadas as duas semanas, voltaram. O
resultado deixou o médico estupefato. A velhinha estava linda: sorridente, saltitante, toda maquiada.
O velhinho, um caco, trêmulo, pernas bambas, dentadura frouxa, apoiado na mulher. Como explicar
isso, que uma mesma receita tivesse produzido resultados tão diferentes? Depois de muito
investigar o médico atinou com o acontecido. "- Mas eu mandei o senhor comer avêia três vezes por
dia e o senhor comeu avéia três vezes por dia?" O riso aparece no jogo de ambiguidade entre avêia e
avéia. O nosso heroi nunca ria de piadas porque ele só conhecia a lógica do xadrez, e o riso não está
previsto no xadrez. A inteligência do nosso heroi não sabia pular. Ela só marchava. Faz muitos
anos, um filósofo chamado Herbert Marcuse escreveu um livro ao qual deu o título de O homem
unidimensional . O homem unidimensional é o homem que se especializou numa única linguagem e
vê o mundo somente através dela. Para ele o mundo é só aquilo que as redes da sua linguagem
pegam. O resto é irreal. A ciência é um jogo. Um jogo com suas regras precisas. Como o xadrez. No
jogo do xadrez não se admite o uso das regras do jogo de damas. Nem do xadrez chinês. Ou truco.
Uma vez escolhido um jogo e suas regras, todos os demais são excluidos. As regras do jogo da
ciência definem uma linguagem. Elas definem, primeiro, as entidades que existem dentro dele. As
entidades do jogo de xadrez são um tabuleiro quadriculado e as peças. As entidades que existem
dentro do jogo linguistico da ciência são, segundo Carnap, "coisas-físicas", isso é, entidades que
podem ser ditas por meio de números. Esses são os objetos do léxico da ciência. Mas a linguagem
define também uma sintaxe, isso é, a forma como as suas entidades se movem. Os movimentos das
peças do xadrez são definidos com rigor. E assim também são definidos os movimentos das coisas
físicas do jogo da ciência. Kuhn, no seu livro Estrutura das Revoluções Científicas, diz que os
cientistas fazem ciência pelos mesmos motivos que os jogadores de xadrez jogam xadrez: querem
todos provar-se "grandes mestres". Para se atingir o nível de "grande mestre" no xadrez ou na
ciência é necessária uma dedicação total. Conselho ao cientista que pretende ser "grande mestre":
24. Apostila Pós-Graduação: A Metodologia Científica no mundo acadêmico 24
Ms. Fabio Augusto de Oliveira Santos
lembre-se de que, enquanto você gasta tempo com literatura, poesia, namoro, em conversas no bar
DALI, há sempre um japonês trabalhando no laboratório noite adentro . É possível que ele esteja
pesquisando o mesmo problema que você. Se ele publicar os resultados da pesquisa antes de você,
ele, e não você, será o "grande mestre." O pretendente ao título de "grande mestre" deve se dedicar
de corpo e alma ao jogo da ciência. O cientista que assim procede ficará com conhecimentos cada
vez mais refinados na sua área de especialização: ele conhecerá cada vez mais de cada vez menos.
Mas, à medida que o seu "software" de linguagem científica se expande, os outros "softwares" vão
se atrofiando. Por inatividade. O cientista se transforma num "homem uni-dimensional": vista
apurada para explorar a sua caverna, denominada "área de especialização", mas cego em relação a
tudo o que não seja aquilo previsto pelo jogo da ciência. Sua linguagem é extremamente eficaz para
capturar objetos físicos. Totalmente incapaz de capturar relações afetivas. Se não houvesse homens
no mundo, se o mundo fosse constituido apenas de objetos, então a linguagem da ciência seria
completa. Acontece que os seres humanos amam, riem, têm medo, esperanças, sentem a beleza,
apaixonam-se por ideais. Meteoros são objetos físicos. Podem ser ditos com a linguagem da ciência.
A ciência os estuda e examina a possibilidade de que, eventualmente, um deles venha a colidir com
a terra. Dizem, inclusive, que foi um evento assim que pôs fim aos dinossauros. A paixão dos
homens pelos ideais não é um objeto físico. Não pode ser dita com a linguagem da ciência. No
entanto, ela é um não-objeto que têm poder para se apossar dos homens que, por causa dela se
tornam heróis ou vilões, fazem guerra e fazem paz. Mas um projeto de pesquisa sobre a paixão dos
homens pelos idéias não é admissível na linguagem da ciência. Não seria aceito para ser publicado
numa revista científica indexada internacional. Não é científico.
A ciência é muito boa - dentro dos seus precisos limites. Quando transformada na única
linguagem para se conhecer o mundo, entretanto, ela pode produzir dogmatismo, cegueira e,
eventualmente, emburrecimento.
Texto Complementar 04: Os limites da ciência4
4 Artigo publicado no jornal "O Estado de SP", de 20/10/2000. Elaborado por Washington Novaes –
jornalista, especializado em assuntos de meio ambiente e ex-secretario de C&T e Meio Ambiente do
Distrito Federal)
25. Apostila Pós-Graduação: A Metodologia Científica no mundo acadêmico 25
Ms. Fabio Augusto de Oliveira Santos
Talvez a Fundação Nacional do Índio (FUNAI) não tenha idéia exata do caldeirão
fervente em que pode estar-se metendo com essa decisão de proibir a venda, em suas
lojas, de artesanato indígena que use penas de pássaros, porque estes podem estar em
extinção. A FUNAI pode estar-se enrolando em discussões complicadíssimas,
envolvendo direitos indígenas, respeito ao sagrado e ao religioso, limites da ciência,
por ai. É uma discussão acesa em muitos lugares. Na Europa, está em franco
progresso um movimento supranacional que propõe e pleiteia o retorno a seus lugares
de origem de todos os objetos religiosos, objetos de culto, adornos e restos mortais
(ossos, crânios, tecidos, etc.) retirados principalmente de templos e cemitérios de povos
ditos primitivos, ao longo dos séculos. Da' para imaginar o que acontecera',
principalmente aos museus de arqueologia e ate' ao museu do Vaticano, se o
movimento tiver êxito, como pode ter. Muitas das alas desses museus vão ficar
relegadas aos fantasmas, se tanto. Mas e' nos EUA que o caldeirão ferve mais. Lá, está
em vigor uma lei federal de proteção aos túmulos dos nativos americanos e
repatriação, que pode ser invocada para que sejam devolvidos, aos lugares de onde
foram retirados, restos mortais, esqueletos, crânios, adornos, etc. E, em torno dessa lei,
sucedem-se os conflitos entre índios e cientistas, principalmente arqueólogos e
antropólogos. Acontece que em varias partes do pais tem sido encontrados ossos ou
objetos associados a restos de animais que, datados e estudados, poderiam ajudar a
esclarecer a historia do povoamento dos EUA e das Américas. Ate' ha' pouco tempo,
vigorava a "teoria de Clovis", segundo a qual os objetos e restos de animais ali
encontrados indicavam a chegada do homem ao continente entre 10.800 e 11.500 anos
atrás, vindo pelo Alaska, numa glaciação que criou uma passagem da Ásia para o
extremo norte da América. Nos últimos anos, porem, novos achados em varias partes -
Washington, Wisconsin, Pittsburgh, Idaho, Colorado, Minnesota -puseram em xeque
essa teoria, juntamente com achados no Chile. A ponto de hoje muitos arqueólogos
entenderem que as América passaram por um processo de colonização múltipla, de
varias origens. Para poderem, entretanto, seguir nos estudos, esses cientistas
precisariam ter acesso aos achados arqueológicos. E os índios se opõem. Com base na
lei mencionada, tem conseguido que o governo e a Justiça lhes devolvam os restos
humanos e objetos associados, ou sustem os estudos. Foi assim com os de Kennewick,
no Estado de Washington, reivindicados por uma coalizão de cinco tribos. Com os de
26. Apostila Pós-Graduação: A Metodologia Científica no mundo acadêmico 26
Ms. Fabio Augusto de Oliveira Santos
Idaho, devolvidos aos shoshones e bannocks. Com os do Colorado, já ressepultados.
Com os de Minnesota, entregues aos sioux. O caso de Kennewick ainda esta' na
Justiça, mas o sitio já foi fechado, sob 600 toneladas de rochas. Muitos cientistas estão
indignados. Entendem que tanto a lei federal como as decisões judiciais são
"obscurantistas", pois não se fundam numa verdade cientifica e impedem o avanço da
ciência. Ao que seus adversários respondem que a "verdade" cientifica e' apenas uma
de muitas visões possíveis de mundo. E, em qualquer hipótese, no máximo em pé de
igualdade com outras visões, outras realidades. Não e' um debate muito diferente do
que se trava hoje em torno dos alimentos transgênicos. Mas já' esta' muito mais
adiantado, pelo menos nos EUA, onde os casos abundam.Outro deles envolve um
apache, Ned Anderson, que algum tempo atras recebeu carta anônima denunciando
que o crânio do lendário chefe índio Jeronimo havia sido retirado de seu túmulo, em
Fort Silk, por membros de uma sociedade secreta da Universidade de Yale, onde teria
sido usado em cerimonias secretas, das quais teria participado o próprio pai do ex-
presidente George Bush e avô do atual candidato republicano 'a presidência, George
W. Bush. Anderson recebeu, juntamente com a carta, ate' copias de ata da sociedade
secreta, relatando que o crânio fora retirado por seis oficiais e era usado em rituais 'as
quintas-feiras e aos sábados. Anderson quer o crânio de volta, para sepulta-lo no
Arizona, de onde era Jeronimo. Mas o caso ainda esta' pendente, ate' mesmo porque a
Yales Skull and Bones Society nega estar de posse dele. Curiosa também e' a historia
que se desenrolou no Arizona, onde os índios hopis e navajos reivindicaram o
fechamento de uma mina nos San Francisco Peaks, que em dez anos faturara US$ 30
milhões vendendo pedra-pomes 'a industria de jeans, que a utilizava para envelhecer
artificialmente essas pecas. Segundo os hopis, esse pico e' a morada dos espíritos
Kachina, que vivem ali parte do ano, sob a forma de nuvens. Para os navajos, e' uma
das fronteiras do seu universo. Em defesa dos índios, entrou também na Justiça uma
das maiores organizações ambientalistas dos EUA, o Sierra Club, alegando que o uso
de pedra-pomes era um desperdício enorme, porque reduzia em dois anos o tempo de
vida útil das calcas. Os índios ganharam a questão na Justiça. E na hora em que era
assinado um acordo - pelo qual a empresa se comprometeu a fechar a mina em seis
meses - choveu no lugar. Segundo os índios, eram os espíritos agradecendo. Que
pensara' a ciência?
27. Apostila Pós-Graduação: A Metodologia Científica no mundo acadêmico 27
Ms. Fabio Augusto de Oliveira Santos
DIRETRIZES PARA A ELABORAÇÃO DE UM
TRABALHO CIENTÍFICO5
Este texto visa tecer considerações sobre as exigências metodológicas da
elaboração do trabalho científico e apresentar diretrizes para sua composição. Como as
considerações e diretrizes são bastantes práticas e gerais, aplicam-se a todo trabalho
de natureza teórica, científica ou filosófica que deva ser elaborado de acordo com as
diretrizes impostas à monografia científica.
Na área do pensamento e da expressão filosófica e científica, certas exigências de
organização prévia e de metodologia de execução se impõem. Já não se pode conceber,
a não ser depois de amadurecido o raciocínio, a elaboração de um trabalho científico ao
sabor da inspiração intuitiva e espontânea, sem obediência a um plano e aplicação de
um método.
No caso do ambiente acadêmico, essas exigências garantem bom êxito na
aprendizagem e proporcionam tirocínio necessário para o amadurecimento intelectual.
5
SEVERINO, Antônio Joaquim. Metodologia do trabalho científico. SP: Cortez, 2000. p. 73 – 85.
28. Apostila Pós-Graduação: A Metodologia Científica no mundo acadêmico 28
Ms. Fabio Augusto de Oliveira Santos
Ao lado, pois, da iniciação teórica e histórica à filosofia e à ciência, há a iniciação
metodológica à sua criação e expressão.
A preparação metódica e planejada de um trabalho científico supõe uma seqüência
de momentos, compreendendo as seguintes etapas:
1. determinação do tema-problema do trabalho;
2. levantamento da bibliografia referente a esse tema;
3. leitura e documentação dessa bibliografia após seleção;
4. construção lógica do trabalho;
5. redação do texto.
AS ETAPAS DA ELABORAÇÃO
Determinação do Tema-problema-tese do Trabalho
Nesta primeira etapa, escolhe-se e determina-se o assunto sobre o qual versará o
trabalho. Ainda quando o tema é proposto pelo professor, cabe ao aluno delimitar, com
precisão, o tema indicado, ou seja, é preciso distingui-lo de temas afins, tendo presente
o domínio sobre o qual vai trabalhar. Durante o estudo do tema delimitado pode
ocorrer alguma alteração desta primeira delimitação, mas, ainda que isto seja
freqüente, é necessário que o aluno inicie seu trabalho de posse de um tema bem
definido.
Mais do que o objeto em si do trabalho, é importante a perspectiva sobre a qual é
tratado. Assim, uma coisa é escrever sobre a liberdade em geral, outra sobre a
liberdade psicológica, outra sobre a liberdade política. O conteúdo do objeto do estudo
pode ser o mesmo, mas as perspectivas sob as quais se faz esse estudo é o que
determina o desenvolvimento do trabalho. Outras vezes o tema deve ser colocado
numa estrutura de relações, pois o objeto é estudado em relação a outro, importando
mais essa relação do que os seus termos.
Finalmente, tratando-se de trabalhos acadêmicos, com finalidades didáticas e
propedêuticas, o tema escolhido ou delimitado deve deixar margem para a pesquisa
positiva, bibliográfica ou de campo, com a necessária aprendizagem desses métodos de
pesquisa, não sendo, portanto, o trabalho uma pura criação mental do aluno. Por isso,
escolhe-se um tema já abordado por outros, anteriormente, embora de outras
perspectivas, para que haja obras a respeito dele, podendo o aluno pesquisar e
29. Apostila Pós-Graduação: A Metodologia Científica no mundo acadêmico 29
Ms. Fabio Augusto de Oliveira Santos
consultar documentação para a realização do seu trabalho.
Por outro lado, a visão clara do tema do trabalho, do assunto a ser tratado, a
partir de determinada perspectiva, deve completar-se com sua colocação em termos de
problema. O raciocínio — parte essencial de um trabalho não se desencadeia quando
não se estabelece devidamente um problema. Em outras palavras, o tema deve ser
problematizado. Toda argumentação, todo raciocínio desenvolvido num trabalho
logicamente construído é uma demonstração que visa solucionar determinado
problema. A gênese dessa problemática dar-se-á pela reflexão surgida por ocasião das
leituras, dos debates, das experiências, da aprendizagem, enfim da vivência intelectual
no meio do estudo universitário e no ambiente científico e cultural.
Portanto, antes da elaboração do trabalho, é preciso ter idéia clara do problema a
ser resolvido, da dúvida a ser superada. Exige-se consciência da problemática
específica relacionada com o tema abordado de determinada perspectiva, cuja natureza
especificará o tipo e o método de pesquisa e de reflexão a serem utilizados no decorrer
do trabalho.
A colocação clara do problema desencadeia a formulação da hipótese geral a ser
comprovada no decorrer do raciocínio. Quando o autor se define afinal por uma solução
que pretende demonstrar no curso do trabalho, pode-se então falar de tese ou de idéia
central de seu trabalho.
O trabalho tem por objetivo último transmitir uma mensagem, comunicar o
resultado final de uma pesquisa e de uma reflexão. Por isso, deve demonstrar uma
única idéia, comprovar uma única hipótese, defender uma única tese, assumindo uma
posição única relacionada com o problema específico levantado pela consideração do
tema. Assim, a decisão, a opção por determinada posição, é posterior à discussão de
possíveis alternativas.
De qualquer modo, exige-se uma idéia daquilo que se pretende dizer a respeito do
assunto escolhido e que se apresenta como uma tomada de posição sobre o tema-
problema. Este adquire então a forma lógica de tese, de idéia central, ou seja, de
proposição portadora da mensagem principal do trabalho que deverá ser demonstrada
logicamente através do raciocínio. Todo discurso científico pretende demonstrar uma
posição a respeito do tema problematizado.
Ainda no âmbito dos trabalhos didáticos, o tema, o problema e a tese devem ser
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Ms. Fabio Augusto de Oliveira Santos
determinados a partir de um texto. Neste caso, a etapa de delimitação temática é feita
a partir de uma leitura analítica do mesmo.
Nos casos de monografias de final de curso, dissertação de mestrado e de tese de
doutorado, esta etapa nasce da experiência intelectual, leitura, discussão e reflexão.
A determinação do tema, do problema e da tese deve anunciar e garantir, senão
na formulação técnica, pelo menos quanto ao significado, o caráter monográfico do
trabalho. Isto quer dizer que a abordagem própria do trabalho científico deve ser a
mais monográfica possível, atendo-se ao aspecto delimitado do tema a ser tratado. Tal
exigência de maior restrição temática é tanto maior quanto mais científico for o tipo de
trabalho a que se vise. Nas teses de doutorado e nas dissertações de mestrado ela será
maior do que nos trabalhos didáticos, os quais, nem por isso, devem deixar de buscar a
delimitação de sua temática.
Distinguem-se três fases no amadurecimento de um trabalho: há o momento da
invenção, da intuição, da descoberta, da formulação de hipóteses, fase eminentemente
lógica em que o pensamento é provocador, o espírito é atuante; logo após parte-se para
a pesquisa positiva, seja experimental, seja de campo ou bibliográfica. Nesta etapa, o
espírito é posto diante dos fatos, de outras idéias; há a oportunidade de cotejar as
primeiras intuições com as intuições alheias ou com os fatos objetivos. Do confronto
nasce uma posição amadurecida. Abandonam-se algumas idéias, acrescentam-se
outras novas, reformulam-se outras. Isto quer dizer que a primeira formulação não é
necessariamente definitiva: inicialmente, do ponto de vista lógico, será tão-somente
provisória. Já na terceira etapa, ou seja, no momento em que, amadurecida uma
posição, se parte para a composição do trabalho, então é preciso estar de posse de uma
formulação definitiva, que poderá confirmar a primeira ou modificá-la.
Nas presentes diretrizes, estas fases não estão sendo consideradas distintamente,
uma vez que são concomitantes nas várias etapas do trabalho científico, considerado
de um ponto de vista da técnica de sua elaboração.
Levantamento da Bibliografia
Estabelecido e delimitado o tema do trabalho e formulados o problema e a
hipótese, o próximo passo é o levantamento com documentação existente sobre o
assunto. Já uma fase heurística, ciência, técnica e arte da pesquisa de documentos.
31. Apostila Pós-Graduação: A Metodologia Científica no mundo acadêmico 31
Ms. Fabio Augusto de Oliveira Santos
Desencadeia-se uma série de procedimentos para a localização e busca metódica dos
documentos que possam interessar ao tema discutido.
Tais documentos se definem pela natureza dos temas estudados e pelas áreas em
que os trabalhos se situam. Tratando-se de trabalhos no âmbito da reflexão teórica,
tais documentos são basicamente textos, livros, artigos entre outros.
A bibliografia como técnica tem por objetivo a descrição e a classificação dos livros
e documentos similares, segundo critérios, tais como autor, gênero literário, conteúdo
temático, data etc. Dessa técnica resultam repertórios, boletins, catálogos
bibliográficos. E é a eles que se deve recorrer quando se visa elaborar a bibliografia
especial referente ao tema do trabalho. Fala-se de bibliografia especial porque a
escolha das obras deve ser criteriosa, retendo apenas aquelas que interessem
especificamente ao assunto tratado.
Os repertórios, os boletins e os catálogos são obras especializadas no levantamento
das publicações, indistintamente de todas as áreas ou restritas a áreas determinadas.
Assim, existem repertórios de filosofia que só assinalam obras referentes à filosofia. O
mesmo acontece com as demais áreas do saber.
Os estudiosos encontram também nas grandes enciclopédias, nos dicionários
especializados, nas monografias, nos tratados, nos textos didáticos, nas revistas,
informações bibliográficas para trabalhos de cunho científico nas respectivas áreas.
Outras fontes para o levantamento bibliográfico são os fichários das bibliotecas. Tais
fichários catalogam livros, seja pelo critério de autor, seja pelo critério de assunto. No
primeiro caso, através do nome de um autor identifica-se, pela ordem alfabética, as
respectivas fichas; já no fichário por assuntos, as obras são classificadas de acordo com
números-códigos estabelecidos por sistemas universais de classificação temática. Neste
caso, identifica-se o número sob o qual o assunto é classificado, para o que se deve
consultar o índice de assuntos que se encontra num pequeno arquivo junto aos
fichários gerais na ante-sala das bibliotecas e, em seguida, procura-se no fichário de
assuntos as respectivas fichas, pela ordem numérica.
As informações colhidas pela heurística devem ser transcritas primeiramente nas
fichas bibliográficas. Na face dessas fichas são transcritos os dados referentes ao
documento em si, conforme as técnicas bibliográficas. A seguir, assinala-se com grande
proveito o código das bibliotecas onde encontra-se o documento, as resenhas do
32. Apostila Pós-Graduação: A Metodologia Científica no mundo acadêmico 32
Ms. Fabio Augusto de Oliveira Santos
documento e eventualmente alguma rápida apreciação. Como essas fichas são a base
de qualquer trabalho científico, todo estudioso deveria formar um fichário na sua
especialidade, o que lhe seria de extrema utilidade no momento de qualquer pesquisa.
Todos esses dados constantes de catálogos e das demais fontes bibliográficas já
estão integrando, nos dias de hoje, os CD-ROMs, bem como os bancos de dados da
Internet. Esses CDs podem ser acessados em microcomputadores, graças aos
programas de multimídia. Os bancos de dados da Internet com fontes bibliográficas
são acessáveis graças aos programas de busca. Tal pesquisa facilita e enriquece
enormemente o trabalho de levantamento dessas fontes documentais.
Leitura e Documentação
Terminado o levantamento bibliográfico, é chegado o momento de iniciar o
trabalho da pesquisa propriamente dita, o momento da leitura e da documentação.
O Plano Provisório do Trabalho
Antes de começar a leitura, o aluno elabora um roteiro de seu trabalho. Trata-se
de uma primeira estruturação do trabalho, baseada em grandes idéias oriundas dos
vários aspectos que pode ter um problema referente ao assunto estudado. São essas
idéias que nortearão a leitura e a pesquisa que se iniciam. Essa etapa é fundamental,
pois que sem uma idéia-diretriz na mente a leitura e a documentação não serão
suficientemente fecundas. Antes, pois, de começar a ler a bibliografia, tenham-se
presentes na mente as grandes linhas que serão as colunas mestras do trabalho. Essas
idéias são percebidas intuitivamente pelo aluno ou são frutos da sugestão do próprio
problema levantado pela tese ou ainda de alguma insinuação de estudos anteriores.
Essas idéias exercem o papel de chamariz, são elas que mostram nos textos lidos
aqueles elementos que devem ser retidos para futuro aproveitamento na composição
do trabalho.
Esse roteiro provisório será reformulado no decorrer do trabalho. Novas idéias
surgirão, exigidas pelas primeiras, outras perderão o valor. O plano definitivo só será
estabelecido no final da pesquisa positiva.
A Leitura de Documentação
33. Apostila Pós-Graduação: A Metodologia Científica no mundo acadêmico 33
Ms. Fabio Augusto de Oliveira Santos
De posse de um roteiro de idéias, parte-se para a análise dos documentos em
busca dos elementos que se revelem importantes para o trabalho.
A primeira medida, no entanto, é operar uma triagem em todo o material
recolhido durante a elaboração da bibliografia. Nem tudo será necessariamente lido,
pois nem tudo interessará devidamente ao tema a ser estudado. Os documentos que se
revelarem pouco pertinentes ao tema serão deixados de lado. Para presidir a essa
triagem, utilizem-se as resenhas, que permitem avaliar a utilidade do documento em
questão. Na falta delas, além da opinião de especialistas, o melhor caminho é tomar
contato direto com a obra, lendo seu sumário, o prefácio, a introdução, as “orelhas”,
assim como algumas passagens do seu texto, até o momento em que se possa ter dela
uma opinião.
Uma vez definidos os documentos a serem pesquisados, procede-se à leitura
combinando o critério de atualidade com o critério da generalidade para o
estabelecimento da ordem de leitura. Inicia-se pelos textos mais recentes, e mais
gerais, indo para os mais antigos e mais particulares. As obras recentes geralmente
retomam as contribuições significativas do passado, dispensando assim uma volta a
textos superados. Observar, contudo, que obras clássicas dificilmente perdem seu valor
de atualidade. Já na questão da generalidade, atentar para as condições de quem está
fazendo o trabalho, levando em conta o nível em que se encontra, a dificuldade do
tema, a familiaridade do autor com o assunto e com a área em que é tratado. Feitas
essas ressalvas, a ordem lógica é partir das obras gerais-enciclopédias, dicionários,
tratados etc., chegando às monografias especializadas e aos artigos de revista, muito
importantes devido a sua atualidade.
A essa altura dá-se início à leitura. Note-se, contudo, que já não se trata de uma
leitura analítica desses documentos em vista da reconstituição do processo do
raciocínio do autor. Mesmo quando a leitura integral do texto se fizer necessária, ela
será feita tendo em vista o aproveitamento direto apenas daqueles elementos que
sirvam para articular as idéias do novo raciocínio que se desenvolve. Os elementos a
serem recolhidos visam reforçar, apoiar e justificar as idéias pessoais formuladas pelo
autor do trabalho. Esses elementos retirados das várias fontes dão às várias
afirmações do autor, além do material sobre o qual se trabalha, a garantia de maior
objetividade fundada no testemunho e na verificação de outros pensadores.
34. Apostila Pós-Graduação: A Metodologia Científica no mundo acadêmico 34
Ms. Fabio Augusto de Oliveira Santos
A Documentação
À medida que se procede à leitura e que elementos importantes vão surgindo, faz-
se a documentação. Trata-se de tomar nota de todos os elementos que serão utilizados
na elaboração do trabalho científico.
Quando se fala aqui de documentação, refere-se à tomada de apontamentos
durante a leitura de consulta e pesquisa. Esses apontamentos servem de matéria-
prima para o trabalho e funcionam como um primeiro estágio de rascunho. É
desaconselhável tomar notas em cadernos, de maneira seqüencial, assim como
também não é prático assinalar no próprio texto as passagens importantes que
eventualmente serão aproveitadas através de citações na redação final do trabalho.
Essa técnica, se tiver alguma utilidade, só a terá para a leitura analítica.
Os elementos julgados válidos devem ser transcritos nas fichas de documentação.
Mas o quê exatamente e como se deve transcrever na ficha de documentação? Passa-se
para a ficha alguma passagem completa do texto que se lê, caso em que se deve
transcrever ao pé da letra, colocando-se tudo entre aspas e citando a fonte; em outros
casos faz-se apenas a síntese das idéias em questão; nesta hipótese, as aspas são
dispensadas, mas mantém-se a citação da fonte. Conforme o hábito pessoal, a
transcrição nas fichas será feita interrompendo-se a leitura (o que é mais
aconselhável) ou, então, primeiramente será feita uma leitura completa do texto
pesquisado, assinalando-se levemente as passagens importantes, transcrevendo-as a
seguir.
As fichas de documentação contêm, além do corpo da citação e referências
indicadoras da fonte, um título e um subtítulo que permitem identificá-las e classificá-
las. Esses títulos, colocados no alto à direita, são definidos pelas idéias diretrizes do
roteiro provisório. Igualmente, quando surge uma idéia nova, um aspecto até então
despercebido, lança-se um novo título nas fichas de documentação e o material passa a
fazer parte do plano de trabalho.
A técnica da documentação em fichas tem, do ponto de vista didático, no contexto
universitário brasileiro, a vantagem de permitir eficiência no trabalho em equipe,
garantindo a participação complementar de todos os membros do grupo. Com efeito,
parte-se de um roteiro comum e os integrantes da equipe pesquisam isoladamente,
35. Apostila Pós-Graduação: A Metodologia Científica no mundo acadêmico 35
Ms. Fabio Augusto de Oliveira Santos
cada um lendo e documentando textos diferentes. No fim das pesquisas, as fichas de
fontes diferentes são agrupadas conforme os temas definidos pelos títulos e subtítulos,
faltando apenas a construção posterior do trabalho.
Durante a pesquisa, ou em outras circunstâncias da vivência intelectual, o leitor
sempre pode ter idéias próprias sobre algum dos tópicos que está discutindo. As fichas
de documentação servem também para registrar essas idéias que, se não forem logo
gravadas, acabam perdendo-se. Enfim, nesta fase do trabalho, tudo o que interessar ao
mesmo deverá ser transposto para as fichas que formarão o acervo do material com o
qual se trabalhará ria construção formal do novo texto.
A Construção Lógica do Trabalho
Construção lógica ou síntese é a coordenação inteligente das idéias conforme as
exigências racionais da sistematização própria do trabalho. Pode acontecer que, devido
a desdobramentos ocorridos durante a pesquisa, se faça necessária uma reformulação
do roteiro provisório para o estabelecimento do plano definitivo.
A ordem lógica do pensamento de quem escreve pode não coincidir com a ordem de
descoberta e de intuição do autor. Isto é normal, já que o pensamento expresso não
pode perder de vista a finalidade que tem de comunicar ao leitor essas descobertas.
Por isso, o que interessa antes de tudo é a inteligibilidade do texto.
A construção lógica do trabalho é o arranjo encadeado dos raciocínios utilizados
para a demonstração da hipótese formulada no início. Naturalmente, esses raciocínios,
em trabalhos que comportem elementos de pesquisa positiva de bibliografia, como na
maioria dos trabalhos acadêmicos, são formados a partir dos dados colhidos nas fontes
consultadas e a partir das idéias descobertas pela reflexão do autor.
Todo trabalho científico, seja ele uma tese, um texto didático, um artigo ou uma
simples resenha deve constituir uma totalidade de inteligibilidade, estruturalmente
orgânica, deve formar uma unidade com sentido intrínseco e autônomo para o leitor
que não participou de sua elaboração, que internamente as partes se concatenem
logicamente.
Concretamente, isto quer dizer que as partes do trabalho, seus capítulos e, no
interior deles, os parágrafos devem ter uma seqüência lógica rigorosa determinada
pela estrutura do discurso. Não basta que as proposições tenham sentido em si
36. Apostila Pós-Graduação: A Metodologia Científica no mundo acadêmico 36
Ms. Fabio Augusto de Oliveira Santos
mesmas: é necessário que o sentido esteja logicamente inserido no contexto do discurso
e da redação.
Do ponto de vista da estrutura formal, o trabalho tem três partes fundamentais: a
introdução, o desenvolvimento e a conclusão. E dentro desta estrutura que se
desenvolverá o raciocínio demonstrativo do discurso em questão.
introdução,
A introdução quando for o caso, levanta o estado da questão, mostrando o que já
foi escrito a respeito do tema e assinalando a relevância e o interesse do trabalho. Em
todos os casos, manifesta as intenções do autor e os objetivos do trabalho, enunciando
seu tema, seu problema, sua tese e os procedimentos que serão adotados para o
desenvolvimento do raciocínio. Encerra-se com uma justificação do plano do trabalho.
Lendo a introdução, o leitor deve sentir-se esclarecido a respeito do teor da
problematização do tema do trabalho, assim como a respeito da natureza do raciocínio
a ser desenvolvido. Evitem-se intermináveis retrospectos históricos, a apresentação
precipitada dos resultados, os discursos grandiloqüentes. Deve ser sintética e versar
única e exclusivamente sobre a temática intrínseca do trabalho. Note-se que é a última
parte do trabalho a ser escrita.
O desenvolvimento corresponde ao corpo do trabalho e será estruturado conforme
as necessidades do plano definitivo da obra. As subdivisões dos tópicos do plano lógico,
os itens, seções, capítulos etc. surgem da exigência da logicidade e da necessidade de
clareza e não de um critério puramente espacial. Não basta enumerar simetricamente
os vários itens: é preciso que haja subtítulos portadores de sentido. Em trabalhos
científicos, todos os títulos de capítulos ou de outros itens devem ser temáticos e
expressivos, ou seja, devem dar a idéia exata do conteúdo do setor que intitulam.
A fase de fundamentação lógica do tema deve ser exposta e provada; a
reconstrução racional tem por objetivo explicar, discutir e demonstrar. Explicar é
tornar evidente o que estava implícito, obscuro ou complexo; é descrever, classificar e
definir. Discutir é comparar as várias posições que se entrechocam dialeticamente.
Demonstrar é aplicar a argumentação apropriada à natureza do trabalho. É partir de
verdades garantidas para novas verdades.
A conclusão é a síntese para a qual caminha o trabalho. Será breve e visará
recapitular sinteticamente os resultados da pesquisa elaborada até então. Se o
trabalho visar resolver uma tese-problema e se, para tal, o autor desenvolver uma ou
37. Apostila Pós-Graduação: A Metodologia Científica no mundo acadêmico 37
Ms. Fabio Augusto de Oliveira Santos
várias hipóteses, através do raciocínio, a conclusão aparecerá como um balanço do em-
preendimento. O autor manifestará seu ponto de vista sobre os resultados obtidos,
sobre o alcance dos mesmos.
Quando o trabalho é essencialmente analítico e comporta uma pesquisa positiva
sobre o pensamento de outros autores, esta conclusão pode ser fundamentalmente
crítica. Quando, porém, a crítica é mais desenvolvida, entrará no corpo do trabalho
como um capítulo.
A Redação do Texto
A fase de redação consiste na expressão literária do raciocínio desenvolvido no
trabalho. Guiando-se pelas exigências próprias da construção lógica, o autor redige o
texto, confrontando as fichas de documentação, criando o texto redacional em que vão
inserir-se. Uma vez de posse do encadeamento lógico do pensamento, esse trabalho é
apenas uma questão de comunicação literária.
Recomenda-se que a montagem do trabalho seja feita através de uma primeira
redação de rascunho. Terminada a primeira composição, sua leitura completa
permitirá uma revisão adequada do todo e a correção de possíveis falhas lógicas ou
redacionais. Apesar da clareza e eficiência que o método de fichas possibilita para a
redação do trabalho, muitos aspectos desnecessários acabam sobrando no mesmo e só
depois de uma leitura atenta podem ser eliminados.
Em trabalhos científicos, impõe-se um estilo sóbrio e preciso, importando mais a
clareza do que qualquer outra característica estilística. A terminologia técnica só será
usada quando necessária ou em trabalhos especializados, nível em que já se tornou
terminologia básica. De qualquer modo, é preciso que o leitor entenda o raciocínio e as
idéias do autor sem ser impedido por uma linguagem hermética ou esotérica.
Igualmente evita-se a pomposidade pretensiosa, o verbalismo vazio, as fórmulas feitas
e a linguagem sentimental. O estilo do texto será determinado pela natureza do
raciocínio específico às várias áreas do saber em que se situa o trabalho.
A Construção do Parágrafo
De um ponto de vista da redação do texto, é importante ressaltar a questão da
construção do parágrafo. O parágrafo é uma parte do texto que tem por finalidade
38. Apostila Pós-Graduação: A Metodologia Científica no mundo acadêmico 38
Ms. Fabio Augusto de Oliveira Santos
expressar as etapas do raciocínio. Por isso, a seqüência dos parágrafos, o seu tamanho
e a sua complexidade dependem da própria natureza do raciocínio desenvolvido. Duas
tendências são incorretas: ou o excesso de parágrafos - praticamente cada frase é tida
como um novo parágrafo - ou a ausência de parágrafos. Como a paragrafação
representa, ao nível do texto, as articulações do raciocínio, percebe-se então a
insegurança de quem assim escreve. Neste caso, é como se as idéias e as proposições a
elas correspondentes tivessem as mesmas funções, a mesma relevância no
desenvolvimento do discurso e como se este não tivesse articulações.
A mudança de parágrafo toda vez que se avança na seqüência do raciocínio marca
o fim de uma etapa e o começo de outra.
A estrutura do parágrafo reproduz a estrutura do próprio trabalho; constitui-se de
uma introdução, de um corpo e de uma conclusão. Na introdução, anuncia-se o que se
pretende dizer; no corpo, desenvolve-se a idéia anunciada; na conclusão, resume-se ou
sintetiza-se o que se conseguiu.
Dependendo da natureza do texto e do raciocínio que lhe é subjacente, o parágrafo
representa a exposição de um raciocínio comum, ou seja, comporta premissas e
conclusão.
Portanto, a articulação de um texto em parágrafos está intimamente vinculada à
estrutura lógica do raciocínio desenvolvido. É por isso mesmo que, na maioria das
vezes, esses parágrafos são iniciados com conjunções que indicam as várias formas de
se passar de uma etapa lógica à outra.
Conclusão
A redação do trabalho exige o domínio prático de todo um instrumental técnico
que deve ser utilizado devidamente. Como em outros setores da metodologia, aqui
também há muitas divergências nas orientações. As diretrizes que seguem pretendem
ser as mais práticas possíveis e visam atingir os trabalhos didáticos mais comuns à
vida universitária. São normas gerais que, no caso de trabalhos específicos, precisam
ser complementadas com as exigências que lhes são específicas.
39. Apostila Pós-Graduação: A Metodologia Científica no mundo acadêmico 39
Ms. Fabio Augusto de Oliveira Santos
- O que será feito?
Escolha do tema - A quem se
P 1. destina?
INTRODUÇÃO Problemática - Onde vai ser
aplicado?
R Justificativa - Por quê fazer?
O
J Revisão da
O que já existe
E 2. DISCUSSÃO
BIBLIOGRÁFIC
literatura
sobre o
T A específica assunto?
O
Mola Quais os
anseios?
3. OBJETIVOS propulsora do
D trabalho
Qual o
propósito?
E
P
E
40. Apostila Pós-Graduação: A Metodologia Científica no mundo acadêmico 40
Ms. Fabio Augusto de Oliveira Santos
Atividades a
serem Como serão
4.
METODOLOGIA desenvolvidas Desenvolvidas?
Semanas ?
Tempo de
5. Meses ?
CRONOGRAMA execução
Bimestres ?
Todo material
6.BIBLIOGRAFIA usado na
elaboração
Definições para o termo PROJETO:
I - Definições para o termo PROJETO segundo o Dicionário Aurélio: 1. idéia que
se forma de executar ou realizar algo, no futuro; plano, intento, desígnio. 2.
empreendimento a ser realizado dentro de determinado esquema. 3. Redação ou esboço
preparatório ou provisório de um texto. 4. Arquit. Plano geral de edificação.
II. Definições para o termo PROJETO segundo as teorias de Gestão
Empresarial: é um conjunto de ações executadas de forma coordenada por uma
organização, ao qual são alocados os insumos necessários para, em um dado prazo,
atingir um objetivo. Sendo este objetivo geralmente específico em termos de custos,
tempo e desempenho. Cada projeto é único, tendo objetivos definidos e mensuráveis,
além de possuir um ciclo de vida.
(pesquisador da área de metodologia científica):
III - Antônio Joaquim Severino ( :
é o que define e planeja o caminho a ser seguido no desenvolvimento das atividades,
41. Apostila Pós-Graduação: A Metodologia Científica no mundo acadêmico 41
Ms. Fabio Augusto de Oliveira Santos
impondo não só a ordem dos procedimentos lógicos, mas também os termos de
organização do tempo, de seqüência de roteiros e cumprimentos dos prazos.
IV - Lina Teixeira de Souza (cientista na área de pesquisas educacionais): Fazer
:
um projeto é antes de tudo planejar, é traçar um caminho eficaz que possibilita a
condução do educador a atingir seus objetivos, livrando-o do perigo de perder-se no
caminho, antes de alcançar o final almejado. Ao elaborar um projeto, o educador deve
se preocupar com questões que vão desde a escolha do tema, a leitura bibliográfica
sobre o assunto, a fixação dos objetivos, a determinação da metodologia, até a
elaboração do cronograma final.
V - Umberto Eco (escritor): Um bom projeto é aquele que apresenta um tema
inovador, com documentação bem elaborada e apresentação segura e organizada.
VI - Moacir Gadotti (educador): Um projeto pedagógico tem que ter teorias,
consciências, mas tem que ter sensibilidade, porque a sensibilidade começa com as reações que
construímos. Uma escola não são só seus currículos, seus alunos, seus professores, seus dirigentes.
Uma escola é um conjunto de relações sociais e humanas que vão se construindo. Um projeto
pedagógico não é um livro ou um documento, é sobretudo um processo.
VII - (Prof. Fabio): Projeto é um conjunto organizado de recursos que procura
viabilizar/satisfazer uma necessidade específica de alguém ou uma
organização/instituição. No âmbito escolar é o instrumento clarificador da prática
educativa. Trata-se do conjunto de princípios, valores e vivências que estão em
processo dentro de uma escola. Não é mera formalidade, representa a identidade de
todo um grupo. É um instrumento que permite repensar, refazer e aprimorar prática
do educador.
O PROJETO DE PESQUISA
Iniciar uma pesquisa sem desenvolver um projeto, é lançar-se à improvisação, é
perder-se num emaranhado de dados colhidos, sem saber seu significado e
importância, é encontrar-se confuso e inseguro, reduplicando esforços inutilmente,
sendo este o motivo de muita pesquisa começada e não terminada, resultando num
42. Apostila Pós-Graduação: A Metodologia Científica no mundo acadêmico 42
Ms. Fabio Augusto de Oliveira Santos
lastimoso esbanjamento de tempo e recursos.“Planejar significa traçar um curso de
ação que podemos seguir para que nos leve às nossas finalidades desejadas”
(Churchman, 1971, p.63).
Fazer um projeto de pesquisa é antes de tudo planejar, é traçar um caminho
eficaz que possibilita a condução do pesquisador a atingir seus objetivos, livrando-o do
perigo de perder-se no caminho, antes de alcançar o final almejado.
Ao elaborar um projeto de pesquisa, o pesquisador deve se preocupar com
questões que vão desde a escolha do tema, fixação dos objetivos, determinação da
metodologia, coleta de dados, análise e interpretação dos dados coletados, até a
elaboração do relatório final. Tudo deve ser previsto pelo pesquisador, não se
esquecendo do cronograma de atividades, pois o tempo de execução de cada etapa do
trabalho é de fundamental importância para o bom desempenho e resultado final da
pesquisa.
ESTRUTURA DO PROJETO DE PESQUISA
Capa
Deverá constar:
• nome do pesquisador;
• título e subtítulo (se houver) provisório do tema que será trabalhado;
• local (cidade);
• data (ano).
Introdução
Composta pela Apresentação do problema e Justificativa para a elaboração do
projeto.
A Introdução consiste na apresentação clara da relevância do tema proposto,
tanto de ordem teórica, como de ordem prática.
Devem ser indicados:
• conhecimentos e experiências referentes ao tema;
• contribuições que a pesquisa poderá trazer para a comunidade em que está
inserida;
• relevância social do problema.
43. Apostila Pós-Graduação: A Metodologia Científica no mundo acadêmico 43
Ms. Fabio Augusto de Oliveira Santos
Discussão Bibliográfica
É a revisão da literatura específica.
Busca-se realizar uma discussão teórica dos pesquisadores que já estudaram o
tema.
Objetivos
• indicar nesta parte quais os resultados que se almeja alcançar e o que é
pretendido com o desenvolvimento da pesquisa;
• apresentar com clareza o problema levantado e suas limitações.
Esta parte poderá ser utilizada tanto para a especificação dos objetivos gerais,
bem como para os objetivos específicos da pesquisa.
Metodologia
• Nesta parte, o pesquisador deverá descrever qual a metodologia adotada e
quais as técnicas de coleta de dados que serão aplicadas.
• Deverá ser apresentado o sujeito da pesquisa ou o grupo de amostragem
que será trabalhado.
Cronograma de atividades
• Consiste em dividir o plano de atividades em espaços de tempo necessários ao
desenvolvimento da pesquisa.
• Indicar o tempo correspondente a cada uma das fases da pesquisa.
Bibliografia
É a relação de todas as fontes bibliográficas que poderão ser consultadas para o
desenvolvimento da pesquisa, como: livros, artigos, endereços eletrônicos, cd-rom,
dissertações de mestrado, teses de doutorado etc.
Nota: Cada item do projeto deverá ser colocado em folha separada.
QUESTÕES FUNDAMENTAIS DE UM PROJETO DE PESQUISA
1. O que fazer?
44. Apostila Pós-Graduação: A Metodologia Científica no mundo acadêmico 44
Ms. Fabio Augusto de Oliveira Santos
• definição do tema;
• formulação do problema.
2. Por que fazer?
• justificativa da escolha do tema;
• motivos que justificam a pesquisa:
- motivos de ordem teórica;
- motivos de ordem prática.
3. Para que fazer?
• propósito do estudo, objetivos gerais da pesquisa;
Definição, de modo geral, do que se pretende alcançar com a execução
da pesquisa (visão global e abrangente).
4. Para quem fazer?
• objetivos específicos da pesquisa.
Aplicação dos objetivos gerais a situações particulares.
5. Onde fazer?
• descrever o campo a ser pesquisado, local;
• população com suas características;
• se for utilizada amostragem, apresentar o modo como a amostra será
selecionada e suas características.
6. Com que fazer?
• descrever o instrumento de pesquisa a ser utilizado;
• as informações que se pretende obter com eles;
• como o instrumento será aplicado para se obter as informações.
7. Quando fazer? Cronograma
• definir o tempo que será necessário para executar toda pesquisa;
• dividir a pesquisa em etapas e definir o tempo de execução de cada uma
45. Apostila Pós-Graduação: A Metodologia Científica no mundo acadêmico 45
Ms. Fabio Augusto de Oliveira Santos
delas.
8. Com quanto fazer e como pagar?
• plano de custo da pesquisa;
• prever os gastos que serão feitos com a realização da pesquisa,
especificando cada um deles.
9. Quem vai fazer?
• dados do pesquisador;
• dados do orientador da pesquisa e/ou responsável pela mesma.
MONOGRAFIA6
A monografia é o primeiro passo da atividade científica do pesquisador. Várias
instituições de ensino superior exigem que seus alunos,para obtenção de grau,
realizem um trabalho científico de final de curso. Na pós-graduação, essa atividade
acadêmica já tornou-se uma constância.
No campo das Ciências Sociais a técnica da monografia teve início com o sociólogo
francês Frederico Le Play.
Conceitos
São numerosos e variados os conceitos dos diferentes autores sobre monografia.
Asti Vera (1979:164) define monografia como sendo o “tratamento escrito de um
tema específico”, e Salomon (1972:207); como o “tratamento escrito de um tema especí-
fico que resulte de interpretação científica com escopo de apresentar uma contribuição
relevante ou original e pessoal à ciência”. Farina (Apud: Salvador, 1980:32) considera
a monografia como “um estudo científico de uma questão bem determinada e limitada,
realizado com profundidade e de forma exaustiva”, e Alonso (Apud: Salvador, 1980:32)
define como “descrição ou tratado especial de determinada parte de uma ciência ou de
um assunto particular”.
A American Library Association dá o seguinte conceito: “é um trabalho sistemático
6
LAKATOS, Eva Maria & MARCONI, Marina de Andrade. Metodologia do trabalho Científico. SP: Atlas, 2001.
46. Apostila Pós-Graduação: A Metodologia Científica no mundo acadêmico 46
Ms. Fabio Augusto de Oliveira Santos
e completo sobre um assunto particular, usualmente pormenorizado no tratamento
mas não extenso no alcance”.
Monografia significa, portanto, para Asti Vera, um tema específico qualquer, que
recebe tratamento escrito; Salomon acrescenta que, além da interpretação científica, o
estudo deve trazer uma contribuição válida para a ciência. Do ponto de vista de
Farina, a monografia exige uma limitação do tema, para se dar um tratamento
aprofundado e exaustivo. Alonso indica que a limitação se refere a uma das partes da
ciência ou então apenas a um aspecto dessa ciência.
Nos Estados Unidos, a Associação de Livrarias salienta que, além de particular e
pormenorizado, o tratamento da monografia deve ser restrito em seu alcance.
Trata-se, portanto, de um estudo sobre um tema específico ou particular, com suficiente valor
representativo e que obedece a rigorosa metodologia. Investiga determinado assunto não só em
profundidade, mas em todos os seus ângulos e aspectos, dependendo dos fins a que se destina.
Tem como base a escolha de uma unidade ou elemento social, sob duas circuns-
tâncias:
1) ser suficientemente representativo de um todo cujas características se analisam;
2) ser capaz de reunir os elementos constitutivos de um sistema social ou de ir as
incidências e fenômenos de caráter autenticamente coletivo.
Características
Analisando-se os diferentes conceitos, pode-se observar que a monografia
apresenta algumas características:
a) trabalho escrito, sistemático e completo;
b) tema específico ou particular de uma ciência ou parte dela;
c) estudo pormenorizado e exaustivo, abordando vários aspectos e ângulos do
caso;
d) tratamento extenso em profundidade, mas não em alcance (nesse caso é
limitado);
e) metodologia científica;
f) contribuição importante, original e pessoal para a ciência.
A característica essencial não é a extensão, como querem alguns autores, mas o caráter do