O documento discute três ideias preconcebidas sobre naming: (1) que nomes precisam ser curtos; (2) que nomes precisam ser fáceis de falar; e (3) que associações negativas devem ser evitadas. O autor argumenta que esses não são critérios absolutos e que nomes originais podem construir sua própria significação independentemente de tamanho, som ou associações iniciais.
1. “ Oh naming, quantos
crimes são cometidos
em seu naming...”
Muitas das atuais discussões sobre naming sofrem de
uma grande falta de foco. Em geral, usa-se a régua
errada para medir o objeto errado. O resultado é quase
sempre prejudicial: descarte de bons nomes por motivos
fúteis e tecnicamente irrelevantes, e desperdício de
energia e tempo de profissionais e executivos.
Sérgio Guardado
2. Talvez o naming
seja a mais ingrata das
disciplinas do branding.
Nas disciplinas mais consolidadas, como a
propaganda e o design, tanto clientes quanto
criativos já ganharam experiência e
desenvolveram um repertório de informação
que lhes dá uma capacidade de avaliação e
julgamento muito consistente.
Não foram poucas as vezes em que nossos
clientes, mesmo com visões que não
coincidiam com as nossas, trouxeram novas
abordagens muito pertinentes, novos ângulos
que ampliaram e enriqueceram a perspectiva
que tínhamos do projeto.
Não sei se isso se deve apenas à sorte de a
Seragini trabalhar com clientes inteligentes e
perspicazes, ou também ao fato de que no
design já se cristalizaram alguns parâmetros de
avaliação que permitem dar uma direção
consensual e bem-sucedida ao projeto.
3. Entretanto, nas disciplinas moderninhas,
como o branding e o naming, parece surgir
um certo desconforto. No caso do naming, é
uma quase entropia. Tudo porque não se
utiliza bons mecanismos de avaliação. Não há
critérios consensuais. Talvez a raiz disso seja o
desconhecimento ou até a desconfiança dos
profissionais de mercado em relação ao bê-a-
bá da semiologia e dos processos cognitivos.
Se usa a régua
errada para medir
a coisa errada.
4. Mme Roland estava para ser guilhotinada quando
pronunciou sua célebre frase: “Ó Liberdade,
quantos crimes são cometidos em teu nome...” Ela
era vítima de uma turba revolucionária, que operava
com a lógica tosca de que nobre bom é nobre
decapitado.
O anseio de liberdade da Revolução Francesa era
mais que legítimo. Já a ação dos revolucionários,
nessa época que passou à história com o nome de
“Ó Liberdade, O Terror, não primava pela sensatez.
quantos crimes Não se pode pedir bom senso às multidões
enlouquecidas. Mas talvez possamos pedir um
pouco mais de reflexão aos profissionais de
são cometidos marketing e aos dirigentes de empresas que se
apressam em guilhotinar nomes que, se fossem
observados dentro dos processos naturais de
em teu nome...” construção de significação, poderiam dar grandes
contribuições às empresas.
6. 01.
Quando viram marcas, os
nomes sofrem instantâneo
deslocamento semântico.
Ou seja, quando um nome se transforma em marca, seu significado muda
imediatamente de lugar. O nome deixa seu estado de dicionário, sua significação
registrada no Aurélio e no Houaiss. O nome passa a ter uma nova significação: deixa
de ser a significação-nome para assumir a significação-marca.
7. No dicionário a palavra “Gol” nos explica o
momento máximo da arte que consagrou
Pelé. No Google Images se você digitar a
mesma palavra ‘gol’ será brindado com 57
imagens de carros Gol da VW ou aviões da
Gol – companhia aérea. Somente a imagem
58 trará um humilde joguinho de futebol.
As marcas perderam, em questão de dias,
sua relação com seu objeto anterior, o gol-
futebol, e se transformaram no gol-carro e no
gol-avião.
8. Agora me diga, em sã
consciência, se você lembra do
Pelé quando embarca num vôo
de carreira ou quando avista um
Golzinho 1.0 na rua.
9. Pior, todo o campo semântico ligado ao gol-
futebol (conquista, ápice, vitória, multidão,
alegria, euforia, popularidade, maracanã, etc,
etc) tudo isso se dissolveu quase totalmente
quando o futebol virou carro e avião.
Pouquíssimo (mas pouquíssimo mesmo) dos
bons atributos originais do gol-futebol são
incorporados ao gol-marca.
Simplesmente cada marca constrói sua própria
significação a partir de sua própria trajetória. O
significado ‘futebol’ ficou lá pra trás. Prova
disso é que nós, em momento algum
confundimos o carro com o avião; pior, nem
passa pela nossa cabeça relacionar as
qualidades de um com as do outro. Se, deus-
o-livre, você tiver uma má experiência com um
vôo, dificilmente isso vai implicar numa piora da
imagem do carro em sua mente. E vice-versa.
10. Da mesma forma, o subjuntivo do verbo ver, a
revista da Abril e o limpador multi-uso são três
significações totalmente diferentes. Ninguém
se sente compelido a “ver” nada quando olha o
logotipo da revista. Nem se sente compelido a
lavar nada. E vice-versas. O limpador construiu
a significação veja-multiuso; a revista é veja-
revista. E o verbo ficou lá pra trás...
11. Quer mais evidências? Vamos pensar em
nomes “ruins”, quando em seu estado de
dicionário: “Arisco” lhe parece um bom nome?
A sonoridade é rascante, um animal arisco é
ameaçador, uma pessoa arisca não é nossa
amiga. Portanto, uma marca como Arisco, para
produtos do dia-a-dia deve ser um fracasso,
certo? Errado.
Porque não foi um fracasso? Porque todo
mundo imediatamente passa a pensar no
“arisco-produto de supermercado”, e não no
“arisco-qualidade de gente e bicho”
12. Tempos depois os mesmos empresários
lançaram no mercado de limpeza a marca
“Assolan”. Pensando positivamente: ‘assolan’
remete a ‘lã de aço’. Ou seja, o nome já indica o
que o produto é. Certo? Errado.
A marca lançou ‘n’ outros produtos e
descaracterizou-se como lã de aço
exclusivamente. Numa pesquisa da Sutil de 2008
vimos que a relação entre o nome e essa possível
significação original era zero. Problema? Nenhum.
13. Pensando negativamente: ‘assolan’ remete
imediatamente ao verbo ‘assolar’, que quer dizer
‘devastar, arrasar, destruir*’. Quem assola é peste
bubônica, Átila o Huno e Gêngis Khan.
Ou seja, houve enorme rejeição, certo? Errado.
A marca, apoiada por doses pantagruélicas de
propaganda chegou ameaçar a líder hegemônica
Bom-Bril, que foi a única “assolada” nessa história.
“Assolan” não assumiu nem seu significado positivo,
lã de aço, nem os negativos ligados a assolar. O
dicionário não tem a menor importância. As marcas
constróem suas próprias significações. A partir de
sua trajetória, não antes. Um nome de marca é
praticamente como um carro sem retrovisor.
14. Por falar em Bom-Bril: marca linda,
tradicional, querida da consumidora. O que
significa? “Brilho Bom”. Portanto tem
potencial de fazer o maior sucesso em todo o
produto que prometa “brilho”, certo? Errado,
porque no dicionário-marca que a
consumidora escreve, “Bom-Bril” quer dizer
“lã de aço” (muito mais que Assolan...)
Daí a dificuldade quando se tentou uma linha
de produtos de limpeza sob a bandeira
ostensiva Bom-Bril. Já quando cada produto
teve sua própria marca, com o aval Bom-Bril a
coisa foi diferente... Cada marca, como
Pratice ou Mon Bijou construiu sua própria
significação.
15. Quando viram marcas, os nomes sofrem
instantâneo deslocamento semântico.
Humilde Conselho:
Nunca julgue uma hipótese de marca só pelo que ela significa hoje, no
dicionário Assim que ela virar marca, vai passar a significar outra coisa.
Completamente diferente. E o controle prévio que você tem sobre isso é
bem limitado. O nome vai significar o que a marca, em sua trajetória,
passar a significar.
Por muito tempo a marca Frangosul produziu carne suína em todo o
Brasil. Problema nenhum.O problema é muito mais simples do que você
está imaginando.
16. 02. A marca não
nasce pronta. Nasce
fraca e desconhecida
Um nome não nasce forte. Nasce desconhecido. Nasce neutro, sem
popularidade. Se ele não for uma imitação de alguém da mesma
categoria, se tiver originalidade e personalidade (o que é muito desejável),
vai demorar um pouco até virar a cara da coisa que representa.
17. Talvez o maior pecado cometido pelos
avaliadores de hipóteses de naming é exigir
que uma marca recém criada ressoe em seus
ouvidos como seus equivalentes já
consagrados.
Um nome em geral, como os bebês, nasce
com cara de joelho. Depois se transforma em
Brad Pitt ou Giselle Bundchen. Depois que a
marca comunicar, gerar experiências para as
pessoas, ficará forte. Depois, não agora.
Lembre que o nome vai perder sua definição
de dicionário e ganhar um novo sentido, em
sua trajetória. Vai reconstruir seu significado.
Ou seja, é tolice olhar o nome pelo que ele é
quando criado. Ele deve ser olhado pelo
potencial que tem de vir a ser.
Se você não consegue avaliar isso porque não
domina os mecanismos, não recorra a
obviedades do senso comum. Elas não valem
aqui. Ouça seu consultor de naming.
18. Mesmo Nike, que é um exemplo recorrente,
nasceu ‘esquisita’. Depois de um pouco de
tempo e um muito de grana é que virou nossa
amiguinha. E todo mundo cita como se ela
sempre tivesse estado aqui com a gente. Não
mesmo.
E, a propósito, ser uma deusa aqui é
completamente irrelevante. Nike é a deusa
dos tênis, da Niketown, de mídia e da grana.
Não tem a mínima idéia de onde fica a Grécia
Clássica e do que é que andou rolando por lá.
19. A marca não nasce pronta.
Nasce fraca e desconhecida
Humilde Conselho:
Não compare, em igualdade de condições, uma hipótese de naming e uma marca já
consagrada. A marca consagrada, em nossa mente, é mais que um nome. É uma trajetória,
uma soma de experiências vividas e observadas. É uma multiplicidade de significações. Já se
afastou muito do dicionário, contou histórias, construiu sentidos. Quando você compara fica
irremediavelmente tentado a só aceitar um buscador Booble, um sorvete KiÓtimo, um sabão
em pó MOMO e um amortecedor Profap. Originalidade zero, e provavelmente desperdício de
bons nomes originais, que teriam ajudado a construir uma bela marca. Por favor, tenha um
pouco de paciência.
Não existe um nome redentor. Nenhum nome nasce com super poderes. Não existe um nome
que já nasça “brother”. O novo nome será um estranho para você.
20. 03. Idéias pré -concebidas:
tamanho, som,
associações negativas.
Quando se tenta definir o que seria uma boa marca, não raro somos
tomados por uma espécie de semiótica de botequim, que apregoa
certas verdades universais.
21. “Nome tem que ser curto.”
Embora não esteja escrito em nenhum livro
que um nome curto tem mais pregnância que
um longo, parece sensato considerar o
tamanho. Mas se lembramos que La
Serenísima foi marca líder na Argentina,
Prosdóscimo fez boa figura na linha branca e
Piracanjuba está entre as marcas de leite que
mais crescem no Brasil...
O nome mais curto é bom, mas também é
bobagem confinar aos nomes curtinhos a
nossa esperança de entrar no Paraíso.
22. Recentemente a Piracanjuba fez uma
campanha, singela e eficiente no Centro e
Norte do Brasil: uma garotinha soletrava,
contando nos dedos “pi-ra-can-ju-ba, de-li-ci-o-so”
Em pesquisa no final de 2009 constatamos
que a marca é top of mind nessas regiões.
Aquilo que, segundo a semiologia de
botequim seria um potencial ‘defeito’ foi
transformado em gancho de memorização do
nome. Porque o nome não precisa ser curto.
Precisa ser lembrado. Precisa ter apoios para
a memória. Isso se constrói com originalidades
e com signos relevantes para o usuário.
23. “Tem que ser fácil de falar”
Também é ululante que boa sonoridade é um
atributo positivo. Presença de vogais,
consoantes como m, n e l ajudam, as regras
da sonoridade e do ritmo da literatura são
bem-vindas.
Mas a teoria da Informação nos ensina que
aquilo que é mais ‘fácil’, mais ‘adocicado’
entra mais fácil em nossa cabeça, mas
também sai mais fácil... O chamado ‘ruído
informacional’ cria um distúrbio na
comunicação, mas é mais marcante.
A mensagem não perturbada por ruídos
cumpre mais rapidamente seu trajeto
informativo. Mas, sendo mais “correta” acaba
sendo mais comum, mais banal, e com isso
se confunde com as outras banalidades que
povoam nossa mente. E por isso logo é
excluída.
24. Marcas como Sodexho ou Mapfre. fazem de
sua sonoridade pra lá de esquisita uma arma
de diferenciação. Por outro lado, uma marca
de sonoridade agradável como Mabel é
confundida pontualmente com a também
sonora Mirabel, a antiga Ailiram enfrentou a
concorrência da Marilan, e Cinzano e Martini
sofreram com Caldezano e Contini...
25. “Mas aí vai lembrar...”
Poucos nomes escapam ilesos a certas
dissecações semânticas. Se nos imbuirmos
de um legítimo espírito de porco, nenhum
nome pára em pé. Sempre será possível
associar seu significado ou sua sonoridade a
algo pejorativo.
Exceção feita a casos mais extremos, como o
Pajero, que é um palavrão na América do Sul,
ou a Esso que virou Exxon, ou até a simpática
peruinha Besta que surgiu entre nós, é
recomendável não radicalizar. Não há palavra
no léxico de todas as línguas da humanidade
que resista a uma boa piada encaixada na
hora certa. Isso, decididamente, não é um
bom critério de avaliação.
Nomes de sucesso entre nós como FedEx,
Pentel ou Arisco devem ter enfrentado algum
chato de galocha que previu seu fracasso
retumbante, por associações negativas. Ainda
bem que ninguém os ouviu.
26. Idéias pré -concebidas: tamanho,
som, associações negativas.
Humilde Conselho:
É importante que o nome tenha potencial de pregnância, algum gancho
para ser lembrado. Não só que seja curto ou de sonoridade mais melodiosa
Não se impressione se o nome aludir, lá longe, a algo negativo. Qualquer
palavra do mundo tem essa característica. Observe apenas se esse
significado pejorativo é gritante demais e vai se sobrepor a qualquer outra
coisa. Contenha a paranóia de seus subordinados. 99,99% dos nomes não
tem esse problema.
27. 04. O grande problema
é passar no INPI.
Sabe aquele nome genial que você sonhou, aquele lindinho que seu
caçula assoprou, aquela idéia criativa que sua secretária sugeriu? Pois é,
todos já têm registro no INPI. E o registro não é seu.
28. Praticamente todos os nomes “em estado de
dicionário” já estão registrados no INPI, em
alguma das categorias nas quais aquele órgão
mapeia o mercado. Simplesmente porque
alguém já teve antes todas as idéias, as
óbvias e as nem tanto. E já registrou antes
que você cogitasse o assunto.
Uma mancada comum é desenvolver o
processo de naming no escalão operacional e
apresentar os resultados ao dirigente sem
aquecê-lo e envolvê-lo nos detalhes do
processo.Ele está sempre sem tempo, tem a
expectativa de que o nome seja redentor, uma
palavra hiper-charmosa, em estado de
dicionário, curta e sonora. Sua esposa e seu
assistente já deram idéias ótimas, que fizeram
sua cabeça. Ele espera que as sugestões
agora sejam melhores ainda. Não passa pela
cabeça dele que todas as idéias da esposa e
de todos os assistentes do mundo não dariam
registro no INPI nem com reza brava. Ele fica
tão decepcionado...
29. O espaço para registro de nomes é cada vez
mais restrito. Não é uma questão de
‘criatividade’, outra palavrinha bem judiada.
As boas empresas de naming - e há algumas
excelentes no mercado - mapearam os
campos semânticos e a morfologia dos
nomes de marcas, e têm boa vivência para
recomendar aquilo que combine o que as
boas marcas precisam: potencial de
pregnância, sonoridade, originalidade, e
maior viabilidade de registro (ainda que aqui a
palavra final deva ser sempre deixada aos
doutores advogados; também nesta matéria
espinhosa existem excelentes especialistas).
Impasses nascem quando essa experiência se
defronta com a expectativa ou de uma idéia
‘genial’ ou de nomes de senso comum. Estes,
além de terem seu registro praticamente
inviável, geralmente são banais, facilmente
devoráveis pelo esquecimento em nossa
babel semiótica.
30. O grande problema é passar no INPI.
Humilde Conselho:
Não fique todo pimpão com nomes banais, óbvios. Platitudes em geral não dão
registro. Alguém já pensou nisso antes.
Não divulgue o nome ou inicie alguma atividade sem antes registrar o novo nome.
"Consulte sempre um advogado”
31. Em resumo...
01. Deslocamento semântico é inevitável.
02. Sua marca não nasce pronta.
03. Cuidado com pré-conceitos.
04. Seu grande problema é o INPI.
Criar uma nova marca é uma tarefa difícil, mas muito gratificante. É preciso
apenas ter paciência, dizer não aos preconceitos e interpretações pessoais
apressadas, ter consciência das dificuldades de registro e, sobretudo, entender
que quase todos os significados serão formados a partir do marco zero do
lançamento da marca.
Da mesma forma que não podemos roubar um Picasso no museu e exibi-lo em
nossa sala de estar, tampouco podemos “roubar” o sentido das palavras tal
como elas aparecem no dicionário. Aquelas significações não nos pertencem.
Nossa marca terá que construir suas próprias significações.
E isso é que é fascinante.
32. R. Dr. Theophilo Ribeiro de Andrade, 223 Texto: Sérgio Guardado
Pinheiros São Paulo SP 05466 020 Apresentação: Ivan Lucchini
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