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Lúcio Menezes
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Lúcio
Menezes
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Lúcio Menezes
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APRESENTAÇÃO
O site do Instituto Durango Duarte foi totalmente reformulado e, por isso, to-
dos os textos já publicados por Lúcio Menezes em nossa plataforma foram reuni-
dos numa coletânea, em formato de e-book, para que você possa acessar e ler os
artigos em um único lugar, além de poder fazer o download gratuito do material.
Na “Série Artigos”, você também poderá encontrar as compilações de outros
articulistas, tais como Lúcio Menezes, José Carlos Sardinha, Cláudio Barboza, Oto-
ni Mesquita, Hélio Dantas, Jeferson Garrafa Brasil, Amaury Veiga, Roberto Cami-
nha Filho, Henrique Pecinatto, Jorge Alvaro, Júlio Silva e Kátia Couto.
Essas coletâneas serão atualizadas semestralmente com os novos artigos
que forem produzidos.
Lúcio Menezes
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Lúcio Menezes
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Lúcio
Menezes
Manauara, criado na José Clemente, Rua integrante do
mais famoso quadrilátero do planeta terra. Torcedor do
Fluminense, filho de Luiz e Joanna, canhoto, apreciador de
vinho, cantor de banheiro, ex-atleta, ex-cabeludo, arremedo
de poeta e escritor, heterossexual, sonhador e eterno
aprendiz.
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Lúcio Menezes
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OS CAMPOS DE PELADA E ALGUNS PELADEIROS DA
MINHA RUA
Publicado em 06 de abril de 2016.
Em 1879, a Praça Uruguaiana foi dividida em dois lotes. O lote que conser-
vou o mesmo nome é onde hoje se encontra a Praça Dom Bosco, o outro, que
compreende a área que abrange o Colégio Dom Bosco e o Colégio Militar, passou
a denominar-se Praça General Osório. Em 1937, o município concedeu a Praça
General Osório ao comando da Guarnição Federal e ao 27º BC (Batalhão de Caça-
dores), para que ali fosse construído um estádio de futebol destinado à prática de
educação física, tanto por militares quanto para civis. A inauguração do estádio
deu-se em outubro do ano seguinte. Obvio que não havia nascido quando ainda
era praça, mas como Estádio General Osório eu felizmente brinquei tal qual esse
fosse “… do povo! Como o céu é do condor!”.
E por falar em céu e condor, além do futebol, das competições de atletismo
e do Festival Folclórico, como eu gostava de apreciar o tal do Evaldo e seus ae-
romodelos movidos a gasolina! Os aviõezinhos ficavam presos a um cabo com
vinte ou mais metros de cumprimento e por ele eram competentemente mane-
jados. As embiocadas daqueles pequeninos eram mais ousadas que as feitas por
papagaio de famão.
Lá joguei e vi jogar futebol gerações de meninos da minha Rua¹, das proxi-
midades do quadrilátero em que me criei ou de longínquos bairros. Pelejas reali-
zadas no campo em sua dimensão oficial, nas suas metades ou na pista de atle-
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Lúcio Menezes
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tismo pelo lado da Av. Epaminondas; “boleiros” calçados ou descalços camisados
ou descamisados. E como havia moleques bons de bola! Em 1972, com a chegada
do Colégio Militar, muros foram erguidos e tchau babau, quem brincou, brincou
quem não brincou não brinca mais.
Mas as “peladas” não se restringiam tão somente ao General Osório, havia
a calçada da Rua José Clemente, as quadras do Nacional Futebol Clube, Atlético
Rio Negro Clube, SESC e Divina Providência; os campos dos Colégios Dom Bosco,
Brasileiro e Estadual; do Bossa Nova ou Bosta Nova como costumávamos chamar
o campinho onde hoje funciona um posto de atendimento da Manaus Energia,
na Rua Dez de Julho, em frente a Santa Casa; o Mariuá, “Banho” do Seo² Edílío, pai
do Evandro Farias; o “Banho” vizinho, do seu vizinho Seo Cordeiro; o Meu Canti-
nho, Muruama, Guanabara e Agrepo; o Formigão, campo da Rodoviária, local que
hoje acolhe uma unidade do Corpo de Bombeiros; o Fale Baixo; o campo do Ora-
tório Domingos Sávio na Rua Duque de Caxias; o Piquete, onde hoje está instala-
do uma unidade da PM na Rua Dr. Machado, Praça 14; o Aderoba na Rua Barroso,
em frente a antiga Casa do Estudante, hoje um estacionamento da Lojas Bemol
e, finalmente, o melhor de todos, o incomparável, o fascinante, mágico, encanta-
dor, o lendário Ezagüi. Lá deveríamos erguer a Lupa Anguli (Loba da Esquina).
Sim porque o Ezagüi da Lobo era a Loba que cedia suas tetas aos filhos adotivos,
insaciáveis Rômulos de pés descalços e sujos de terra. Cada um a seu tempo a
deixou e saiu a fundar sua Roma particular. Ficou o gêmeo e devasso Rêmulo´s
– prostíbulo lá instalado – que permanece a suga-la em tresloucada devassidão.
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Lúcio Menezes
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Dos muitos que vi jogar, no “lendário” ou fora dele, não esqueço da irreve-
rência e criatividade do craque Octávio Rocha, o Baiano; o preciso passe e chute
certeiro do seu irmão Flávio Augusto, o Papinha; a velocidade do outro irmão, o
Geraldo Chapeleta e a inteligência do caçula Lauro César, o Botelho. Sobrepeso
nunca foi impeditivo para o talento do Robertinho Caminha, o Barriga, um pivô e
tanto; temperamento explosivo, condicionamento físico tinindo e gana por vitó-
rias tinha o Bosco Spener, o Charuto, predicados que o levaram a vestir a camisa
do Nacional Futebol Clube, o Naça. Demóstenes, Dedé, era rápido e perigoso;
Pedro Russo era um “brincante”, mais lhe apetecia tripudiar sobre os adversários
que objetivar a jogada, o João Galinha Preta padecia em suas mãos; o irmão Ar-
naldo, o Pepino di Capri, um goleiro arrojado. Aliás, lá na Rua, grandes goleiros
não faltavam, difícil eleger o melhor, relaciono com distinção de safras: Douglas
Lima, o Surubim, e Geraldo Lemos fizeram história nos campos e quadras; Zezi-
nho (Vulto), seu irmão Franz; Carlinhos Baterista; Belmiro Vianez Filho, o Portu-
guês – que às vezes se aventurava jogar na linha – e Chico Cordeiro, também dei-
xaram um belo legado. O Fluminense da Rua teve: Humberto Breval, o Bebeto;
Arkbal Sá Peixoto, o Bala; Luis Ângelo, o Dandinho; Paulinho Fiúza, o Cascata e
Luiz Afonso Leite de Moraes, o Lulinha; Marco Aurélio, o Barrão, não jogou no Flu,
mas tem boa fama também, todos moradores da Rua. Na zaga o Evandro Farias
(Bambu), tinha estatura e boa vontade; Luiz Pé de Raquete, voluntarioso; Osval-
do Frota, clássico; os Cordeiro Evanilson (Nito) e Bosco (Boquito) jogavam bem,
Zeca foi um zagueiro “raçudo”, mas o melhor mesmo era o Carlinho, o puto velho.
Ariosto Braga era arisco e rápido; com o Renato Fradera, o Pato, joguei no campo
do José Nasser até o começo de 1992, quando decidi pendurar o tênis, um ótimo
armador; Camilo Gil, o Camel, tirava todas pelo alto; Kleber “Viking”, um lateral
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Lúcio Menezes
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direito de excelência; dos Corado, Dionizio deixou seu pé marcado na calçada
da fama; Hugo, o Bodega, tinha uma patada de caprino; dos Lourenço, o Maurí-
cio e o Muni muito bem representaram a família no esporte bretão; dos Biváqua
de Araújo, Frederico, o Borracho, deixava a pelota passar, mas o adversário não;
Flaviano tinha categoria; Fábio levava jeito e Fernando o melhor, foi aprovado no
teste realizado no Fluminense do Rio, jogou com o Toninho Baiano, o mesmo que
fez história no Flamengo, mas seu pai, Olsen Alberto de Araújo, com receio que o
filho cedesse ao feitiço carioca, mandou busca-lo. Perdeu o futebol carioca quiçá
o brasileiro. Duas gerações mais tarde o Gilmar Popoca, que jamais pisou no solo
sagrado do Ezagüi, fez isso pela Rua e brilhou no gramado do Maracanã a defen-
der as cores do seu amado Flamengo. Égua da Rua!
Era um tempo de futebol clássico, romântico, gostoso, bonito, competitivo,
muito melhor que essa coisa sem graça restrita a quadras e campos de grama
sintética.
Quer saber? Enquanto esses oásis de lembranças dos meus olhos emoções
pulsarem e da minha saudade lágrimas sorrirem, continuarei a exercer a liberda-
de de “viajar”.
___
¹Com o R maiúsculo porquê representa o quadrilátero no qual fui criado.
²Prefiro a corruptela ao pronome possessivo.
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O ENSINO DE QUALIDADE DOS ANOS 1970 E A PÁTRIA
DESEDUCADORA
Publicado em 09 de abril de 2016.
O ensino de qualidade dos anos 1970 e a pátria deseducadora – Na saída dos
colégios, quando as estudantes de Manaus nem sonhavam que a calça desban-
caria a saia, elas enrolavam o cós da cintura para expor ainda mais suas pernas
(ah, as rótulas da Kariné!¹). Nessa fase de pernas e rótulas à mostra, eu fiz o Exame
de Admissão para o Colégio Brasileiro e Instituto de Educação do Amazonas –
IEA. Passei nos dois, escolhi o que primeiro divulgou o resultado.
O clima da nossa cidade sempre foi quente, mas dava para ir à escola a pé
sem transpirar tanto e assistir, sem desconforto, aulas em salas com ventiladores
de teto.
Preocupado com o flerte do Brasil com o Irã e a hipótese de importarem a
Sharia – lei islâmica que ampara o apedrejamento – para cá, peço clemência aos
ginasianos que se sentirem preteridos, mas não há como citar todos os colégios
de Manaus dos anos mil novecentos e sessenta e setenta. Vamos lá.
Estudar e formar no Instituto de Educação do Amazonas – IEA, era ter a cer-
teza de estar preparado para enfrentar a concorrência sem medo, tanto que em
1970 o IEA foi reconhecido como instituto de excelência, especialmente na for-
mação do magistério (Escola Normalista). Essa excelência era responsável pela
aprovação em massa nos exames vestibulares. Em novembro do ano passado o
IEA completou 135 anos.
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Outro colégio público de elevado conceito era o Colégio D. Pedro II, o popular
Colégio Estadual. Seu quadro docente era dos melhores e os “rachas” futebolísti-
cos muito concorridos. A maior tentação para os discentes era resistir a travessia
da Av. Getúlio Vargas e “gazetar” aulas para assistir as sessões cinematográficas
nos Cines Polytheama ou Guarany. Quando o escurinho era rompido pelas luzes
acesas, revelava a imensa caravana e a diversidade de fardas. A minha era calça
caqui com uma lista lateral branca, sapatos pretos e, nos primeiros anos, camisa
de pano com botões e o emblema do colégio impresso no bolso lateral esquerdo,
depois foi substituída por camisa de meia branca com o emblema no centro do
peito.
O Colégio Sólon de Lucena tinha a fama de preparar para o curso de conta-
bilidade e o Colégio Agrícola formava técnicos para o setor primário. Quem alme-
jasse os cursos superiores em agronomia ou zootecnia, teria que prestar vestibu-
lar fora de Manaus, especialmente na Rural (UFRJ), no Rio de Janeiro.
A especialidade da Escola Técnica Federal do Amazonas era preparar os fu-
turos engenheiros. E como preparava, uma referência! Lá, ou estudava ou estu-
dava.
O Colégio Militar foi um marco, o padrão de ensino superava qualquer grade
curricular dos colégios de Manaus, enquanto estudávamos regra de três simples,
os caras da mesma série já haviam estudado álgebra. Os que não seguiram a car-
reira militar não tiveram a menor dificuldade em passar no vestibular.
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Sim, havia exigência nos colégios particulares, a média mensal para passar
sem fazer a prova final, por exemplo, era 7,5. Se ao final do ano não a alcançásse-
mos, éramos obrigados a faze-la. Uma temeridade, já que englobava a matéria da
disciplina dada durante o ano inteiro. Ainda assim, eram rotulados por alunos dos
colégios públicos como colégios PPP (Papai Pagou Passou).
Ouso dizer que o Colégio Dom Bosco, colégio salesiano e na época uma ins-
tituição de ensino exclusiva para homens, era elitizado. Além da formação reli-
giosa, o Dom Bosco tinha um ótimo ensino e mantinha um coral denominado
“Canarinhos do Dom Bosco”. Em dias de aparição eles trajavam calças brancas e
blusas amarelas com mangas compridas.
O Brasileiro era misto (masculino e feminino) e tinha, no antigo 2º grau, os
cursos Pedagógico e Científico. A caderneta de estudante do ginásio era verme-
lha, do científico verde e do pedagógico azul. Antes da predominância das mo-
chilas havia o “colecionador”, uma pasta de material plástico com o emblema do
colégio impresso e um elástico para prender suas abas. Era o sonho de consumo
do meu irmão.
Não sei o que se passava por trás dos muros dos colégios N. S. Auxiliadora e
Santa Dorotéia, sei que quando as alunas saiam era um “ai Jesus!”. Elas não eram
só as mais bonitas e cobiçadas, eram, supostamente, as filhinhas de papai.
As alunas do Colégio Preciosíssimo Sangue e do Patronato Santa Terezinha
guardavam mistérios que até hoje não sei.
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Sete anos passaram rápido, chegara a minha hora de prestar o vestibular.
Todo cuidado era pouco, três respostas erradas anulava uma certa, “chutar” era
burrice. O cartão para gabaritar era de papelão e continha posições que deveriam
ser perfuradas. Fazia-se pressão sobre a letra (opção) escolhida como resposta e
o quadradinho dava lugar a um vazado. Se na conferência o vestibulando perce-
besse que havia perfurado a opção errada, a Inês estava morta, não havia como
substitui-lo ou recolocar o quadradinho no lugar.
Em 1970, a então Universidade do Amazonas – UA, oferecia 1.300 vagas para
todos os cursos que dispunha. Em 1980, saltou para 1.800 vagas. Os cursos mais
disputados eram Medicina, Engenharia e Direito, mas Administração estava na
moda e, em 1976, enfrentei dez concorrentes para uma vaga. Quando o resultado
saiu, a minha vizinha, filha do Dr. Aderson Dutra, então Magnífico Reitor, correu
para dizer que o meu nome constava na lista dos aprovados. A considerar minha
má reputação estudantil, mamãe não levou fé, achava que a lista era dos não
aprovados, que tal? Equívoco desfeito, sua felicidade foi tamanha que parecia
que era ela quem havia sido aprovada.
Se não havia disparidade entre o ensino público e privado, a disputa por uma
vaga na Universidade era acirradíssima e muitos bons não obtinham sucesso.
Se os desafortunados fossem de famílias humildes, esperariam um ano inteiro
para tentar outra vez e assim seria até passar ou desistir. Se filhos de pais ricos,
imediatamente embarcariam num avião da Varig, direto para o Rio de Janeiro. As
faculdades cariocas particulares preferidas dos amazonenses eram Celso Lisboa,
Nuno Lisboa, Santa Úrsula, Estácio de Sá e Bennett. Não era comum, mas alguns
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Lúcio Menezes
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até passavam na Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ e lá concluíam o
curso, os demais cursavam um ou dois semestres e pediam transferência para cá.
O requerimento de transferência era submetido a um Conselho da UA que o de-
liberava positivamente ou não. Dizia-se que a descendência (filial) do postulante
tinha um peso considerável na decisão.
Por estarmos a viver sob o Regime Militar, os filhos de milicos que aqui che-
gavam tinham vagas asseguradas. O policial federal, salvo melhor juízo, não pres-
tava vestibular e esses, em sua maioria, optavam por fazer o curso de Direito. No
meio universitário esses caras eram vistos com desconfiança.
A qualidade do ensino de ontem é infinitamente superior à de hoje; a es-
colha por escola pública ou privada era uma questão pessoal, a qualidade era a
mesma; antes da proliferação das Faculdades, Centros e Universidades, ter o cur-
so superior era privilégio de poucos; há um enorme contingente de conterrâneos,
hoje doutores, endividados de gratidão eterna para com os conselheiros da UA;
o lema do governo atual deveria ser alterado para “Brasil, pátria deseducadora”.
Kariné¹ Minha vizinha, dona das rótulas mais belas e cobiçadas que conheci.
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OS COLUNISTAS SOCIAIS DA MANÔ DE MIL
CONTRASTES
Publicado em 15 de abril de 2016.
Os colunistas sociais da manô de mil contrastes – Em 1967, quando a san-
dália havaiana ainda era japonesa, deu-se a chegada da televisão em Manaus.
Apesar da imagem em preto e branco e dos filmes repetidos, era uma novidade
sem precedente. Havia três modelos de TV (sem controle remoto) a disputar a
preferência do consumidor: a comum – da minha casa era uma Hitachi 14” -, a
máscara negra – com uma ante tela fumê, que nem a da minha tia Maria José
Mesquita – e a “ colorida” – ante tela degradê, predominantemente azul, verde e
vermelha – a mais cara.
A primeira estação repetidora – canal aberto – a chegar por estas terras de
Arnaldo Santos, foi a TV Ajuricaba. Era afiliada da Rede de Emissoras Indepen-
dentes (REI), sob a liderança da Record. A programação era tão escassa que um
dos filmes da série Jim das Selvas, estrelado por Johnny Weissmuller – que tam-
bém foi Tarzan – passou umas mil vezes. Dessas reprises eu devo ter assistido
pelo menos cem, tanto assisti que já sabia de cor todas as falas do Jim, do filho
Skeeper, do seu fiel amigo Kassim e até os guinchos da macaca Tamba.
O que me fazia aguardar sentado na poltrona era o Peneira Ajuricaba, um
programa de calouros que ocorria nas tardes de domingo. Três apresentações
inesquecíveis: Cleomar, vizinho da minha Rua, irmão do Gualter, do saudoso Do-
minguinhos e do Kleber Santana, o Viking, resolveu arriscar o prêmio em dupla
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Lúcio Menezes
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com seu amigo Jander. Em menos de um minuto foram “buzinados”. Com medo
das inevitáveis gozações ele tomou Doril e sumiu. Voltou depois de arrefecida
a gana de nós todos. Outra foi um adolescente afro descendente – acho esse
conceito idiota -, hoje um contumaz frequentador das missas de sétimo dia em
todas as igrejas de Manaus. Era desafinado, mas sua figura no palco agradava.
Parecia o Martinho da Vila aos treze anos de idade. Disso consciente, só escolhia
as músicas do cantor e compositor da Vila. Cantava com o microfone preso ao
pedestal a balançar seu tronco para a frente, dobrar os joelhos e jogar, no ritmo,
os membros inferiores das pernas (canelas) para trás. Na semifinal cantou O Pe-
queno Burguês, no entanto não teve a felicidade de “passar no vestibular”. A últi-
ma também era uma dupla, composta pelos irmãos Franklin e Hamilton. Por seis
meses os caras ensaiaram, exaustivamente, a música Coruja, da dupla da Jovem
Guarda Deny e Dino. Era parte da estratégia de apresentação Hamilton aparecer
sozinho no palco, o irmão apareceria depois. Ao primeiro acorde ele soltou a voz,
“ Corujaaaaa”… A cortina dos fundos se entreabriu e a cabeça do Franklin surgiu
a complementar o primeiro verso da música: “ha ha ha”. Não deu para iniciar o
segundo: “…o nome que eu dei àquele alguém…”. Em apenas dez segundos os
irmãos foram buzinados, um recorde. Até hoje eles negam, dizem que foi onze.
Quando o quartel do Corpo de Bombeiros da cidade tinha seu endereço na
Av. 7 de setembro, eu tentei escalar, através de um cabo de aço, a parede lateral
do Teatro Amazonas. Estava completamente possuído pela ideia de assistir o es-
trondoso sucesso do Teatro de Revista “É Xique-Xique no Pixoxó”, de Walter Pinto.
O padrão era de excelência, tinha requinte, glamour e deusas estonteantes em
trajes insinuantes. Sonhava dormindo e acordado, queria ver as pernas desnudas
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das mais famosas vedetes brasileiras, não deu. Não consegui escalar, cai duas
vezes e desisti. Meu consolo era imaginar que a surra que levaria do papai por
chegar tarde em casa não compensaria a estripulia, eufemismo puro.
Quando as livrarias Escolar, Brito e Acadêmica disputavam a preferência do
público manauara, os colunistas sociais de Manaus eram outros. Nonato Garcia
era o nome do colunista Nogar, suas notas se trajavam de serenidade o que fazia
da malícia um componente ausente. Despejava seus informes nas páginas do
Jornal do Comércio, coluna intitulada “Convivência Social”.
“Entre os dois o coração da menininha balança: Renato Simões e Celso Gra-
ciano. Ela é a morenice bonita, Gracemar Abrahim. Ploft! ”. Sobre o ritmo para-
ense Carimbó ele escreveu: “ …para não dizer jamais ter ouvido nessas paragens,
uma noite Luiz de Miranda Correa, Renato Andrade, este repórter e o Duque Du-
arte Pinto Coelho, fomos curtir as adjacências e nós entramos na Portland, um
ambiente bandido situado na Avenida Rio Branco, a dois passos da Praça Mauá.
O único lugar indecente que ouvimos Carimbó. E aqui pra variar. Cruzes…Sem
essa Carneiro”. Esse era o estilo inconfundível do Gilberto Barbosa, o Gil. Gostava
da ironia da sua pena, para mim o mais bem informado de todos, de tudo ele pos-
tava um pouco. Com a mesma desenvoltura frequentava gabinetes palacianos e
reuniões em petit comité do high society, noticiava sobre política e não se furtava
a dar palpites sobre economia. Atribui-se a ele a frase que até hoje melhor resu-
me nossa maltratada capital: “ Manô de mil contrastes!”.
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“…A gente não gosta de ver mulheres luminosas e de elegância tão cantada
dançando animadamente com cigarro na boca. Embora usando piteira, o gesto
é pouco delicado chegando até mesmo às raias da vulgaridade. No Ideal, sábado
passado o fato aconteceu. Chato né? ”. Essa era – e ainda é – a maneira Baby Riz-
zato de contar o que estava ou está em desacordo consigo ou com o que entenda
por politicamente correto. Seu talento brotou na primeira metade dos anos 1970,
penso ser ela a legitima – quiçá única – jornalista adepta do estilo consagrado por
Gil.
No jornal A Notícia havia a prestigiada coluna “Circuito Social”, me chamava
atenção a qualidade do texto e forma de abordagem que seu responsável, o sem-
pre educado Júlio César Seixas, o escrevia. Escrevia, mas não subscrevia. No dia 02
de abril último, César Seixas partiu para o infinito. Que Deus o guarde.
Já “Stars Only Stars” quem respondia era o competente Fábio Marque. Tal
qual o título da coluna sugere, stars only stars da geração dourada na coluna
pontuavam.
“Palmas, palmas, muitas palmas para conceituar o capacitado Dr. Hiram
Caminha, que completou dez anos como Delegado do Tribunal de Contas da
União”. “Será às 19 horas de hoje, com coquetel, a inauguração do luxuoso salão
de beleza – Jonys Cabeleireiro, lá na Rua Barroso. ” Tinha leveza os textos do sau-
doso Flaviano Limongi.
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Betina, Veruska e Epami poucas vezes eu li. Na coluna da Marina Nunes des-
filavam Marias, Glorias, Demostenes e Antunes. Já a Ana Maria blá blá blá tinha
um estilo particular, em suas linhas noticiava gastos políticos, divulgava pessoas
simples, jovens, idosos e até marajás.
Não dá para omitir o carisma do Carlos Aguiar e o público cativo que tinha a
lhe prestigiar.
Elaine Ramos era especial.
O amigo Belmiro Vianez Filho, por um breve lapso de tempo, assinou a “Co-
luna do Bel”. Ele, linguagem e público tinham a juventude em comum. Noticiava
os borbulhantes eventos sociais da cidade. A experiência vivida foi competente e
exitosa.
Para cerrar essa caixa de reminiscências, o cronista e radialista social Luiz
da Conceição Pinto, o Little Box. Foi colunista do jornal A Tarde, O Jornal, Diário
da Tarde, A Gazeta e Estado do Amazonas, entretanto foi o programa radiofônico
Night and Day que o notabilizou. Ia ao ar todos os domingos, às 19 horas, pelas
ondas da Rádio Difusora. Admitia que devia seu êxito na carreira a Aristophano
Antony, dono do jornal A Tarde; e que seu estilo era influenciado por Josué Clau-
dio de Souza, jornalista e proprietário da Rádio Difusora. Em seu programa entre-
vistou embaixatrizes, consulesas, diplomatas e até o Rei Roberto Carlos. Para ele
todas as mulheres eram belas e a todos tecia elogios, desconheço se nesta vida
teve intrigas ou desafetos. Dizia que seu pseudônimo dava status e que a frase
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que mais o emocionou foi proferida por D. João de Souza Lima, então Arcebispo:
“Luiz, o amazonense tem três opções dia de domingo: ir à igreja, assistir ao fute-
bol ou ouvir o seu programa”. Houve um domingo que eu fiz os três.
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A 1ª FEIRA DE INCENTIVO AO DESENVOLVIMENTO
ECONÔMICO DO ESTADO DO AMAZONAS – FIDEA
Publicado em 13 de maio de 2016.
Tudo acontecia no quadrilátero: deu duas misses Amazonas; promoveu o
primeiro carnaval de rua de Manaus; chorou com a explosão da caldeira da Santa
Casa; organizou corrida de rua entre vizinhos; deu shows de futebol na calçada;
concentrou grupos folclóricos; foi rota de procissões e é dono da esquina que
pariu histórias sem fim. Foi nesse ambiente que numa tarde de maio de 1967, eu
corri pra abelhudar o que tantos operários, telhas de zinco, compensados de ma-
deira e latas de tinta faziam amontoados na calçada da Rua José Clemente. Isso
tudo distribuído no trecho compreendido entre a Av. Eduardo Ribeiro e a Praça
São Sebastião, ao longo de toda a extensão lateral do Teatro Amazonas. Não tinha
como conter minha curiosidade, na idade que eu tinha agitações assim só ocor-
riam durante o Festival Folclórico. Fora isso alguns arraiais em bairros com direito
a pescaria, bingo de galinha assada entregue ao vencedor em um prato de pa-
pelão coberto por papel celofane de cor e, especialmente, os impagáveis anún-
cios nos autofalantes: “alguém de camisa azul oferece para a moça de vestido
rendado cor de rosa, a música Because I love; os desfiles escolar e militar de 7 de
setembro; carnaval de rua na Av. Eduardo Ribeiro e a malhação de Judas durante
a semana santa. Fora isso era um tanto fazer sem tecnologia alguma, que nossos
filhos e os filhos dos nossos filhos – gerações de condomínios – não acreditariam.
A agitação decorria dos preparativos para a 1ª Feira de Incentivo ao Desenvol-
vimento Econômico do Estado do Amazonas – FIDEA, um evento promovido pela
recém-criada Superintendência da Zona Franca de Manaus – SUFRAMA, aconte-
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Lúcio Menezes
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cimento que contou com o apoio do Governo Estado, Prefeitura e Federação das
Indústrias. Em uma área de 7.000m² foram montados 130 stands a expor todos
os produtos saídos das fábricas instaladas em território amazonense. Durante um
mês, do dia 21 de maio a 20 de junho, entre as 18 e 23 horas, foram mostrados ain-
da, couros silvestres extraídos da imensa fauna amazonense e beneficiados em
Manaus, e diversos outros produtos comercializados na praça local.
A Feira trouxe atrações musicais especialíssimas: Agnaldo Timóteo, Zimbo
Trio, Brazilian Beatles, Maritza Fabianni, Renato e seus Blue Caps e um Conjunto
da Guiana Inglesa com nome que, se não era esse, se aproximava, Des Glasford`s
and The Combo 7. Os caras arrasaram cantando Only You e See You in Septem-
ber, e deixaram todos boquiabertos com os sons que extraiam de camburões de
ferro.
Um torneio internacional de luta livre trouxe os brasileiros Átila, o ” matador
árabe”, Arnaldo, Braz “Cangaceiro”, Búfalo, Manhães e João Isaac, o talvez peru-
ano Romero, o chileno Arturo e o portuga careca chamado Barrigana. As lutas
eram diárias e as preliminares ficaram por conta dos lutadores locais: Lobo Selva-
gem, Umbelino, Boy do Ringue, Alberto, a “Bomba”, Tigre da Amazônia, El Cholo,
Argos, Demolidor, Mini Maciste, Tourinho…
Aportado no Rodway estava o transatlântico Rosa da Fonseca. Lá foram
montados stands para atender empresários paulistas, embaixadores dos Estados
Unidos, Japão e representantes de alguns países europeus, que vieram prestigiar
a Feira e, naturalmente, prospectar as vantagens que a ZFM prometia. Completa-
vam o pacote para agradar aquele seleto público, belas mulheres, bebidas, músi-
ca e acepipes. Membros do governo, obviamente, assinaram presença.
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Se os curumins e cunhatãs só tinham os eventos antes citados, os adultos
não podiam reclamar, os acontecimentos sociais naqueles dois meses eferves-
ceram a capital. Em nota pelo Ideal Clube o colunista Nogar informava ao Grand
Monde manauara o Baile do Companheirismo em homenagem ao Lions clube
Vitória Régia, Centro, Uirapuru e Rotary, que ele promoveria no dia 27 de maio
para apresentar ao mundo social amazonense as treze Rosas de Maio. Os inte-
ressados deveriam ir ao clube e lá contatar o Geraldo, claro. No dia 24 do mesmo
mês, com cenário idealizado por Roberto Carreira, o RIAMA Club apresentou, no
Atlético Clube Barés, a escolha da Rosa de Maio Riamista, festa animada por Do-
mingos Lima e seu Conjunto; de 18 a 29, no campo do General Osório, o Festival
Folclórico; de 19 a 22, sob os cuidados do Departamento de Promoção Social –
DEPRO, tendo como titular o querido Joaquim Marinho, a II Festa da Juta; e, final-
mente, em 09 de junho ocorreu a escolha da Miss Amazonas, com Nelma Batista
desbancando seis beldades, dentre elas Irene Toscano e Zeina Chamma.
Dois fatos sobressaíram: enquanto todos os olhos se voltavam para as can-
didatas a Rainha da Juta que lá desfilavam em trajes feitos daquela fibra vegetal,
eis que o colunista Nogar, provavelmente para agradar o honrado diretor presi-
dente da Brasiljuta, Dr. Mário Guerreiro; talvez para provar que a juta servia, in-
clusive, para vestuário, surgiu, todo prosa, dentro de um paletó de juta, que tal?
Não sei o que mais chamava a atenção, se o pavoroso paletó ou o suor que en-
charcava seu rosto. Exclamaria o saudoso colunista Gil: ploft! O outro foi durante
a última luta livre, o portuga Barrigana tomou distância e correu para finalizar
o Cangaceiro com uma cabeçada, sua especialidade. O que ele não contava era
que o oponente não faria o previamente combinado. Cangaceiro, como autêntica
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cabra da peste, se esquivou e o Barrigana, coitado, arrebentou a cabeça no pos-
te do ringue. Abriu uma brecha tão grande que dava pra ver o céu da sua boca.
Esse episódio deu tanta popularidade ao lutador português, especialmente entre
a meninada, que o amigo Arnaldo Russo, de vez em quando, ainda chama o Ro-
bertinho Caminha de Barrigana.
Convido quem teve saco de ler essa crônica até aqui a fechar os olhos e ima-
ginar a Feira com seus 130 stands, mesas e cadeiras distribuídas ao ar livre, servi-
ço de restaurante, desfile de candidatas a Rainha da Juta, cantores a interpretar
seus sucessos, lutadores a se enfrentar, o Nogar, suadíssimo, a trajar um paletó
de juta, um portuga com a moleira rachada, gente à beça e uma lua que só por
aqui há. Isso tudo na Rua que igual não há. Égua, fala sério! Aquele quadrilátero
não tem par!
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MANAUS É A VENEZA BRASILEIRA
Publicado em 27 de maio de 2016.
“Recife é a Veneza brasileira”. É não.
Sabe quantas Pontes tem na capital de Pernambuco? Oito. Boa Vista, Mau-
rício de Nassau, Buarque de Macedo, Duarte Coelho, 12 de Setembro, Princesa
Isabel, Seis de Março e Limoeiro. E Manaus? Sabe não? Pois bem, pasme! Manaus
tem mais que trezentas pontes. Até gostaria de discorrer sobre cada uma delas,
mas não dá a maioria não possui nome oficial. Assim, me aterei às dezoito pontes
mais conhecidas, aquelas que me ajudavam a chegar aos bares que eu desejava
fossem o objeto desta crônica.
Antes e apenas como aperitivo, citarei duas não menos importantes: a ponte
Engenheiro Villar Câmara, aquela do Igarapé da Cachoeira Grande do Tarumã,
lugar que me valia pra impressionar turistas, parentes e namoradas de cá e além-
-fronteiras; e Isaac Sabbá, situada na Rua Leonardo Malcher, centro, entre a Rua
Major Gabriel e a Avenida Joaquim Nabuco, perto da Lisbonense. Lembrou?
Vamos às dezoito: a caçula das nossas pontes é a ponte Octávio Beleza da
Câmara, localizada no condomínio Alphaville, Zona Oeste de Manaus, inaugura-
da no dia 27 de dezembro de 2014. A ponte tem 55 metros de extensão e 15 de
largura. A estrutura faz ligação entre as avenidas Coronel Teixeira, antiga estrada
da Ponta Negra e do Turismo. Desta eu nada tenho pra contar, exceto da justa
homenagem prestada ao saudoso Octávio, irmão do amigo Heraldo, da Eliane,
Graça, Margot e Sérgio.
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A Ponte da Bolívia, eu já contei em crônica anterior, eu achava que ficava no
país andino de mesmo nome. Tem vinte metros de comprimento e fica sobre o
Igarapé do Quitó (ou Quixó). Sua construção começou em 1957, e sua inaugura-
ção ocorreu no dia 21 de fevereiro de 1958. O nome oficial é ponte Antônio Vital
de Mendonça, mas o povo a batizou Ponte da Bolívia e ponto final. Caramba, deu
saudade do peixe, da água e dos beijos molhados com sabor de pecado!
Sobre o Igarapé do Mindú há três pontes. A primeira fica na antiga Avenida
Recife, hoje Mário Ypiranga Monteiro, próximo ao viaduto Miguel Arraes. A segun-
da, construída para viabilizar o acesso de pedestres para o balneário Parque dez
de novembro, fica na Avenida Darcy Vargas, também próxima ao mencionado
viaduto. A terceira liga a Rua Paraíba, hoje Humberto Calderaro, com o Conjunto
Castelo Branco, a Cohab-Am do Parque Dez. Sobre essa eu ando quando elejo o
Passeio do Mindú como local de caminhada.
A ponte Senador Fábio Lucena foi inaugurada no dia 16 de novembro de
1987. Tem 256 metros de extensão e liga os bairros de Aparecida, a partir da Rua
Comendador Alexandre Amorim, e São Raimundo, via Rua Cinco de Setembro.
Se tivesse sido inaugurada antes, eu não teria ido tantas vezes de ônibus e duas
vezes de catraia – saindo da Pausada, na Rua Frei José dos Inocentes – paquerar
as meninas nos arraiais do bairro da Glória ou as alunas da Escola Estadual Mar-
ques de Santa Cruz, na praça em frente à igreja do santo que dá nome ao bairro.
Em 1979, por iniciativa da vereadora Otalina Aleixo, a praça passou a homenagear
o mais ilustre morador do bairro, o servidor público, político, presidente da Câ-
mara Municipal de Manaus, presidente do São Raimundo Esporte Clube, diretor
da Rádio Difusora do Amazonas e pai do querido amigo Francisco Roberto (Bob),
Ismael Benigno.
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A Ponte da Conciliação fica sobre o Igarapé do São Raimundo, interliga os
bairros da Compensa, São Jorge, Santo Antônio, Glória e São Raimundo com o
antigo Boulevard Amazonas, hoje Boulevard Álvaro Maia. Sua inauguração data
de 25 de outubro de 1979. Ao seu lado fica a Ponte Presidente Dutra, que conecta
os bairros de São Raimundo, Santo Antônio e Glória ao mesmo Boulevard. Esta
foi inaugurada em janeiro de 1951. Inicia na rua do mesmo nome e desemboca
na Avenida Kako Caminha. Por esta Ponte cansei de ir e vir do Estádio da Colina,
hoje Ismael Benigno e do Bar Ponta do Vento, onde ouvia Chorinhos de responsa.
Sobre o Igarapé da Cachoeira Grande, a ligar a zona Oeste ao bairro de São
Jorge, há duas pontes edificadas. A que permite o trânsito veicular no sentido
centro/bairro chama-se Lopes Braga e foi inaugurada em 1952. Na direção bairro/
centro denomina-se Joana Galante e foi inaugurada em oito de agosto de 1978.
A primeira homenageia um engenheiro manauara, a segunda a mãe de santo
paraense mais famosa de Manaus. Mais de mil vezes atravessei essas pontes para
ir e vir da Ponta Negra, Hotel Tropical, azarar as minas no Conjunto Residencial
da Cophasa, passar o pano nos brotos da Vila Militar ou, dentro da mala do carro,
entrar sem pagar nas memoráveis festas do Círculo Militar.
Por cima do Igarapé do Mestre Chico se destaca a majestosa Ponte Benja-
min Constant, a Ponte de ferro, a mais antiga e mais bonita da cidade. Sua inau-
guração data de sete de setembro de 1895. Construídas por italianos e a guardar
a arquitetura daquele País, as outras duas pontes são conhecidas como Pontes
Romanas I (primeira ponte) e II (segunda ponte). A nomenclatura da Romana I é
Floriano Peixoto, a Romana II se chama Deodoro da Fonseca, ambas inaugura-
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das em 1896. A Romana I fica sobre o igarapé de Manaus, a Romana II, depois do
Palácio Rio Negro no sentido Cachoeirinha, sobre o Igarapé do Bittencourt. Cau-
sava-me inveja a intrepidez contagiante dos curumins – verdadeiros áqualoucos
– que, com os pés nos corrimãos das pontes, saltavam, nos períodos de cheia, em
pé ou de cabeça, nas negras e ainda límpidas águas do delta formado pelos dois
igarapés. As bolhas d’água que o impacto gerava, lembravam um copo cheio de
Pepsi, Coca ou Baré Cola, a receber pedras de gelo.
Prudente de Moraes é a Ponte dos Bilhares, que também já foi Ponte da
Cachoeira Grande e ainda há quem a chame de Ponte do Bosque ou do Cidade
Jardim. Construída sobre o Igarapé da Cachoeira Grande, hoje Igarapé do Mindú,
também é de ferro e foi inaugurada em 1896. Dessa guardo triste lembrança, foi
lá que o Carlinhos Cordeiro, meu vizinho de rua, em trágico acidente automobi-
lístico feneceu.
Ponte Ephigênio de Sales, no Igarapé do Quarenta, é a que liga o bairro
Cachoeirinha ao bairro Educandos. Hoje não mais recebe o trafego de veículos,
serve apenas para a travessia de pedestres. A Ponte Juscelino Kubitschek, pro-
longamento da Avenida Castelo Branco, paralela à Avenida Ephigênio Sales, liga
os mesmos bairros, essa sim é trefegada por veículos. Por estas ia ao Aeroporto
Ponta Pelada comer as imbatíveis minis pizzas.
Sobre o Igarapé do Educandos fica a ponte Padre Antônio Plácido de Souza
a unir o bairro Educandos ao centro da cidade. Tem 340 metros e foi inaugurada
em outubro de 1975. Convidado pelo Vavá das Candongas, por ela eu chegava
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para brincar o animado carnaval da Bhanda Bhaixa da Hégua. A concentração
era num Bar acanhado de nome Casa Ideal, na famosa Baixa da Égua. Estimu-
lado pela fome, antes e depois da construção da Ponte, eu me acabava na cal-
deirada de tucunaré carregada de pirão e pimenta da Peixaria Panorama. Bom
demais desfrutar da vista para o Rio Negro. Égua, como faz tempo!
Por último ficou a Ponte Rio Negro sobre o rio do mesmo nome. É a maior
ponte estaiada (suspensa por cabos) e fluvial do Brasil. Foi inaugurada em 24 de
outubro de 2011, tem 3,6 quilômetros de extensão e une Manaus a Região Metro-
politana (Iranduba, Manacapuru…). Bem, a Ponte é recente, eu já na descendente
e um tanto quanto inapetente… não há história existente.
“Manaus é a Veneza brasileira”. É sim.
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AOS NAMORADOS E ENAMORADOS
Publicado em 10 de junho de 2016.
Quem nunca namorou está perdoado, mas quem já namorou e disser que
namorar não é bom, com certeza precisa de internação médica ou interdição
judicial imediata. Namorar é bom demais. É bem inalienável, é o mandamento
esquecido, o décimo primeiro: namorar até o último suspiro. Pensando melhor,
talvez a sua versão para o português ficasse bem, assim: “é proibido namorar”.
É que, lamentavelmente, está no DNA de boa parte dos brasileiros a trans-
gressão às Leis de Deus e dos homens, então Deus nos pregaria uma peça e, as-
sim, muitos brasileiros namorariam, finalmente, até o último suspiro.
Namorar renova, rejuvenesce, renasce, estimula, encoraja, enche a gente
de felicidade, não poupa sorriso, embeleza, arrepia, contagia, alegra; faz bem pra
pele, pro coração, pros olhos, pro sono, pro corpo, pra alma, pra vida. Namorar é o
melhor dos tônicos, é a fonte da eternidade, o melhor dos verbos, aquele que só
deveria ser conjugado no presente do indicativo.
Mas enquanto namorar não for Lei Divina então seja enamorado (a). Ena-
more-se da natureza tão intensamente quanto intensa é a voracidade dos seus
predadores; enamore-se da vida com tanta gana quanto a gana do moribundo
pela sobrevivência; enamore-se da estética com tanto primor quanto o primor
que a ela o arquiteto dispensa; enamore-se da ética com tanto zelo quanto o zelo
que a ética reclama pra si; enamore-se da verdade com tanto apego quanto o
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apego que o mitomaníaco nutre pela mentira; enamore-se da pureza com tanta
ousadia quanto os que teimam em pichar as cidades, em poluir os rios; enamore-
-se da paz com tanto querer quanto o desejo de criança mimada pelo brinquedo
impossível; enamore-se do dia com tanta intensidade quanto quem busca fugir
das trevas; enamore-se do estudo com tanto fervor quanto quem crê na vida
eterna; enamore-se da leitura com tanto tesão quanto quem dá ao primeiro beijo
na boca; enamore-se da fé com tanto gosto quanto quem saboreia a melhor das
iguarias; enamore-se da conquista com tanta alegria quanto a alegria do primei-
ro filho; enamore-se da liberdade com tanto desejo quanto o cansaço deseja a
cama…
O melhor dos namoros é aquele que, quando olhamos no espelho, vemos a
felicidade materializada a sorrir pra nós, o namoro é o espantalho da tristeza.
Ah se o Êxodo contemplasse esse décimo primeiro mandamento! Talvez os
homens cumprissem mais fielmente as demais Leis que, cá pra nós, estão cada
vez mais sendo desrespeitadas.
Gosto finalmente de supor, porque a suposição jamais se divorcia do sonha-
dor. Vamos lá, fechemos os olhos e suponhamos que Deus acaba de acatar a
minha sugestão, passou um MSN pro Moisés e autorizou mais uma Lei, o décimo
primeiro mandamento: “namorar até o último suspiro”. Então seja obediente na-
more bastante, sempre, pra sempre, até o último suspiro. Mas se for da sua prefe-
rência a versão “é proibido namorar”, então vá além, transgrida, ultrapasse a ve-
locidade; afinal, para o namoro não há sinal eletrônico, multa, bafômetro e nem
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perda de pontos na carteira de namorado(a) acelerado(a). Não perca tempo, a
vida passa rápida como a velocidade de um meteoro. Não cabe a atitude passiva
descrita na versão do Chico Buarque para a música Gesubambino: “… esperando,
parada(o), pregada(o) na pedra do porto com seu único e velho vestido (calção)
cada dia mais curto…”.
FELIZ DIA DOS NAMORADOS!
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AS FESTAS JUNINAS
Publicado em 24 de junho de 2016.
Hoje é o dia de São João, o “Santo festeiro” e, caramba, quantas festas juni-
nas eu vivi!
Na brincadeira de quadrilha de 1967, no Grupo Escolar Princesa Isabel, eu fui
par da Rosa, irmã do Flávio, pernambucanos que meteoricamente por aqui pas-
saram. Ela era alva, loura cacheada, simpática e linda. Eu, tímido, vivia a primeira
paixão um mês antes de completar onze anos. O que marcou aquele folguedo foi
o detalhe de que, na coreografia ensaiada, todos deveriam ter uma flor de plás-
tico consigo. Meninos para um lado meninas para o outro a uma distância pro-
vável de quatro metros. Quando olhei Rosa estava a segurar a ponta da saia com
uma das mãos e a outra vazia, sem a necessária flor. Num ato de impulsividade
e cavalheirismo precoce joguei-lhe a flor que foi girando, girando, até alcançar a
sua mão. O sorriso que ela abriu me deixou pávulo. O beijinho de gratidão que re-
cebi no rosto foi tão impactante que pensei estar impregnado de toda a energia
do universo, até a oculta que mora dentro de nós. O praná dos indianos havia se
apoderado do índio Manaó.
Era quase que hipnótica as labaredas das fogueiras gigantes; excitante as
latas de leite em pó subindo após o papoco do catolé; hilariantes os sustos que os
adultos tomavam com os “peidos de velha”; provocante o percurso imprevisível
do busca-pé; arriscadas as fagulhas que a palha de aço queimada soltava, quan-
do presa por um fio e em movimento manual giratório; disputadas as corridas de
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saco de estopa, individuais ou por equipes; idem as corridas do Saci-Pererê (com
uma perna); frustrantes as escorregadelas dos paus de sebo que nunca consegui
subir; animadas as corridas do ovo posto sobre a colher de sopa e presa a boca,
(haja equilíbrio!). O quebra-pote contendo doces e balas provocava alvoroço tan-
to quando o participante queimava suas tentativas de acertar o alvo – de olhos
vendados e com um pedaço de madeira na mão a tentar quebrar o pote -, quan-
to quando o acertava e espalhava as guloseimas pelo chão.
Levava-se a sério as simpatias e adivinhações, as meninas queriam saber se
iam casar? Com quem? Quando? Pra funcionar os objetos utilizados tinham que
ser virgens. A faca virgem era enterrada na bananeira, depois a moça rezava uma
Salve Rainha e voltava para casa sem olhar para trás. No dia seguinte ia conferir
se, na faca, estava a inicial do nome daquele que seria seu noivo. Se a faca nada
revelasse não casaria e repetiria no ano seguinte até surgir uma letra, caso con-
trário, a pobrezinha era candidata certa ao caritó.
Receber o pãozinho de Santo Antônio, ofertado tradicionalmente pela igreja
católica, é crendice de que nunca faltará alimento.
Quer saber quanto tempo levará para se casar? Amarre um fio numa alian-
ça, ponha-o sobre um copo com água, segure-o sem mexer a mão e conte quan-
tas vezes balançará. O resultado será o número de anos que você levará para se
casar.
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Quer arranjar marido ou mesmo namorado? Devia ter feito isso no dia de
Santo Antônio, agora se programe para o ano que vem, é assim: amarre com nós
bem apertados duas fitas no pescoço da imagem de Santo Antônio, uma branca
outra vermelha. Se as deixas frouxas o santo não age, se o castigas ele avia rapidi-
nho. Milagre realizado a compensação deverá ser um rosário sem fim.
Hoje é dia de colocar duas agulhas numa bacia com água e guardar distân-
cia entre elas, se uma juntar-se a outra o casório estará garantido.
Tá com medo da morte e quer saber quem morrerá primeiro? Recolha dois
pedaços de carvão da fogueira de qualquer um dos santos, os pedaços devem ser
desiguais, um maior e um menor, o maior representa seu marido ou namorado.
Ponha-os numa bacia com água e aguarde. Se os dois boiarem vocês viverão jun-
tos para sempre, se afundarem morrerão juntos, o que afundar primeiro morrerá
primeiro. Eu hein!
Tá doida pra saber o nome do pretendente? Escreva os nomes dos meninos,
objetos dos seus desejos, em pequenos pedaços de papel. Dobre-os e ponha-os
dentro de uma bacia com água. Aquele que amanhecer aberto será o cara. Ou-
tra: se ficar quietinha atrás da porta, o primeiro nome que ouvir é ele, o cobiçado.
Mais uma: vela nova e bacia nova com água, o lugar não pode ser agitado, reze
uma Salve Rainha (sempre ela), acenda a vela, mantenha a mão imóvel e deixe a
vela pingar na água da bacia, a letra que se formar será a primeira letra do nome
do encantado.
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Aliete do Carmo Parente Salles, tia do Dedé da Cachaçaria, a mão mais aben-
çoada para a arte culinária que eu conheço, preparava as comidas típicas do mês
de junho: bolo podre, rabanada, bolo de milho, canjica, mungunzá, pé de mo-
leque, paçoca, banana frita, vatapá, caruru, pirarucu de casaca, tacacá, aluá e o
escambau. Sua casa era vizinha ao Caiçara Clube, hoje TVlandia Mall, o terreno
era tão grandioso quanto a fogueira que queimava minhas fabulações infantis,
a fartura era tamanha que me fazia cometer o pecado da gula, os sabores eram
tão especiais que viravam inquilinos das minhas papilas degustativas por muitos
dias.
As festas de São João patrocinadas pela família Coutinho, donos do estaleiro
com o nome do mesmo santo – dos amigos Danilo, Haroldo e Daniel -, aconte-
cia num lugar chamado Caxangá, hoje Travessa do Caxangá, entre a Jonathas
Pedrosa e a Visconde de Porto Alegre, entrando pela Rua 5 de setembro, hoje
Candido Mariano. Eram festas realmente concorridas. A salva de fogos iluminava
o céu por tanto tempo que dava até torcicolo.
Ah, as festas juninas na casa do Dino e da Vovó Belmira, na Vila Martins! Avós,
tios, pais e primos reunidos a desfrutar das músicas, comidas, brincadeiras e da
atmosfera que só o mês de junho proporciona, inesquecíveis! Sem contar que os
quitutes eram de primeira. O vatapá da Nazaré, minha tia, é de comer até passar
mal e os quitutes da Dindinha, saborosíssimos e com gosto de quero mais. Além
do aluá tinha a gengibirra, delícia! Faz tempo, muito tempo que não bebo essa
bebida que é cara da família Meirelles, do mês de junho, do meu avô Dino, da mi-
nha infância, das páginas da minha história escrita com o doce sabor do pirulito,
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rala-rala, algodão doce, quebra queixo, rebuçado… Tempo em que o açúcar, no
máximo, dava cárie.
Mas o melhor mesmo era o Festival Folclórico no campo do General Osório,
hoje Colégio Militar, na ilharga da minha Rua. Os bois, os garrotes, as tribos, as
danças… Valha-me meu São João! O que aconteceu com o mês de junho?
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SAUVEGARDER LA DIVERSITÉ!
Publicado em 08 de julho de 2016.
Tenho muitos e queridos amigos que quando dessa vida saírem virarão pur-
purina.
Ao longo desses sessenta anos vividos vi, conheci e convivi com tantos ho-
mossexuais que até a conta perdi. Com o passar dos anos o número de adeptos
esteve a perder o medo e a vergonha, a enfrentar a resistência de tantos e está a
registrar crescimento exponencial. Se ontem só tínhamos o oligopólio dos assu-
midos (e enrustidos), hoje temos o que os economistas chamam de tipo ideal de
mercado: a concorrência. Não faço apologia, nem distinção, são queridos igual-
mente.
Hipocrisia dizer que homofobia por aqui não há, há e muita. Mas se pior já foi
é redundante afirmar que melhor ficará. Então que venham e sejam felizes.
A minha “Rua” hoje vive a efervescência da concorrência. Estão nos bares,
nas esquinas e até na Rêmulo’s, a Boate onde, dizem, estão as profissionais do
sexo mais interessantes de Manaus, em sua esmagadora maioria, oriundas de
outras plagas deste país continente. De volta aos anos de oligopólio, é claro que a
“Rua” não passaria batida.
Havia um cabeleireiro de cabelos espichados, boa gente e ótimo profissio-
nal, ele não guardava trejeitos, era discreto e até adotou um filho que de tão
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raquítico o apelidávamos de Meio Quilo. Outro era totalmente expansivo, ora se
apresentava como Almira Castilho, ora como Akiko, a gueixa. Também o educa-
do, inteligente e elegante moreno que o Mestre convocou prematuramente; foi
meu professor na Universidade e “viajou” sem saber que o chamávamos de Eva
Negra. Há causos de religiosos oriundos das congregações dos Capuchinhos e
Salesianos, e até de quem já havia abandonado o hábito, mas que tinha em seus
verbos e textos irrepreensíveis, as vestes dos clássicos.
Se as ruas da minha “Rua” (o quadrilátero) fossem passarelas eu diria que
foram palcos de desfiles memoráveis. Alguns dos mais notórios e notáveis por lá
emprestaram seu charme, glamour, requebro e frescura mesmo.
Eu devia estar com treze ou quatorze anos de idade, quando um desses
mais “atirados” olhou pra mim e jogou a cantada mais hilária que eu tenho cata-
logada: “Esse deve ser tão gostoso que deve cagar chocolate e mijar Coca-Cola”,
chamavam-no Porquinha e se dizia sobrinho do então dono de uma empresa
de transporte coletivo de nome feminino. Aliás, difícil aquele que não carregasse
consigo um apelido ou nome artístico. Tinha Pelé, Astrid, Bolota, Mococa, Arroz,
Mata Matá, Caixinha, Dom Dom, Intimo, Maria de Nazaré Lacute… Nazaré sempre
andava de vestido ou saia, peruca, saltos altos, pintada e a se requebrar; seu sor-
riso quase vazio denunciava o desfalque de quatro dentes superiores e frontais a
mostrar o cabalístico número 100001.
O Intimo tinha esse apelido porque assim ele era. Estudamos no mesmo
colégio, fomos da mesma turma. Tinha um ótimo humor e, acho, “desabrochou”
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tarde. Em férias no Rio de Janeiro com os meus pais e irmãos no ido ano de 1972,
fomos convidados a passar o réveillon na casa de um parente que morava na Tiju-
ca. De manhã fomos à praia de Copacabana e lá o encontramos. Perguntou-nos
para onde iríamos à noite e prontamente se convidou para ir junto. Ao chegar-
mos à casa do anfitrião logo apresentou suas credenciais e danou-se a soltar gar-
galhadas espalhafatosas, a falar em demasia, comer feito um glutão… Deitou-se
na cama do casal, ligou a televisão e, como derradeira intimidade, fez ligações
interurbanas a partir do telefone da casa sem qualquer cerimônia e parcimônia.
Por pouco aquele réveillon não ocorreu dentro de um táxi, com o papai a cuspir
fogo em cascatas tão caudalosas quantas aquelas que anos depois virariam atra-
ção do Hotel Meridien, no Leme.
Falava-se de alguns casados, de pais de filhos, aí incluídos professores do
curso ginasial e secundário. Ainda de políticos, carnavalescos, jornalistas, músi-
cos, cronistas, colunistas sociais, médicos, farmacêuticos, artistas plásticos, cos-
tureiros, donos de bares, atletas, comerciantes, promotores de eventos, profissio-
nais liberais, servidores públicos, autônomos…
Um dos contáveis corajosos oligopolistas era alto, gordo e branco, seu regis-
tro civil o homenageava com o nome de um famoso escritor francês e título de
peça teatral, nada mais coerente porque ele realmente era uma peça, na Rua o
chamávamos Buda Branco.
O Bar referência da “comunidade” era o Patrícia, ficava na Av. Constantino
Nery e seu proprietário atendia pelo nome de Alonso. Lá acontecia o famoso e
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esperado concurso de Rainha Gay do Carnaval, além de outros eventos protago-
nizados por travestis. Foi num desses acontecimentos que o “Pato” mais queri-
do do Amazonas aprontou. O desfile atingia seu ápice quando ele, subitamente,
voou da cadeira para o tampo de sua mesa, retirou sua intrépida “mangueira” e
tentou apagar o fogo que àquela altura tomava conta dos presentes. Os PMs que
estavam de serviço o depenaram, não o jogaram na panela fervente, tampouco
o assaram, mas o transportaram “delicadamente” para a rua, “Pato” estava no
ponto para ser preparado com laranja, tucupi ou arroz. Sua carne foi “amaciada”
com socos e safanões, o senão ficou por conta do amadorismo dos militares ao
deixarem sua pele recheada de “canhões”. Ao dar seu último suspiro o valente bí-
pede, encharcado do líquido normalmente dado aos perus, deixou a mensagem
lapidar: “só me deram porrada porque tão de turma”.
Vizinho ao Bar Patrícia os clarins do Clube Sírio Libanês anunciavam outro
Baile Gay.
O Atlético Rio Negro Clube deve ter sido o primeiro clube brasileiro a ter
oficialmente uma torcida organizada gay, a Galo gay. O titular dessa facção era
o Eurico Carvalho. Se a Barbie tem um carro conversível cor de rosa, o saudoso
rionegrino tinha um fusca preto todo incrementado, transformado em conversí-
vel e com o capô a exibir a pintura do Galo da Praça da Saudade com uma crista
elegante, luvas de boxe, jeitão de campeão do terreiro e vestido com o tradicional
uniforme barriga preta.
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Estudei inglês no Yázigi até o dia em que choveu e todos os alunos faltaram,
exceto eu. Eram da minha turma: George Lins, Luis Ângelo e Leila Albuquerque
Vianez, Thamy e outros que não recordo. O teacher sentou-se a meu lado, cruzou
as pernas e danou-se a encaracolar seu bigode americano com característica ir-
landesa. À medida que eu lia o texto ou repetia o que me era cantado, ele olhava
pra mim e dizia: beautiful! Beautiful! Na dúvida se o lindo era pra mim ou pro meu
sotaque, nunca mais voltei à escola.
No ano de 1983, já casado e pai do primeiro filho dos dois que tenho, deci-
di retomar meus estudos da língua falada por Jean Valjean e me matriculei na
Aliança Francesa. O professor recém-chegado da França era muito mais jovem
que eu. Desisti do curso quando me foi revelado que as flores e bilhetes com ver-
sos e declarações de amor que me eram entregues no meu trabalho, não eram
da fêmea que a minha imaginação pintava e minhas fantasias estimulavam. O
jeune professeur de français se apaixonara por mim, ou pelo meu sotaque, sei lá!
Bien, ce est la vie. Sauvegarder la diversité!
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LEON, UM NEGÓCIO DA CHINA!
Publicado em 19 de julho de 2016.
Em 1983, Norton César Marques Pinho era Juiz da Comarca de Eirunepé/AM.
Numa tarde de maio daquele ano o telefone tocou:
– Lúcio, é Norton falando.
– Fala Pinho, que surpresa agradável é essa?
– É o seguinte: tem uma “galinha morta” aqui. Um negócio da China.
– Explica melhor, disse eu.
– É um barco regional de treze metros de comprimento por três de largura,
motor importado, novinho em folha, só o motor vale o que o cara tá pedindo pelo
barco, o comando e a área de lazer ficam no piso superior; em baixo tem um ba-
nheiro, uma cozinha e um camarote. Tá em ótimo estado, uma pechincha. Outra
oportunidade dessa só na próxima encarnação.
– É mermo é? E aí, quanto custa?
– Cr$ 600.000,00 (seiscentos mil cruzeiros) – numa conversão nada ortodoxa
diria que corresponderia a R$ 18.000,00 (dezoito mil reais) – a gente racha meio a
meio, vamos ser sócios nessa porra. Já pensou? Pescaria, passeio, pescanagem,
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Lúcio Menezes
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lazer, Praia da Lua, do Tupé, do Arrombado … pega logo um avião e vem pra cá
antes que a cara venda pra outro.
– Preciso de um tempo pra levantar essa grana.
– Tudo bem, mas apressa que eu tô te esperando. Foi assim que me tornei
sócio do Norton e sonhei ser o Onassis dos trópicos.
Embarquei no táxi aéreo que fazia a linha Manaus/Eirunepé, com escala em
Carauari, um voo com duração de três horas – a distância em linha reta entre Ma-
naus e Eirunepé é de 1.160 km. Norton tinha um prestígio danado, era respeitado
e por isso o proprietário da embarcação teve paciência para aguardar o sócio do
magistrado que chegaria de Manaus. Leon era realmente um barco cativante e
estiloso para um regional, o branco predominava, mas o azul dava um toque de
elegância. Branco exprime a pureza, consagra o divino, azul é minha cor predileta.
Na cosmogonia, o Deus Criador é azul, além do mais, azul simboliza o caminho na
fé. Foi sob a inspiração do lendário Leon que, anos mais tarde, mais precisamente
em 1996, Ariosto comporia a belíssima toada “Vento Norte”, do boi Caprichoso,
cujo verso mais poético diz assim: “…azul é sempre cor de navegante…”. Perfeito.
Fechamos negócio e no dia seguinte estávamos singrando o Juruá rumo
a Manaus. Conosco embarcaram Augusto, cunhado do Norton e o Léo, uma es-
pécie de faz tudo. O cara era pescador profissional, tarrafeava como eu nunca vi,
era cozinheiro, prático, mecânico, contador de causos, bem-humorado, solícito e,
em Manaus, tinha uma irmã que despertava instintos selvagens. Norton é dono
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de uma excelente pontaria e no trajeto até Carauari deu inúmeras provas dessa
aptidão. Numa delas matou um alencor, não o comemos porque ele dizia que a
carne daquele pássaro era remosa e inservível para consumo humano. À noite fo-
cávamos jacarés. Nunca tinha visto uma população de jacarés tão grande como
naquela viagem, o Juruá era infestado, um número incalculável, mas longe dos
mais de dois milhões, trezentos e oitenta e sete mil, cento e setenta e um que o
Ex-Governador Gilberto Mestrinho afirmava ter lá pras bandas de Nhamundá, no
rio do mesmo nome. O Ex-Governador era notório em superestimar números.
Quanto ao alencor, bem, o alencor virou banquete daqueles répteis pré-históri-
cos.
Emitindo um som estranho pela boca e dando algumas palmadas nas per-
nas, Norton provocava os jacarés que respondiam dando rabanadas frenéticas na
água. Absolutamente fascinante! Paramos em um tabuleiro de quelônios, retira-
mos ovos e praticamos viração de tracajá. Até aí tudo perfeito, só não contávamos
com o que ocorreria dezoito horas após deixarmos o porto de Carauari.
Norton me disse que era um negócio da China, só não me disse que o motor
era made in China. As reformas econômicas da China começaram em 1979, mas
somente em 1984 o foco da política econômica voltou-se para o incentivo a in-
dústria. Logo, o Leon era um inocente útil, cobaia da incipiente indústria chinesa.
O motor era um gasolatra insaciável, só louco (ou liso) apostaria na tecnologia
chinesa de então, nós apostamos, o chinês não resistiu e… pifou.
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Foi um Confúcio nos acuda. Buda que pariu! Exclamamos sem combina-
ção previa, nos fu… Hoje, quando queremos pôr um ponto final numa discussão,
mandamos logo que o desafeto vá de retro, vá tomar…, vá pra…, naquela época
mandávamos pra bem longe, pra China. Era lá mesmo que tínhamos quebrado,
na China. Bateu uma tristeza tão grande que os nossos olhos começaram a se
fechar, era o retrato desolador de quatro tristes metamorfoseados chineses.
O rio Juruá é o rio mais sinuoso do mundo e lembra o Dragão Chinês. Se
o Dragão Chinês é visto como a criatura mítica divina que traz a abundância,
prosperidade e a boa sorte, o Juruá, naquele momento, pelo menos para nós, era
diametralmente o oposto.
A rotina era a seguinte: acordar cedo, pescar, beber, conversar sobre todas
as coisas, contar piada para descontrair, comer iaça, tracajá, peixe com farinha,
pimenta e arroz – como não tínhamos os palitinhos (k’uai-tzu “algo rápido” na
China, hashis “ponte” no Japão) comíamos com garfo e faca mesmo – rezar e
aguardar que Buda ou Confúcio tirassem na porrinha quem iria nos enviar ajuda.
Sim porque excluindo a excelência das companhias e a descontração reinante,
invariavelmente pela manhã chegavam, aos milhares, os tarados piuns que tra-
balhavam ininterruptamente até as 18h00min. Para o segundo turno, também
com presença maciça, assumiam os putos dos carapanãs. E haja repelente pra
suportar aquela tortura, tão desesperadora quanto a tortura chinesa da gota
d’água. Minha pele estava sofrendo mutações, pareciam escamas, tamanho era
o tempo que eu ficava de bubuia ou imerso naquela água morna fugindo dos
insaciáveis insetos.
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As noites eram longas, sem dominó, sem baralho, sem livro, sem toca cds,
sem telefone celular, sem televisão, sem ar condicionado, sem luz, com luar e
sem violão, na mais remota praia do Juruá, uma paisagem bucólica como as do
rio Min jiang.
Dois dias depois, quando já começava a bater o desespero e o português
já se confundia com o mandarim, não sei se pelo excesso de arroz ou de peixe;
se pela paisagem ou pela tristeza dos olhos que se fechavam, eis que Buda ou
Confúcio (sei lá quem perdeu a porrinha) nos enviou uma balsa. Foi uma euforia
inenarrável, parecia a Festa da Primavera, a primeira festa do calendário lunar
chinês. O prático do empurrador da balsa era um sujeito magro, tinha a cara do
David Carradine e a postura de um lutador de kung fu. Os demais tripulantes
eram três macérrimos e empoeirados ajudantes que, ao se depararem conosco,
inexplicavelmente ficaram estáticos, como se fossem soldados de terracota. A
viagem, em condições normais, duraria seis dias e quatorze horas, a nossa levou
duas semanas.
Faltando três dias para chegarmos enfrentamos uma tempestade que des-
truiu completamente a quilha do Leon, além de outras avarias. O banzeiro provo-
cava choques violentos contra a balsa, era uma luta involuntária e desigual, pobre
Leon.
Enquanto o Leon nos pertenceu Norton soube aproveita-lo: passeou, pes-
cou, namorou, curtiu a valer. Eu fiquei traumatizado e pouco usufrui do saudoso
Leon, não por conta da viagem, porque essa foi inesquecível, ali brotou um enor-
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me bem querer pelo Augusto e pelo Léo e consolidou ainda mais a minha amiza-
de com o Norton. Norton é um ser humano especial absolutamente admirável. O
trauma ficou por conta daquele motor chinês. Não tinha peça de reposição nem
oferta de mecânico especializado, era barulhento, lento, tinha um vazamento
crônico e dava prego constantemente. Conseguimos vende-lo para um cara de
nome Saint Clair, gordo como o Buda (apesar do consumo incontinente de chás).
Guardo com enorme carinho e imensa saudade aquelas duas semanas, o
Leon e a “viagem” de querer ser o Onassis dos trópicos. Curiosamente o único
jogo virtual que aprecio é o mahjong, um jogo chinês que muito exercita a minha
memória. Recomendo.
Norton, meu irmão, ser teu sócio foi um privilégio, viver aquelas duas se-
manas foi marcante, conservar essa amizade por tanto tempo, definitivamente
é merecimento reservado aos bons. Seja feliz, tenha saúde e conserva esse jeito
Norton César de ser: às vezes urbano, às vezes monástico. Seria o monastério in-
fluencia chinesa?
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MEU AMIGO IRMÃO, NORTON CÉSAR MARQUES PINHO
Crônica escrita e compartilhada no dia 19/07/2011, data do aniversário do Norton.
Norton, meu amigo e irmão, faleceu no dia 17 de janeiro de 2013.
Obrigado por tudo, amigo-irmão Norton César Marques Pinho, pela socie-
dade, pela amizade, pelo sorriso, pelos segredos, pelo carinho, pela palavra, pelo
canto, pelos ensinamentos, pela irmandade. Até um dia!
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OS PORTUGAS DA MINHA RUA
Publicado em 12 de agosto de 2016.
Dona Balbina era proprietária da taberna que ficava na esquina da Rua Lobo
D`Almada com a Rua 24 de maio. O guaraná Andrade que ela vendia era gela-
díssimo e vinha em garrafas casco escuro de 600 ml, que nem essas de cerveja;
o líquido contido era a cota certinha de três copos de vidro, grife Nadir Figueire-
do, modelo americano. Ela era mãe do Antelqui, um sujeito cujo sobrepeso lhe
permitiu o reinado de Momo por alguns anos. Sim, a Rua não tinha só beldades,
Condessas, Rainhas e Princesas, também tinha Rei, Conde, Lord, Marquês… Dona
Balbina era avó do Domingos e do Manel Cabeção, que depois virou Nelinho, em
homenagem ao grande lateral direito do Cruzeiro de Minas Gerais. Tinha outros
netos, mas não lembro seus nomes.
A poucos metros daquela esquina morava a família Vianez. O casal Seu Bel-
miro e Dona Bosi geraram uma bela família: a primogênita é a Omarina, depois
vem Lúcia, Ieda, Belmiro Filho, Leila e o saudoso e querido Luiz Ângelo, o Dan-
dinho. Seu Belmiro foi o responsável pela minha primeira aparição televisiva. O
time do Fluminense – salve o Tricolor! – lá da Rua, do qual o Dandinho era goleiro,
por ele foi entrevistado no seu programa esportivo dominical na extinta TV Ajuri-
caba. Inesquecível!
Na esquina da Rua José Clemente com a Lobo D`Almada tem o famoso Bar
Caldeira. Nos anos 1960 era proprietário do bar o Seo Araújo. Juravam os meninos
mais velhos que ele recolhia, com aquelas latas de manteiga enormes – a mesma
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manteiga que a gente comprava “a retalho” – a água da chuva que escorria no
meio fio da ladeira da Rua Lobo D`Almada, vinda a partir da Rua Dez de julho. As-
severavam que ele fervia e a usava para produzir os deliciosos sucos e picolés que
tanto consumíamos. Reza a lenda que certa vez o Seo Araújo estava com dificul-
dades para sintonizar uma rádio de Portugal. Douglas Lima, que por lá passava,
vendo a dificuldade e irritabilidade do luso, por peraltice ou sacanagem, assim a
ele se dirigiu:
– Seo Araújo, é muito fácil sintonizar a rádio de Portugal, o senhor quer que
eu lhe ensine?
– Claro ô “puto” - os portugueses assim tratam seus filhos quando meninos.
Estou eu cá a tentar e não encontro hipótese. Preciso saber notícias de além-mar,
ora, pois!
– Então preste atenção pra que eu não precise repetir: vá girando o botão de
sintonia bem devagarzinho, quando o senhor sentir um cheirinho de merda é a
rádio portuguesa.
Diz-se que depois disso Douglas saiu em desabalada carreira com o Seo
Araújo a persegui-lo. Felizmente os pés descalços do menino Douglas, a correr
por sobre os paralelepípedos, foram mais ágeis que as sandálias de pescador que
ele usava. Depois desse episódio testemunhei sua felicidade a ouvir a rádio do
seu país, só não posso afirmar se o que respondeu pela sintonia foi a palha de aço
ostentada na ponta da antena do rádio ou o cheiro insinuado por Douglas.
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Depois o bar passou para o Seo Antonio, pai da Ninita e esposo da Dona Ma-
ria. Seo Antonio faleceu prematuramente, Dona Maria e seu irmão, Adriano, as-
sumiram e lá trabalharam anos a fio. Atualmente o Caldeira está sob os cuidados
do empresário Carvajal.
A Rua Lobo D’Almada vai da Av. Sete de Setembro até a Rua Dez de Julho. Na
Sete nos deparamos com a Igreja Matriz, na Dez com “A Cabacence”. Antes de se
transformar em Casa Lotérica, “A Cabacence” era a taberna da família Pureza, da
matriarca Dona Otília e seus filhos, Manoel e Miloca. Dona Otília até ficava no bal-
cão, mas quem tomava conta mesmo era o “Manel” Pureza, uma figura bacana e
pacata. Lá comprei muitos chicles Ping pong, mas o carro chefe eram as bolinhas
de gude, com suas ponteiras, patacas, colombianas, bibianas… uma beleza para
os olhos do menino que andava com pés descalços, cultivava unhas sujas e tinha
na mão esquerda a pontaria que lhe garantia conquistas no jogo de ronda mate.
Próximo à casa do Camilo Gil Cabral morava o Carlos, um gajo discreto, del-
gado e que usava óculos que tinham armação preta e retangular. Sua solidão foi
interrompida no dia que casou.
José Clemente 268, uma casa alugada, era o meu endereço. Seo Antonio era
o nome portuga proprietário, esposo da também portuguesa, Dona Hermínia.
Ele era dono das outras duas casas ao lado da nossa e do Restaurante Central. Eu
e meus irmãos o apelidávamos de “barrigudão de gravatinha” porque ele traba-
lhava como garçom no seu restaurante e não abria mão da fantasia de pinguim
com gravata borboleta. Não era coxo, mas andava a mancar: ou os sapatos eram
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menores ou tinha saliência na ponta dos dedos ou do calcanhar. Um dia ele im-
portou, desde a santa terrinha, quatro sobrinhos: os irmãos Manoel, José e Do-
mingos Ratto e o primo deles, o traquina Joaquim. Esse aprontou com a família e
sumiu, foi um enorme abalo numa casa portuguesa, com certeza.
Na esquina da Rua José Clemente com Av. Epaminondas tinha o Bar Natália,
da família Loureiro. Ali se vendia o melhor “prego” (sanduba de filé). Na esquina
do outro lado da Rua José Clemente, o Salão Grajaú do Seo Ernesto. Taí outro por-
tuguês educado. Era ele quem a mamãe autorizava arruinar nossas cabeças com
o corte militar bem rapado.
Na Joaquim Sarmento tinha a família Carmona dos filhos brasileiros Fran-
cisco, Antônio e Joaquim, o Quinzinho. Na mesma rua, esquina com a Rua Salda-
nha Marinho, a família Henriques. Penso que eram três homens e três mulheres,
dentre eles o Julião e o Carlinhos, o periquito. Lá funcionava uma loja sortida de
materiais de construção. Na Eduardo Ribeiro tinha o luso, Seo Eduardo, dono da
Padaria Avenida – o melhor pão doce do mundo – e a Confeitaria Avenida, do Seo
Duarte – o melhor caramujo do planeta.
Na Praça São Sebastião resiste o Bar do Armando – do falecido lusitano do
mesmo nome – e seu incomparável sanduíche de leitão. Na Rua Costa Azevedo o
melhor bacalhau de Manaus é vendido no Restaurante Calçada Alta, do saudoso
Seo António, também naquela rua tinha o barbeiro Seo Ribeiro, avô do Maneca.
Ao lado da Igreja de São Sebastião, na Rua Tapajós, morava a família Gaspar. Na
Dez de Julho canto com a Rua Tapajós fica o Luso Esporte Clube, em frente mo-
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rava o Seo Ernesto Costa, pai do meu querido amigo Manoel Ribeiro da Costa.
Maneca viveu muitos anos no Rio de Janeiro, lá teve tórridas relações amorosas
com fêmeas de vários matizes (e quilates), mas o “senhor dos mares” atracou sua
nau no Rio Negro e se casou com a cachopa Adriane, filha do Seo António, dono
do Calçada Alta. Próximo dali, na Rua 24 de maio, ficava a Padaria Mimi, da família
Simões. As bolachas e os pães eram demais.
Os últimos, e sei que esqueci alguns, são: António do Bar Brasil – Av. Epa-
minondas canto com a Rua Dez de julho – que fabricava sorvetes dos deuses e,
finalmente, a Casa Dias, da família do mesmo nome – Av. Epaminondas esquina
com Rua Luiz Antony – que até bem pouco tempo era gerida por Augusto Dias.
Ali se vendia de tudo, impressionante! Tinha manteiga, cimento, vassoura, guara-
ná, azulejo, parafuso, papel higiênico e o escambau. Um dia chegou de férias, lá
das terras de Cabral, um Dias sobrinho. Ele foi até o Estádio General Osório onde
jogávamos futebol, tímido, não teve coragem de pedir pra jogar. No dia seguinte
apareceu com uma bola de couro, meião, suporte, chuteiras e aí, dono da bola,
foi escalado. Uma desgraça, o “puto” era o único a usar chuteiras entre tantos pés
descalços. O “miúdo” não jogava nada, mas tinha uma raça descomunal e só en-
trava no estrompa. Não me lembro de tê-lo visto a jogar na linha depois daquele
dia.
Égua! Eu vou te contar, como tinha portugas lá na Rua!
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A MINHA PRIMEIRA VEZ
Publicado em 26 de agosto de 2016.
Aqui, no meu torrão amado, conheci algumas das “casas de saliência” que
os jornais, livros e revistas nacionais de então, também rotulavam de lupanares,
bordéis, antros de prostituição, rendez-vouz, covis de licenciosidades, casas de
perdição… Seria pieguice optar por um desses qualificativos, quando dez entre
dez frequentadores preferiam chamá-las, puteiros. Que me perdoem os purita-
nos, mas se puteiros eram, nas minhas linhas, puteiros serão.
O apogeu deu-se no fim dos anos sessenta – o que pra mim não foi possível
testemunhar, já que em 1969 eu tinha treze anos de idade. Tudo bem que vivia a
plena puberdade, mas os meus níveis de testosterona ainda não eram suficien-
tes para engrossar a minha voz, destacar o meu pomo-de-adão, muito menos
exibir com naturalidade para uma profissional do sexo, aquele embrião peniano.
Em um dia do ano de 1971, deixei minha virgindade no quarto de um puteiro.
Foi lá que também descobri o significado literal do dito popular: “mais cheiroso
que penteadeira de puta”.
Era menor de idade, não tinha carro nem sabia dirigir, tampouco dava pra ir
a pé ao então longínquo “Lá Hoje”, cuja localização ficava exatamente onde está
a nossa Rodoviária. Sem qualquer ameaça de dúvida, o Lá Hoje era muito mais
decente que o medonho “terminal” que temos.
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Dois amigos do Colégio Brasileiro, um ou dois anos mais velhos que eu e que
se intitulavam, “experientes”, me acompanharam na minha primeira empreitada
sexual.
É muito esquisita a “primeira vez” quando essa ocorre sem sentimento,
quando o ato é mecânico e exclusivamente profissional.
Cotejar o virgem de ontem com o de hoje é covardia desmedida, nós não
tínhamos informações, nem ofertas, tínhamos apenas as histórias e estórias que
os mais velhos contavam – dizia-se, naquela época, que melhor que “comer” era
contar, há quem até hoje ainda pense assim – e que, naturalmente, fantasiavam
para despertar a curiosidade dos invictos de plantão e posarem de garanhões.
Tínhamos ainda, como referência desde os anos sessenta, os famosos “catecis-
mos” do cartunista Carlos Zéfiro – revistinhas de sacanagem em quadrinhos com
desenhos em preto e branco, depois coloriu – e nos anos setenta, as revistas ame-
ricanas playboy e Penthause e as brasileiras Ele e Ela e Status. Quem, nos anos
setenta, não levou para o banheiro uma foto da Rose de Primo?
A preocupação do iniciante com o primeiro desempenho é e sempre será
nenhuma. Isso é regra. Tenta-se, em vão, não demonstrar ansiedade, mas a pres-
sa – sempre a pressa – em perder a virgindade, muitas vezes compromete a ere-
ção, felizmente não foi o meu caso. Todavia confesso que a emoção muito me
atrapalhou e a pontaria falhou na hora que precisei “conectar”.
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Era um quarto de madeira com telhado de zinco, uma cama de palha cober-
ta por um lençol roto, com cheiro de suores de fregueses; fios elétricos aparentes
alimentavam o ponto de luz tênue a matizar o ambiente soturno; o vaso sanitário
não tinha tampa; um camburão cortado ao meio com uma cuia a boiar, com-
pletava o que seria o banheiro. Pendurada sobre um prego fincado na madeira
do quarto, uma toalha desgastada pela fuga das felpas; escorado na ripa que
rodeava o meio das paredes do quarto, um pedaço de sabão grosso com indis-
farçável sinal de corte de faca. Encostada na parede direita do minúsculo quarto,
uma penteadeira com uma tesourinha, talco, pluma, uma escova carregada de
cabelos multicores, um pente flamengo com escassos dentes e uma quantidade
imprecisa de colônias diversas e perfumes com odores pra se esquecer. Por últi-
mo um banco, também de madeira, posicionado em frente à cama no lado des-
tinado aos pés, apoiava um surrado ventilador. O quarto ficava a mais ou menos
vinte metros do salão onde homens e mulheres bebiam, fumavam, conversavam,
dançavam e se acertavam ao som de músicas, a maioria boleros, com letras que
falavam de amor, saudade, traição, abandono, desilusão, paixão, volta…
Ela era morena, prováveis trinta anos; acumulava sobrepeso, estatura me-
diana, cabelos negros e compridos, usava vestido decotado, se equilibrava sobre
um salto plataforma a lhe emprestar imponência, exibia um sorriso simpático,
dentes quase perfeitos, exalava cheiro de perfume barato que se confundia com
a exagerada quantidade de talco espalhado por todo o corpo.
Minha primeira vez foi rápida, não houve preludio, nem sublimação, só êx-
tase e clímax. Saí aliviado, mas um tanto frustrado e a duvidar se aqueles ais
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carregavam alguma dosagem de prazer. Não demorou pra saber que tudo não
passava de encenação. Foi minha primeira aula de administração do tempo e da
produção – quero crer que o episódio não tenha influenciado na minha formação
acadêmica.
Mal terminou ela se levantou, e ao tempo em que caminhava em direção ao
banheiro, me cobrava e me apressava. Disse ela sem qualquer cerimônia: “garoto
você é muito legal, mas eu preciso faturar”. Saí daquele quarto cheio de questio-
namentos, todos a convergir para um só: sexo era só aquilo?
Juntei-me aos amigos, agora sem as minhas economias, e voltamos pra
casa. Eles nunca souberam que aquela havia sido minha primeira vez, muito me-
nos lhes contei a verdade que sentia. Naquela noite a estatística dos contadores
de estórias ganhou mais um e a dos insones também.
Voltei outras vezes ao Lá Hoje, também conheci seus concorrentes, espe-
cialmente o Piscina Clube, sempre acompanhado de amigos, mas nunca mais
para fazer sexo. Sentávamos, ouvíamos músicas, conversávamos, observávamos,
bebíamos e saíamos. Lá encontrávamos todos os espécimes da fauna Baré, das
mais esdruxulas até as mais impolutas. Parafraseando o Rossi: no puteiro todo
mundo é igual.
Já na Universidade, provavelmente no ano de 1977, fiz uma incursão, na ver-
dade um tour, ao Saramandaia com o amigo Jerry Fonseca. Matamos a curiosi-
dade das meninas da nossa turma. Todas ficaram dentro do carro de vidro fumê,
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quietinhas, abaixadas a esconder os rostos e a espiar só com o rabo do olho, que-
riam ver como era. Mulher é um bicho muito curioso.
Ah! Uma das meninas curiosas é a mãe dos meus filhos.
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OS BARES DA CIDADE
Publicado em 09 de setembro de 2016.
“…A minha vida boêmia de bar em bar…”, “ ...e eu vou levando minha alma
aflita, à noite a cidade é tão bonita…”. A música Bares da Cidade do saudoso João
Nogueira menciona os bares do Rio de Janeiro – Lamas, Capela, Luís e Amareli-
nho – os quais, imagino, faziam parte do seu circuito de birita. O meu era outro,
percorrido e bebido aqui, na terra dos igarapés.
Não há hipótese de citar todos, mas discorrerei sobre aqueles que – aprovei-
tando a sugestão do poeta e boêmio francês, Charles Baudelaire – escolhi para
me embriagar, sem descanso, com campari, cerveja, uísque, caipirinha, batidas,
rum, paqueras, amigos, encontros, estórias de bebedor, filosofia, poesia e virtude.
A melhor batida de frutas do mundo era a do Bar do Caxuxa, na Cachoeiri-
nha. O sujeito podia pedir a fruta regional mais exótica, de A a Z, que lá encontra-
ria. Tinha tamarindo, tucumã, pitomba, ingá, pupunha, mari-mari, murici, mara-
cujá do mato, sorva, sapota, uixi…
Certa vez encontrei um conhecido, que decidira beber “de um tudo”. Na-
quela tarde descobrira que sua cabeça, há tempo, vinha sendo impiedosamente
adornada por um par de “guampas”. À medida que bebia, mais falava dos atri-
butos da Belle de Jour. Quando saímos de lá fui deixa-lo em casa, ele bêbado a
chorar e a vomitar; eu a imaginar a pérfida tão bela e desejável quanto a perso-
nagem Séverine Serizy, que no cinema foi interpretada por Catherine Deneuve.
Pensamentos indignos também me ocorreram.
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O Bar do Armando frequentei com irregularidade, ia mais pra comer queijo
bola que sanduiche de leitão; ouvir as últimas da política local que confidenciar
nova paixão; beber cerveja gelada que qualquer bebida destilada. Mais recente-
mente, quando o carnaval ainda me arrebatava, brinquei no camarote animado
pela Banda da Bica.
Do Maca drinks era freguês de carteirinha, tanto na estrada do Aleixo, hoje
Avenida André Araújo, quanto na cobertura do Palácio do Comércio, no centro da
cidade. Ambiente, reportório e a voz do Maca eram os aperitivos; as frequentado-
ras, o prato cobiçado. E que cardápio perfumado era aquele! Calandre, Cacharel,
Paco Rabanne, Chanel nº 5, Bond Street, Contouré, Topaze… Além do pó Cashme-
re Bouquet, é claro.
Barrica – que depois virou Senzala – ficava na Rua Duque de Caxias, colado
ao posto de gasolina na esquina com a Rua Tarumã. O ambiente era acolhedor e
as batidas de frutas sua especialidade. Quem me carregava pra lá era uma acre-
ana pra mil talheres. Discreta, ela gostava da mesa que ficava na penumbra do
cantinho, eu, de suas prendas.
A Choperia Signo´s, da família Falcão, tinha ótimos tira-gostos, música de
extremado bom gosto e caipirinha no capricho. Eu listava as músicas que me in-
teressavam; o baixinho que cuidava do som da casa as gravava em fitas cassetes
e me vendia por um preço justo. Era a garantia de boa música a rolar no road star
do meu Dodge Coupe. Às vezes atravessava a Rua Dr. Machado pra beber Chopp
e comer bolinhos de bacalhau da Lobo´s.
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Koka 2 era o nome do bar que ficava no posto de gasolina na Av. General
Rodrigo Otávio, a mesma do sinistrado Shopping Cecomiz. Quando a noite já
parecia perdida, baixava lá. Guerreiro que é guerreiro jamais desiste, aposta no
encontro “por acaso” com alguma pequena “boiada”, dessas que vão à luta e,
quando nada conseguem, boiam na frente da gente feito deusas vencidas.
Capítulo especial merece o Castelinho, hoje Miako. Invariavelmente às sex-
tas-feiras, eu, Ariosto, Claudio Izel, Wilson, Manoel Ribeiro, Claudio Barros Gomes,
Hamilton e Norton, despedíamo-nos das namoradas mais cedo, juntávamos as
peças instrumentais e para lá íamos. Não creio que naquela primeira metade
dos anos setenta tenhamos sido os pioneiros a cantar e tocar sem cachê, mas
arrisco crer que no quesito bebida e tira gostos pagos pelos notívagos das mesas
vizinhas, nós o fomos. Quanto mais bebíamos, mais cantávamos. A harmonia e
repertório agradavam e nós nos permitíamos fazer alguns trocadilhos, mudar no-
mes ou palavras, alterar algumas letras. Foi assim que a Portela virou Raimunda:
“…ah minha Raimunda, quando eu vi você passar, senti meu coração apertado
todo meu corpo tomado, minha alegria voltar…”. Até Juca Chaves fazia parte: “…
só porque sou moço pobre, que vim vencer na capital, as moças pensam que já
podem me levar pra cama, pra me fazer mal…” “…eu sofro de um complexo social,
não sou mais virgem foi no carnaval…”. Íamos a outros mais, como o Telhadão, na
Rua Japurá com Apurinã e a um boteco lá dentro do CEASA.
O Quatro Graus foi uma experiência exitosa do amigo Edson Gil, seu irmão
Ernesto e o Fares Abnader. Funcionava de quinta a domingo onde hoje está ins-
talada a Oana Publicidades. Eles queriam e conseguiram provar à Cervejaria Mi-
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randa Corrêa que a rejeição a Brahma, cerveja por ela distribuída, não era por
conta do produto, mas em razão do serviço prestado nos bares. Era perfeito, tinha
excelência no público, nas músicas, nos músicos, tira gostos e cerveja Brahma a
quatro graus. Foram cem dias apoteóticos e, acredite, fechou por excesso de pú-
blico. Uma pena!
Na fase universitária ia ao Pequeno Príncipe, Daniel das Codornas e Xorimã,
nesses dois últimos eu e meu cunhado, Jeferson Garrafa, tivemos memoráveis
papos filosóficos, etílicos e sentimentais.
Dos Bares da minha Rua frequentei o Natália, lá duas coisas se destacavam,
o sanduiche de filé e o Ratinho, um garçom íntimo, figuraça. Por qualquer coisi-
nha ele mandava, sem titubear, a gente “se fudereter”.
Balalaika recebia aqueles que se julgavam os melhores jogadores de domi-
nó da terra.
Patrícia era o bar da comunidade gay, mas que todos, indistintamente, fre-
quentavam. Na maioria das vezes pra comer os acepipes do cardápio, noutras…
O Alex Bar, na Av. Getúlio Vargas com a Rua Saldanha Marinho, tinha fre-
quentadores fiéis, eu ia esporadicamente. Andando mais um pouco e do outro
lado da rua, ficava o Jaú, um boteco fuleiro, mas com público cativo, o carro chefe
ali era cachaça. Atravessando a Avenida Sete de setembro, já na Rua Floriano Pei-
xoto, canto com a Rua Quintino Bocaiúva, ficava o São Marcos, o famoso bar dos
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cornos. Foi o primeiro bar em Manaus a vender Chopp tirado do barril e servido
em tulipas e canecas. Numa ocasião presenciei uma interminável discussão en-
tre o Tonico e seu pai, o saudoso José Luiz, também conhecido como Cavalo de
Aço por sua peculiar “delicadeza”. Em alto e bom tom eles usaram e abusaram de
vocábulos impublicáveis. Hilariante! O local que tinha a cara dos bares boêmios
do Rio de Janeiro, infelizmente fechou.
Algumas vezes bati ponto no Castelo de Ouro, A Camponesa e Pérola da
Visconde. Inúmeras vezes eu fui aos especialíssimos Ury´s; ao Noturno, do amigo
Totonho Ausier; ao convidativo Calabar, na Rua Japurá; Beb´s, na Rua Leonardo
Malcher; o saudosíssimo Mineirão, e mais Messejana, Consciente, Paulo´s Bar,
Marreiro, Amarelinho Bar, Katekero… E o que dizer do único bar da Ponta Negra?
Um chapéu de palha no ponto final da praia, isso antes da duplicação da pista,
da construção do Hotel Tropical e da transformação daquele sítio em Complexo
Turístico.
Égua! Melhor parar que eu tô ficando é “bebo”.
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ARIOSTO, O CINEASTA DO CINE PORÃO
Publicado em 23 de setembro de 2016.
Já gostei mais da sétima arte. É que as superproduções, os efeitos especiais
e a computação gráfica não me seduziram, eu gostava mesmo era dos seriados,
dos filmes que as telas dos cines Odeon, Éden, Popular, Ipiranga e Avenida roda-
vam; as velhas produções americanas da Universal, Metro Goldwyn Mayer, 20th
Century Fox, Columbia e Paramount; da francesa Gaumont; da italiana Cinecittà
e da brasileiríssima Atlântida Cinematográfica. Os filmes “cabeça” vieram bem
depois. Gostava do rugido do leão da Metro e daquela águia que eu e os meninos
da minha geração afugentávamos com um sonoro xô, xô, xô… Ela saia do alto de
uma colina, cruzava a tela do cinema e na volta se transformava em letras escre-
vendo a palavra present (apresenta), para anunciar o título do filme que iniciaria.
As películas épicas me encantavam, sacavam-me lágrimas, alegria e indignação
com a espécie humana.
Em 1970 eu e meu primo Armando assistimos “Barbarella”, um filme de 1968
impróprio para menores de dezoito anos; tínhamos então quatorze de idade, não
sei por ele, mas eu me achei o Cara do Roberto Carlos só porque o porteiro do
Cine Saul, lá em Parintins, fez vista grossa e nos deixou entrar. Barbarella é uma
produção franco-italiana que tem Jane Fonda no papel principal, naquele tempo
ela vivia o esplendor das suas beleza e juventude, para a época um filme prá lá
de excitante, desses que convida o adolescente a se trancar no banheiro de casa
e “viajar” no improvável.
Série
Lúcio Menezes
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Filmes como “A primeira noite de um homem”, “Midnight Cowboy”, do
Agente Secreto 007, os Spaghetti Westens “Ringo”, “Django”, “Pecos”; também
Hercules, Maciste, Tarzan…
Giuliano Gemma, Marcelo Mastroianni, Gina Lolobrigida eram meus artistas
italianos favoritos; Alain Delon, Brigite Bardot e Jean Paul Belmondo, os france-
ses; adorava o mexicano Mario Moreno, o Cantinflas, e os brasileiros Grande Otelo,
Oscarito, Ankito, Ronald Golias, Mazzaropi e Zé Trindade, esses, impagáveis. Mas
nada disso era comparável ao prazer de assistir as produções cinematográficas
que passavam no porão da casa de nº 290 da Rua José Clemente.
Ora, se a indústria cinematográfica tinha como ícones John Ford, Orson Wel-
les, Federico Fellini, Alfred Hitchcock, Ingmar Bergman, François Truffaut, Char-
les Chaplin e Francis Ford Coppola, apenas para citar alguns, o cinema no porão
tinha o genial dois em um Ariosto Lopes Braga Neto. Ariosto era ao mesmo tem-
po proprietário do cinema e criador dos filmes animados que tanto animaram a
minha infância.
A coisa funcionava assim: ele e a ajudante, sua irmã Socorro Braga, recor-
tavam figuras das revistas O Cruzeiro, Fatos & Fotos, Manchete e Realidade e as
colavam em um lençol branco. As figuras eram variadas, podiam ser pessoas,
carros, prédios, móveis, animais, objetos… tudo que fosse interessante e que cau-
sasse um efeito visual impactante na hora da sessão. Havia critério, a sessão só
começava quando a lotação estivesse completa, os assentos todos ocupados – o
que não era tarefa difícil -, aí as janelas eram vedadas pra ficar escuro e o silencio
devia ser respeitado.
Série
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A animação era feita com uma vela – a inocência do público não alcançava
o risco de um iminente sinistro. Ariosto ou Socorro, às vezes os dois, munidos
de velas nas mãos iam para trás do lençol branco, pendurado e bem esticado,
aproximavam as velas das figuras coladas e começavam a mexer as mãos que
seguravam as velas; as figuras ganhavam vida, mexiam-se para frente e para trás,
para cima e para baixo levando-nos ao delírio. Como eram muitas figuras a coisa
passava um surrealismo indescritível.
Quando nos excitávamos em demasia o cineasta e dono do cinema nos re-
preendia e, se necessário fosse, abria a porta do cine-porão e colocava pra fora
o(s) mais empolgado(s). Registre-se que antes das sessões gibis eram distribuí-
dos para leitura enquanto se aguardava o início, tal qual se fazia nos cinemas tra-
dicionais de então. Ao término de uma sessão eu e muitos outros expectadores
saímos do cine-porão e esperávamos o início da próxima e da próxima sessão
que exibiria o mesmo” filme”, e daí? Era emocionante assim mesmo. Quando o
“filme” começava a ficar manjado o cineasta mudava as figuras, dava nova dinâ-
mica e conseguia motivar e atrair novamente a plateia embevecida.
Ariosto, com o seu dom criativo, conseguia entreter gratuitamente uma ge-
ração inteira de meninos e meninas da minha “Rua”. O cinema no porão não ti-
nha bilheteria nem sonoplastia, mas tinha tudo o mais que os grandes cinemas
tinham: tela, lugar pra sentar, plateia, expectativa, escuro e emoção; a outra dife-
rença é que nas salas de cinema tinha um cara que trocava os rolos de fita, já no
cine-porão tinha “o cara” que manipulava velas e dava vida aos filmes que criava.
Foram momentos inolvidáveis.
Série
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Fico eu a meditar: muitas vezes deixamos – por ignorância ou estupidez – de
admirar o singelo, mesmo sabendo que este pode ser tão ou mais grandioso e
surpreendente que o sofisticado. Chego a óbvia conclusão que as crianças são
sábias, tolos são os adultos.
Ariosto fez sua escolha, trocou de arte, bacharelou-se em Direito, saiu-se vi-
torioso no concurso prestado e segue a sua missão de trabalhar e atuar para e
pelo público. É um brilhante e respeitabilíssimo Defensor Público do Amazonas.
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CACILDA É MELHOR QUE MONDRONGO
Publicado em 14 de outubro de 2016.
Em outubro de 1968, por ocasião do III Festival da Canção Internacional da
Rede Globo, o paraibano Geraldo Vandré concorreu com a música “Pra não dizer
que não falei de flores”, música que virou hino da resistência civil naquele período
militar.
Em 13 de dezembro foi editado o AI 5, Ato Institucional que suspendia várias
garantias constitucionais. Em fevereiro do ano seguinte Vandré auto exilou-se no
Chile – antes de ir pra França – e lá gravou um compacto simples. O lado A conti-
nha a música Caminando, uma tradução não literal para a mencionada música.
Não tive o privilégio de tê-lo no acervo musical de casa, uma pena, mas o meu pai
comprou o compacto simples gravado no Brasil. O lado A continha a gravação ao
vivo e o lado B a gravação em estúdio. A proibição pelo AI 5 da sua radiodifusão
e venda nas lojas especializadas tornou aquele disco objeto de desejo da maioria
esmagadora dos brasileiros, uma relíquia para quem o tinha. Tê-lo em casa es-
condido me causava uma emoção indescritível, provocava arrepios e batimentos
cardíacos acelerados; contar baixinho pros amigos então, dava um orgulho da-
nado – não experimentei a sensação deles, mas suponho que ficavam a lamber
os beiços. Embalado por essa e por outras tantas músicas de protesto – especial-
mente as de Chico Buarque – e pela literatura, fui forjando o que hoje sou.
Entre os anos de 1973 e 1975 vivi um período de efervescência cultural, o
grupo de amigos da Juventude Franciscana – JUFRA foi um marco importan-
Série
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tíssimo na minha vida. Discutíamos política, cantávamos as músicas proibidas
e permitidas; frequentávamos, tocávamos e cantávamos as músicas das missas
de sábado à tarde na Igreja de São Sebastião; promovíamos encontros e retiros;
frequentávamos o banho dos padres na antiga estrada da Paraíba V8; tínhamos
reuniões noturnas na antiga sede da Divina Providencia, hoje Colégio Objetivo,
na esquina das Ruas Ramos Ferreira com Tapajós. O Grupo de jovens era misto,
o que era um estimulo a mais: Carlinhos, Guilherme e Cibele Johnson, Norton
Pinho, Ariosto Braga, Hamilton Henrique, Manoel Ribeiro, Bina, Demolidor, Jorge
Gaspar, Duda, Humberto Breval, Joana D’Arc; Vania, Inês e Agnelo Surimã; José
Rocha (Rochinha), Eliseanne Pina (Lili), Maria José, Marly, Bia, Geraldo e outros aos
quais peço perdão pelo lapso de memória. Era uma delícia aquele exercício de
duas horas tendo como facilitador o Frei Fulgêncio. Guardo com carinho aquela
época preciosa da minha vida.
Foi numa dessas apresentações teatro/musicais na Divina Providencia – um
Teatro para mais ou menos 100 pessoas – que eu ganhei um apelido inesperado
e pelo qual, acredite, meu irmão me chama até hoje.
Estava eu no palco com alguns dos meus pares, provavelmente declaman-
do um resumo repassado pelo meu pai, do discurso de 1913 do grande pensador
uruguaio Enrique Rodó, que sonhava o que sonhavam San Martin e Simon Bo-
livar. O fragmento servia de introdução para que cantássemos a música Terral
do cearense Ednardo. Eis o pensamento na sua integra: “Yo creí siempre que en
la América nuestra no era posible hablar de muchas patrias, sino de una patria
grande y única; yo creí siempre que si es alta la idea de la patria, expresión de
Série
Lúcio Menezes
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todo lo que hay de más hondo en la sensibilidad del hombre: amor de la tierra,
poesía del recuerdo, arrobamiento de la gloria, esperanzas de inmortalidad, en
América, más que en ninguna parte, cabe, sin desnaturalizar esa idea, magni-
ficarla, dilatarla; depurarla de lo que tiene de estrecho y negativo, y sublimarla
por la propia virtud de lo que encierra de afirmación y de fecundo: cabe levantar,
sobre la patria nacional, la patria americana, y acelerar el día en que los niños
de hoy, los hombres del futuro, preguntados cuál es el nombre de su patria, no
contesten con el nombre de Brasil, ni con el nombre de Chile, ni con el nombre
de México, porque contesten con el nombre de AMÉRICA. Toda política interna-
cional americana que no se oriente en dirección a ese porvenir y no se ajuste a la
preparación de esa armonía, será una política vana o descarriada.”
Pois bem, nesse exato momento dois dos mais espirituosos e gozadores ra-
pazes da rua em que eu morava, Bosco Spener e Robertinho Caminha, passam
pela Rua Tapajós e, ao verem as portas do Teatro escancaradas resolvem bisbi-
lhotar – pra minha infelicidade naquela época o único teatro com o conforto do
ar refrigerado era o Teatro Amazonas.
Ao vê-los a cochichar fiquei a imaginar como seria a minha recepção quan-
do chegasse a minha rua, de que tamanho o texto de trinta segundos não estaria.
Fui recebido por um coro ensurdecedor a repetir: Cacilda Becker! Cacilda Becker!
Cacilda Becker! Sim, a atriz brasileira, o mito do teatro nacional agora tinha um
sósia masculino na capital da Amazônia Ocidental, que tal? Até parecia que eu
tinha encenado A Dama das Camélias e não declamado um resumo do discurso
de Rodó.
Série
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Esse apelido rende até hoje, o Robertinho Caminha (Barriga) e o meu irmão,
Cadinho, não abrem mão, só me chamam de Cacilda.
Cadinho, quem sabe supondo que me agrade mais, às vezes me chama de
Becker. Mas o que ele gosta mesmo é de berrar quando me avista ao longe, sem
se importar com quem venha a testemunhar: CAACCIIIILLLLLDDAAA!!!
Eu atendo, Cacilda é melhor que Mondrongo.
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MANAUS DE UM A DEZ
Publicado em 24 de outubro de 2016.
Conviver com tantas mazelas
Virou lugar comum,
São tantas as querelas
Da minha número um.
Lugar da Barra, muito prazer!
Aqui querer é poder,
Agora ou além depois,
Sozinho ou a dois.
O sol da tarde ou da manhã,
Altera a cor da tez,
Beleza e sedução de cunhã
(Uma, vale por três).
Sem susto, sem vixe!
Precisas de urgente trato.
Em relação a Greenwich
O fuso são quatro.
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Lúcio Menezes
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Não troco essa terra,
Digo com afinco,
Magnífico o que encerra
O poente às cinco.
O trânsito? Que vexame!
É a mazela da vez,
Um metálico enxame
Antes e depois das seis.
Não tens preconceito,
Teu crescimento é quem mede;
Oportunistas mamam teu peito
E ainda picham o sete.
Expões tuas filhas
À noite, ao coito,
Nas esquinas, trilhas, quilhas…
Antes e depois das oito.
Após o calor escaldante
O ar, úmido, sobe e chove;
A condensação para o estudante
É a prova dos nove.
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Lúcio Menezes
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És absoluta, és “a Cidade”
Das belezas, feiuras…contrastes;
Da natureza agredida, ferida…caos.
Violentada de frente e de viés,
Resistes impávida, heroica Manaus,
Cúmplice resoluta, minha amante nota dez.
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Série Artigos: Lúcio Menezes

  • 2. Série Lúcio Menezes 2 Série APRESENTAÇÃO O site do Instituto Durango Duarte foi totalmente reformulado e, por isso, to- dos os textos já publicados por Lúcio Menezes em nossa plataforma foram reuni- dos numa coletânea, em formato de e-book, para que você possa acessar e ler os artigos em um único lugar, além de poder fazer o download gratuito do material. Na “Série Artigos”, você também poderá encontrar as compilações de outros articulistas, tais como Lúcio Menezes, José Carlos Sardinha, Cláudio Barboza, Oto- ni Mesquita, Hélio Dantas, Jeferson Garrafa Brasil, Amaury Veiga, Roberto Cami- nha Filho, Henrique Pecinatto, Jorge Alvaro, Júlio Silva e Kátia Couto. Essas coletâneas serão atualizadas semestralmente com os novos artigos que forem produzidos. Lúcio Menezes
  • 3. Série Lúcio Menezes 3 Série Lúcio Menezes Manauara, criado na José Clemente, Rua integrante do mais famoso quadrilátero do planeta terra. Torcedor do Fluminense, filho de Luiz e Joanna, canhoto, apreciador de vinho, cantor de banheiro, ex-atleta, ex-cabeludo, arremedo de poeta e escritor, heterossexual, sonhador e eterno aprendiz.
  • 4. Série Lúcio Menezes 4 OS CAMPOS DE PELADA E ALGUNS PELADEIROS DA MINHA RUA Publicado em 06 de abril de 2016. Em 1879, a Praça Uruguaiana foi dividida em dois lotes. O lote que conser- vou o mesmo nome é onde hoje se encontra a Praça Dom Bosco, o outro, que compreende a área que abrange o Colégio Dom Bosco e o Colégio Militar, passou a denominar-se Praça General Osório. Em 1937, o município concedeu a Praça General Osório ao comando da Guarnição Federal e ao 27º BC (Batalhão de Caça- dores), para que ali fosse construído um estádio de futebol destinado à prática de educação física, tanto por militares quanto para civis. A inauguração do estádio deu-se em outubro do ano seguinte. Obvio que não havia nascido quando ainda era praça, mas como Estádio General Osório eu felizmente brinquei tal qual esse fosse “… do povo! Como o céu é do condor!”. E por falar em céu e condor, além do futebol, das competições de atletismo e do Festival Folclórico, como eu gostava de apreciar o tal do Evaldo e seus ae- romodelos movidos a gasolina! Os aviõezinhos ficavam presos a um cabo com vinte ou mais metros de cumprimento e por ele eram competentemente mane- jados. As embiocadas daqueles pequeninos eram mais ousadas que as feitas por papagaio de famão. Lá joguei e vi jogar futebol gerações de meninos da minha Rua¹, das proxi- midades do quadrilátero em que me criei ou de longínquos bairros. Pelejas reali- zadas no campo em sua dimensão oficial, nas suas metades ou na pista de atle-
  • 5. Série Lúcio Menezes 5 tismo pelo lado da Av. Epaminondas; “boleiros” calçados ou descalços camisados ou descamisados. E como havia moleques bons de bola! Em 1972, com a chegada do Colégio Militar, muros foram erguidos e tchau babau, quem brincou, brincou quem não brincou não brinca mais. Mas as “peladas” não se restringiam tão somente ao General Osório, havia a calçada da Rua José Clemente, as quadras do Nacional Futebol Clube, Atlético Rio Negro Clube, SESC e Divina Providência; os campos dos Colégios Dom Bosco, Brasileiro e Estadual; do Bossa Nova ou Bosta Nova como costumávamos chamar o campinho onde hoje funciona um posto de atendimento da Manaus Energia, na Rua Dez de Julho, em frente a Santa Casa; o Mariuá, “Banho” do Seo² Edílío, pai do Evandro Farias; o “Banho” vizinho, do seu vizinho Seo Cordeiro; o Meu Canti- nho, Muruama, Guanabara e Agrepo; o Formigão, campo da Rodoviária, local que hoje acolhe uma unidade do Corpo de Bombeiros; o Fale Baixo; o campo do Ora- tório Domingos Sávio na Rua Duque de Caxias; o Piquete, onde hoje está instala- do uma unidade da PM na Rua Dr. Machado, Praça 14; o Aderoba na Rua Barroso, em frente a antiga Casa do Estudante, hoje um estacionamento da Lojas Bemol e, finalmente, o melhor de todos, o incomparável, o fascinante, mágico, encanta- dor, o lendário Ezagüi. Lá deveríamos erguer a Lupa Anguli (Loba da Esquina). Sim porque o Ezagüi da Lobo era a Loba que cedia suas tetas aos filhos adotivos, insaciáveis Rômulos de pés descalços e sujos de terra. Cada um a seu tempo a deixou e saiu a fundar sua Roma particular. Ficou o gêmeo e devasso Rêmulo´s – prostíbulo lá instalado – que permanece a suga-la em tresloucada devassidão.
  • 6. Série Lúcio Menezes 6 Dos muitos que vi jogar, no “lendário” ou fora dele, não esqueço da irreve- rência e criatividade do craque Octávio Rocha, o Baiano; o preciso passe e chute certeiro do seu irmão Flávio Augusto, o Papinha; a velocidade do outro irmão, o Geraldo Chapeleta e a inteligência do caçula Lauro César, o Botelho. Sobrepeso nunca foi impeditivo para o talento do Robertinho Caminha, o Barriga, um pivô e tanto; temperamento explosivo, condicionamento físico tinindo e gana por vitó- rias tinha o Bosco Spener, o Charuto, predicados que o levaram a vestir a camisa do Nacional Futebol Clube, o Naça. Demóstenes, Dedé, era rápido e perigoso; Pedro Russo era um “brincante”, mais lhe apetecia tripudiar sobre os adversários que objetivar a jogada, o João Galinha Preta padecia em suas mãos; o irmão Ar- naldo, o Pepino di Capri, um goleiro arrojado. Aliás, lá na Rua, grandes goleiros não faltavam, difícil eleger o melhor, relaciono com distinção de safras: Douglas Lima, o Surubim, e Geraldo Lemos fizeram história nos campos e quadras; Zezi- nho (Vulto), seu irmão Franz; Carlinhos Baterista; Belmiro Vianez Filho, o Portu- guês – que às vezes se aventurava jogar na linha – e Chico Cordeiro, também dei- xaram um belo legado. O Fluminense da Rua teve: Humberto Breval, o Bebeto; Arkbal Sá Peixoto, o Bala; Luis Ângelo, o Dandinho; Paulinho Fiúza, o Cascata e Luiz Afonso Leite de Moraes, o Lulinha; Marco Aurélio, o Barrão, não jogou no Flu, mas tem boa fama também, todos moradores da Rua. Na zaga o Evandro Farias (Bambu), tinha estatura e boa vontade; Luiz Pé de Raquete, voluntarioso; Osval- do Frota, clássico; os Cordeiro Evanilson (Nito) e Bosco (Boquito) jogavam bem, Zeca foi um zagueiro “raçudo”, mas o melhor mesmo era o Carlinho, o puto velho. Ariosto Braga era arisco e rápido; com o Renato Fradera, o Pato, joguei no campo do José Nasser até o começo de 1992, quando decidi pendurar o tênis, um ótimo armador; Camilo Gil, o Camel, tirava todas pelo alto; Kleber “Viking”, um lateral
  • 7. Série Lúcio Menezes 7 direito de excelência; dos Corado, Dionizio deixou seu pé marcado na calçada da fama; Hugo, o Bodega, tinha uma patada de caprino; dos Lourenço, o Maurí- cio e o Muni muito bem representaram a família no esporte bretão; dos Biváqua de Araújo, Frederico, o Borracho, deixava a pelota passar, mas o adversário não; Flaviano tinha categoria; Fábio levava jeito e Fernando o melhor, foi aprovado no teste realizado no Fluminense do Rio, jogou com o Toninho Baiano, o mesmo que fez história no Flamengo, mas seu pai, Olsen Alberto de Araújo, com receio que o filho cedesse ao feitiço carioca, mandou busca-lo. Perdeu o futebol carioca quiçá o brasileiro. Duas gerações mais tarde o Gilmar Popoca, que jamais pisou no solo sagrado do Ezagüi, fez isso pela Rua e brilhou no gramado do Maracanã a defen- der as cores do seu amado Flamengo. Égua da Rua! Era um tempo de futebol clássico, romântico, gostoso, bonito, competitivo, muito melhor que essa coisa sem graça restrita a quadras e campos de grama sintética. Quer saber? Enquanto esses oásis de lembranças dos meus olhos emoções pulsarem e da minha saudade lágrimas sorrirem, continuarei a exercer a liberda- de de “viajar”. ___ ¹Com o R maiúsculo porquê representa o quadrilátero no qual fui criado. ²Prefiro a corruptela ao pronome possessivo.
  • 8. Série Lúcio Menezes 8 O ENSINO DE QUALIDADE DOS ANOS 1970 E A PÁTRIA DESEDUCADORA Publicado em 09 de abril de 2016. O ensino de qualidade dos anos 1970 e a pátria deseducadora – Na saída dos colégios, quando as estudantes de Manaus nem sonhavam que a calça desban- caria a saia, elas enrolavam o cós da cintura para expor ainda mais suas pernas (ah, as rótulas da Kariné!¹). Nessa fase de pernas e rótulas à mostra, eu fiz o Exame de Admissão para o Colégio Brasileiro e Instituto de Educação do Amazonas – IEA. Passei nos dois, escolhi o que primeiro divulgou o resultado. O clima da nossa cidade sempre foi quente, mas dava para ir à escola a pé sem transpirar tanto e assistir, sem desconforto, aulas em salas com ventiladores de teto. Preocupado com o flerte do Brasil com o Irã e a hipótese de importarem a Sharia – lei islâmica que ampara o apedrejamento – para cá, peço clemência aos ginasianos que se sentirem preteridos, mas não há como citar todos os colégios de Manaus dos anos mil novecentos e sessenta e setenta. Vamos lá. Estudar e formar no Instituto de Educação do Amazonas – IEA, era ter a cer- teza de estar preparado para enfrentar a concorrência sem medo, tanto que em 1970 o IEA foi reconhecido como instituto de excelência, especialmente na for- mação do magistério (Escola Normalista). Essa excelência era responsável pela aprovação em massa nos exames vestibulares. Em novembro do ano passado o IEA completou 135 anos.
  • 9. Série Lúcio Menezes 9 Outro colégio público de elevado conceito era o Colégio D. Pedro II, o popular Colégio Estadual. Seu quadro docente era dos melhores e os “rachas” futebolísti- cos muito concorridos. A maior tentação para os discentes era resistir a travessia da Av. Getúlio Vargas e “gazetar” aulas para assistir as sessões cinematográficas nos Cines Polytheama ou Guarany. Quando o escurinho era rompido pelas luzes acesas, revelava a imensa caravana e a diversidade de fardas. A minha era calça caqui com uma lista lateral branca, sapatos pretos e, nos primeiros anos, camisa de pano com botões e o emblema do colégio impresso no bolso lateral esquerdo, depois foi substituída por camisa de meia branca com o emblema no centro do peito. O Colégio Sólon de Lucena tinha a fama de preparar para o curso de conta- bilidade e o Colégio Agrícola formava técnicos para o setor primário. Quem alme- jasse os cursos superiores em agronomia ou zootecnia, teria que prestar vestibu- lar fora de Manaus, especialmente na Rural (UFRJ), no Rio de Janeiro. A especialidade da Escola Técnica Federal do Amazonas era preparar os fu- turos engenheiros. E como preparava, uma referência! Lá, ou estudava ou estu- dava. O Colégio Militar foi um marco, o padrão de ensino superava qualquer grade curricular dos colégios de Manaus, enquanto estudávamos regra de três simples, os caras da mesma série já haviam estudado álgebra. Os que não seguiram a car- reira militar não tiveram a menor dificuldade em passar no vestibular.
  • 10. Série Lúcio Menezes 10 Sim, havia exigência nos colégios particulares, a média mensal para passar sem fazer a prova final, por exemplo, era 7,5. Se ao final do ano não a alcançásse- mos, éramos obrigados a faze-la. Uma temeridade, já que englobava a matéria da disciplina dada durante o ano inteiro. Ainda assim, eram rotulados por alunos dos colégios públicos como colégios PPP (Papai Pagou Passou). Ouso dizer que o Colégio Dom Bosco, colégio salesiano e na época uma ins- tituição de ensino exclusiva para homens, era elitizado. Além da formação reli- giosa, o Dom Bosco tinha um ótimo ensino e mantinha um coral denominado “Canarinhos do Dom Bosco”. Em dias de aparição eles trajavam calças brancas e blusas amarelas com mangas compridas. O Brasileiro era misto (masculino e feminino) e tinha, no antigo 2º grau, os cursos Pedagógico e Científico. A caderneta de estudante do ginásio era verme- lha, do científico verde e do pedagógico azul. Antes da predominância das mo- chilas havia o “colecionador”, uma pasta de material plástico com o emblema do colégio impresso e um elástico para prender suas abas. Era o sonho de consumo do meu irmão. Não sei o que se passava por trás dos muros dos colégios N. S. Auxiliadora e Santa Dorotéia, sei que quando as alunas saiam era um “ai Jesus!”. Elas não eram só as mais bonitas e cobiçadas, eram, supostamente, as filhinhas de papai. As alunas do Colégio Preciosíssimo Sangue e do Patronato Santa Terezinha guardavam mistérios que até hoje não sei.
  • 11. Série Lúcio Menezes 11 Sete anos passaram rápido, chegara a minha hora de prestar o vestibular. Todo cuidado era pouco, três respostas erradas anulava uma certa, “chutar” era burrice. O cartão para gabaritar era de papelão e continha posições que deveriam ser perfuradas. Fazia-se pressão sobre a letra (opção) escolhida como resposta e o quadradinho dava lugar a um vazado. Se na conferência o vestibulando perce- besse que havia perfurado a opção errada, a Inês estava morta, não havia como substitui-lo ou recolocar o quadradinho no lugar. Em 1970, a então Universidade do Amazonas – UA, oferecia 1.300 vagas para todos os cursos que dispunha. Em 1980, saltou para 1.800 vagas. Os cursos mais disputados eram Medicina, Engenharia e Direito, mas Administração estava na moda e, em 1976, enfrentei dez concorrentes para uma vaga. Quando o resultado saiu, a minha vizinha, filha do Dr. Aderson Dutra, então Magnífico Reitor, correu para dizer que o meu nome constava na lista dos aprovados. A considerar minha má reputação estudantil, mamãe não levou fé, achava que a lista era dos não aprovados, que tal? Equívoco desfeito, sua felicidade foi tamanha que parecia que era ela quem havia sido aprovada. Se não havia disparidade entre o ensino público e privado, a disputa por uma vaga na Universidade era acirradíssima e muitos bons não obtinham sucesso. Se os desafortunados fossem de famílias humildes, esperariam um ano inteiro para tentar outra vez e assim seria até passar ou desistir. Se filhos de pais ricos, imediatamente embarcariam num avião da Varig, direto para o Rio de Janeiro. As faculdades cariocas particulares preferidas dos amazonenses eram Celso Lisboa, Nuno Lisboa, Santa Úrsula, Estácio de Sá e Bennett. Não era comum, mas alguns
  • 12. Série Lúcio Menezes 12 até passavam na Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ e lá concluíam o curso, os demais cursavam um ou dois semestres e pediam transferência para cá. O requerimento de transferência era submetido a um Conselho da UA que o de- liberava positivamente ou não. Dizia-se que a descendência (filial) do postulante tinha um peso considerável na decisão. Por estarmos a viver sob o Regime Militar, os filhos de milicos que aqui che- gavam tinham vagas asseguradas. O policial federal, salvo melhor juízo, não pres- tava vestibular e esses, em sua maioria, optavam por fazer o curso de Direito. No meio universitário esses caras eram vistos com desconfiança. A qualidade do ensino de ontem é infinitamente superior à de hoje; a es- colha por escola pública ou privada era uma questão pessoal, a qualidade era a mesma; antes da proliferação das Faculdades, Centros e Universidades, ter o cur- so superior era privilégio de poucos; há um enorme contingente de conterrâneos, hoje doutores, endividados de gratidão eterna para com os conselheiros da UA; o lema do governo atual deveria ser alterado para “Brasil, pátria deseducadora”. Kariné¹ Minha vizinha, dona das rótulas mais belas e cobiçadas que conheci.
  • 13. Série Lúcio Menezes 13 OS COLUNISTAS SOCIAIS DA MANÔ DE MIL CONTRASTES Publicado em 15 de abril de 2016. Os colunistas sociais da manô de mil contrastes – Em 1967, quando a san- dália havaiana ainda era japonesa, deu-se a chegada da televisão em Manaus. Apesar da imagem em preto e branco e dos filmes repetidos, era uma novidade sem precedente. Havia três modelos de TV (sem controle remoto) a disputar a preferência do consumidor: a comum – da minha casa era uma Hitachi 14” -, a máscara negra – com uma ante tela fumê, que nem a da minha tia Maria José Mesquita – e a “ colorida” – ante tela degradê, predominantemente azul, verde e vermelha – a mais cara. A primeira estação repetidora – canal aberto – a chegar por estas terras de Arnaldo Santos, foi a TV Ajuricaba. Era afiliada da Rede de Emissoras Indepen- dentes (REI), sob a liderança da Record. A programação era tão escassa que um dos filmes da série Jim das Selvas, estrelado por Johnny Weissmuller – que tam- bém foi Tarzan – passou umas mil vezes. Dessas reprises eu devo ter assistido pelo menos cem, tanto assisti que já sabia de cor todas as falas do Jim, do filho Skeeper, do seu fiel amigo Kassim e até os guinchos da macaca Tamba. O que me fazia aguardar sentado na poltrona era o Peneira Ajuricaba, um programa de calouros que ocorria nas tardes de domingo. Três apresentações inesquecíveis: Cleomar, vizinho da minha Rua, irmão do Gualter, do saudoso Do- minguinhos e do Kleber Santana, o Viking, resolveu arriscar o prêmio em dupla
  • 14. Série Lúcio Menezes 14 com seu amigo Jander. Em menos de um minuto foram “buzinados”. Com medo das inevitáveis gozações ele tomou Doril e sumiu. Voltou depois de arrefecida a gana de nós todos. Outra foi um adolescente afro descendente – acho esse conceito idiota -, hoje um contumaz frequentador das missas de sétimo dia em todas as igrejas de Manaus. Era desafinado, mas sua figura no palco agradava. Parecia o Martinho da Vila aos treze anos de idade. Disso consciente, só escolhia as músicas do cantor e compositor da Vila. Cantava com o microfone preso ao pedestal a balançar seu tronco para a frente, dobrar os joelhos e jogar, no ritmo, os membros inferiores das pernas (canelas) para trás. Na semifinal cantou O Pe- queno Burguês, no entanto não teve a felicidade de “passar no vestibular”. A últi- ma também era uma dupla, composta pelos irmãos Franklin e Hamilton. Por seis meses os caras ensaiaram, exaustivamente, a música Coruja, da dupla da Jovem Guarda Deny e Dino. Era parte da estratégia de apresentação Hamilton aparecer sozinho no palco, o irmão apareceria depois. Ao primeiro acorde ele soltou a voz, “ Corujaaaaa”… A cortina dos fundos se entreabriu e a cabeça do Franklin surgiu a complementar o primeiro verso da música: “ha ha ha”. Não deu para iniciar o segundo: “…o nome que eu dei àquele alguém…”. Em apenas dez segundos os irmãos foram buzinados, um recorde. Até hoje eles negam, dizem que foi onze. Quando o quartel do Corpo de Bombeiros da cidade tinha seu endereço na Av. 7 de setembro, eu tentei escalar, através de um cabo de aço, a parede lateral do Teatro Amazonas. Estava completamente possuído pela ideia de assistir o es- trondoso sucesso do Teatro de Revista “É Xique-Xique no Pixoxó”, de Walter Pinto. O padrão era de excelência, tinha requinte, glamour e deusas estonteantes em trajes insinuantes. Sonhava dormindo e acordado, queria ver as pernas desnudas
  • 15. Série Lúcio Menezes 15 das mais famosas vedetes brasileiras, não deu. Não consegui escalar, cai duas vezes e desisti. Meu consolo era imaginar que a surra que levaria do papai por chegar tarde em casa não compensaria a estripulia, eufemismo puro. Quando as livrarias Escolar, Brito e Acadêmica disputavam a preferência do público manauara, os colunistas sociais de Manaus eram outros. Nonato Garcia era o nome do colunista Nogar, suas notas se trajavam de serenidade o que fazia da malícia um componente ausente. Despejava seus informes nas páginas do Jornal do Comércio, coluna intitulada “Convivência Social”. “Entre os dois o coração da menininha balança: Renato Simões e Celso Gra- ciano. Ela é a morenice bonita, Gracemar Abrahim. Ploft! ”. Sobre o ritmo para- ense Carimbó ele escreveu: “ …para não dizer jamais ter ouvido nessas paragens, uma noite Luiz de Miranda Correa, Renato Andrade, este repórter e o Duque Du- arte Pinto Coelho, fomos curtir as adjacências e nós entramos na Portland, um ambiente bandido situado na Avenida Rio Branco, a dois passos da Praça Mauá. O único lugar indecente que ouvimos Carimbó. E aqui pra variar. Cruzes…Sem essa Carneiro”. Esse era o estilo inconfundível do Gilberto Barbosa, o Gil. Gostava da ironia da sua pena, para mim o mais bem informado de todos, de tudo ele pos- tava um pouco. Com a mesma desenvoltura frequentava gabinetes palacianos e reuniões em petit comité do high society, noticiava sobre política e não se furtava a dar palpites sobre economia. Atribui-se a ele a frase que até hoje melhor resu- me nossa maltratada capital: “ Manô de mil contrastes!”.
  • 16. Série Lúcio Menezes 16 “…A gente não gosta de ver mulheres luminosas e de elegância tão cantada dançando animadamente com cigarro na boca. Embora usando piteira, o gesto é pouco delicado chegando até mesmo às raias da vulgaridade. No Ideal, sábado passado o fato aconteceu. Chato né? ”. Essa era – e ainda é – a maneira Baby Riz- zato de contar o que estava ou está em desacordo consigo ou com o que entenda por politicamente correto. Seu talento brotou na primeira metade dos anos 1970, penso ser ela a legitima – quiçá única – jornalista adepta do estilo consagrado por Gil. No jornal A Notícia havia a prestigiada coluna “Circuito Social”, me chamava atenção a qualidade do texto e forma de abordagem que seu responsável, o sem- pre educado Júlio César Seixas, o escrevia. Escrevia, mas não subscrevia. No dia 02 de abril último, César Seixas partiu para o infinito. Que Deus o guarde. Já “Stars Only Stars” quem respondia era o competente Fábio Marque. Tal qual o título da coluna sugere, stars only stars da geração dourada na coluna pontuavam. “Palmas, palmas, muitas palmas para conceituar o capacitado Dr. Hiram Caminha, que completou dez anos como Delegado do Tribunal de Contas da União”. “Será às 19 horas de hoje, com coquetel, a inauguração do luxuoso salão de beleza – Jonys Cabeleireiro, lá na Rua Barroso. ” Tinha leveza os textos do sau- doso Flaviano Limongi.
  • 17. Série Lúcio Menezes 17 Betina, Veruska e Epami poucas vezes eu li. Na coluna da Marina Nunes des- filavam Marias, Glorias, Demostenes e Antunes. Já a Ana Maria blá blá blá tinha um estilo particular, em suas linhas noticiava gastos políticos, divulgava pessoas simples, jovens, idosos e até marajás. Não dá para omitir o carisma do Carlos Aguiar e o público cativo que tinha a lhe prestigiar. Elaine Ramos era especial. O amigo Belmiro Vianez Filho, por um breve lapso de tempo, assinou a “Co- luna do Bel”. Ele, linguagem e público tinham a juventude em comum. Noticiava os borbulhantes eventos sociais da cidade. A experiência vivida foi competente e exitosa. Para cerrar essa caixa de reminiscências, o cronista e radialista social Luiz da Conceição Pinto, o Little Box. Foi colunista do jornal A Tarde, O Jornal, Diário da Tarde, A Gazeta e Estado do Amazonas, entretanto foi o programa radiofônico Night and Day que o notabilizou. Ia ao ar todos os domingos, às 19 horas, pelas ondas da Rádio Difusora. Admitia que devia seu êxito na carreira a Aristophano Antony, dono do jornal A Tarde; e que seu estilo era influenciado por Josué Clau- dio de Souza, jornalista e proprietário da Rádio Difusora. Em seu programa entre- vistou embaixatrizes, consulesas, diplomatas e até o Rei Roberto Carlos. Para ele todas as mulheres eram belas e a todos tecia elogios, desconheço se nesta vida teve intrigas ou desafetos. Dizia que seu pseudônimo dava status e que a frase
  • 18. Série Lúcio Menezes 18 que mais o emocionou foi proferida por D. João de Souza Lima, então Arcebispo: “Luiz, o amazonense tem três opções dia de domingo: ir à igreja, assistir ao fute- bol ou ouvir o seu programa”. Houve um domingo que eu fiz os três.
  • 19. Série Lúcio Menezes 19 A 1ª FEIRA DE INCENTIVO AO DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO DO ESTADO DO AMAZONAS – FIDEA Publicado em 13 de maio de 2016. Tudo acontecia no quadrilátero: deu duas misses Amazonas; promoveu o primeiro carnaval de rua de Manaus; chorou com a explosão da caldeira da Santa Casa; organizou corrida de rua entre vizinhos; deu shows de futebol na calçada; concentrou grupos folclóricos; foi rota de procissões e é dono da esquina que pariu histórias sem fim. Foi nesse ambiente que numa tarde de maio de 1967, eu corri pra abelhudar o que tantos operários, telhas de zinco, compensados de ma- deira e latas de tinta faziam amontoados na calçada da Rua José Clemente. Isso tudo distribuído no trecho compreendido entre a Av. Eduardo Ribeiro e a Praça São Sebastião, ao longo de toda a extensão lateral do Teatro Amazonas. Não tinha como conter minha curiosidade, na idade que eu tinha agitações assim só ocor- riam durante o Festival Folclórico. Fora isso alguns arraiais em bairros com direito a pescaria, bingo de galinha assada entregue ao vencedor em um prato de pa- pelão coberto por papel celofane de cor e, especialmente, os impagáveis anún- cios nos autofalantes: “alguém de camisa azul oferece para a moça de vestido rendado cor de rosa, a música Because I love; os desfiles escolar e militar de 7 de setembro; carnaval de rua na Av. Eduardo Ribeiro e a malhação de Judas durante a semana santa. Fora isso era um tanto fazer sem tecnologia alguma, que nossos filhos e os filhos dos nossos filhos – gerações de condomínios – não acreditariam. A agitação decorria dos preparativos para a 1ª Feira de Incentivo ao Desenvol- vimento Econômico do Estado do Amazonas – FIDEA, um evento promovido pela recém-criada Superintendência da Zona Franca de Manaus – SUFRAMA, aconte-
  • 20. Série Lúcio Menezes 20 cimento que contou com o apoio do Governo Estado, Prefeitura e Federação das Indústrias. Em uma área de 7.000m² foram montados 130 stands a expor todos os produtos saídos das fábricas instaladas em território amazonense. Durante um mês, do dia 21 de maio a 20 de junho, entre as 18 e 23 horas, foram mostrados ain- da, couros silvestres extraídos da imensa fauna amazonense e beneficiados em Manaus, e diversos outros produtos comercializados na praça local. A Feira trouxe atrações musicais especialíssimas: Agnaldo Timóteo, Zimbo Trio, Brazilian Beatles, Maritza Fabianni, Renato e seus Blue Caps e um Conjunto da Guiana Inglesa com nome que, se não era esse, se aproximava, Des Glasford`s and The Combo 7. Os caras arrasaram cantando Only You e See You in Septem- ber, e deixaram todos boquiabertos com os sons que extraiam de camburões de ferro. Um torneio internacional de luta livre trouxe os brasileiros Átila, o ” matador árabe”, Arnaldo, Braz “Cangaceiro”, Búfalo, Manhães e João Isaac, o talvez peru- ano Romero, o chileno Arturo e o portuga careca chamado Barrigana. As lutas eram diárias e as preliminares ficaram por conta dos lutadores locais: Lobo Selva- gem, Umbelino, Boy do Ringue, Alberto, a “Bomba”, Tigre da Amazônia, El Cholo, Argos, Demolidor, Mini Maciste, Tourinho… Aportado no Rodway estava o transatlântico Rosa da Fonseca. Lá foram montados stands para atender empresários paulistas, embaixadores dos Estados Unidos, Japão e representantes de alguns países europeus, que vieram prestigiar a Feira e, naturalmente, prospectar as vantagens que a ZFM prometia. Completa- vam o pacote para agradar aquele seleto público, belas mulheres, bebidas, músi- ca e acepipes. Membros do governo, obviamente, assinaram presença.
  • 21. Série Lúcio Menezes 21 Se os curumins e cunhatãs só tinham os eventos antes citados, os adultos não podiam reclamar, os acontecimentos sociais naqueles dois meses eferves- ceram a capital. Em nota pelo Ideal Clube o colunista Nogar informava ao Grand Monde manauara o Baile do Companheirismo em homenagem ao Lions clube Vitória Régia, Centro, Uirapuru e Rotary, que ele promoveria no dia 27 de maio para apresentar ao mundo social amazonense as treze Rosas de Maio. Os inte- ressados deveriam ir ao clube e lá contatar o Geraldo, claro. No dia 24 do mesmo mês, com cenário idealizado por Roberto Carreira, o RIAMA Club apresentou, no Atlético Clube Barés, a escolha da Rosa de Maio Riamista, festa animada por Do- mingos Lima e seu Conjunto; de 18 a 29, no campo do General Osório, o Festival Folclórico; de 19 a 22, sob os cuidados do Departamento de Promoção Social – DEPRO, tendo como titular o querido Joaquim Marinho, a II Festa da Juta; e, final- mente, em 09 de junho ocorreu a escolha da Miss Amazonas, com Nelma Batista desbancando seis beldades, dentre elas Irene Toscano e Zeina Chamma. Dois fatos sobressaíram: enquanto todos os olhos se voltavam para as can- didatas a Rainha da Juta que lá desfilavam em trajes feitos daquela fibra vegetal, eis que o colunista Nogar, provavelmente para agradar o honrado diretor presi- dente da Brasiljuta, Dr. Mário Guerreiro; talvez para provar que a juta servia, in- clusive, para vestuário, surgiu, todo prosa, dentro de um paletó de juta, que tal? Não sei o que mais chamava a atenção, se o pavoroso paletó ou o suor que en- charcava seu rosto. Exclamaria o saudoso colunista Gil: ploft! O outro foi durante a última luta livre, o portuga Barrigana tomou distância e correu para finalizar o Cangaceiro com uma cabeçada, sua especialidade. O que ele não contava era que o oponente não faria o previamente combinado. Cangaceiro, como autêntica
  • 22. Série Lúcio Menezes 22 cabra da peste, se esquivou e o Barrigana, coitado, arrebentou a cabeça no pos- te do ringue. Abriu uma brecha tão grande que dava pra ver o céu da sua boca. Esse episódio deu tanta popularidade ao lutador português, especialmente entre a meninada, que o amigo Arnaldo Russo, de vez em quando, ainda chama o Ro- bertinho Caminha de Barrigana. Convido quem teve saco de ler essa crônica até aqui a fechar os olhos e ima- ginar a Feira com seus 130 stands, mesas e cadeiras distribuídas ao ar livre, servi- ço de restaurante, desfile de candidatas a Rainha da Juta, cantores a interpretar seus sucessos, lutadores a se enfrentar, o Nogar, suadíssimo, a trajar um paletó de juta, um portuga com a moleira rachada, gente à beça e uma lua que só por aqui há. Isso tudo na Rua que igual não há. Égua, fala sério! Aquele quadrilátero não tem par!
  • 23. Série Lúcio Menezes 23 MANAUS É A VENEZA BRASILEIRA Publicado em 27 de maio de 2016. “Recife é a Veneza brasileira”. É não. Sabe quantas Pontes tem na capital de Pernambuco? Oito. Boa Vista, Mau- rício de Nassau, Buarque de Macedo, Duarte Coelho, 12 de Setembro, Princesa Isabel, Seis de Março e Limoeiro. E Manaus? Sabe não? Pois bem, pasme! Manaus tem mais que trezentas pontes. Até gostaria de discorrer sobre cada uma delas, mas não dá a maioria não possui nome oficial. Assim, me aterei às dezoito pontes mais conhecidas, aquelas que me ajudavam a chegar aos bares que eu desejava fossem o objeto desta crônica. Antes e apenas como aperitivo, citarei duas não menos importantes: a ponte Engenheiro Villar Câmara, aquela do Igarapé da Cachoeira Grande do Tarumã, lugar que me valia pra impressionar turistas, parentes e namoradas de cá e além- -fronteiras; e Isaac Sabbá, situada na Rua Leonardo Malcher, centro, entre a Rua Major Gabriel e a Avenida Joaquim Nabuco, perto da Lisbonense. Lembrou? Vamos às dezoito: a caçula das nossas pontes é a ponte Octávio Beleza da Câmara, localizada no condomínio Alphaville, Zona Oeste de Manaus, inaugura- da no dia 27 de dezembro de 2014. A ponte tem 55 metros de extensão e 15 de largura. A estrutura faz ligação entre as avenidas Coronel Teixeira, antiga estrada da Ponta Negra e do Turismo. Desta eu nada tenho pra contar, exceto da justa homenagem prestada ao saudoso Octávio, irmão do amigo Heraldo, da Eliane, Graça, Margot e Sérgio.
  • 24. Série Lúcio Menezes 24 A Ponte da Bolívia, eu já contei em crônica anterior, eu achava que ficava no país andino de mesmo nome. Tem vinte metros de comprimento e fica sobre o Igarapé do Quitó (ou Quixó). Sua construção começou em 1957, e sua inaugura- ção ocorreu no dia 21 de fevereiro de 1958. O nome oficial é ponte Antônio Vital de Mendonça, mas o povo a batizou Ponte da Bolívia e ponto final. Caramba, deu saudade do peixe, da água e dos beijos molhados com sabor de pecado! Sobre o Igarapé do Mindú há três pontes. A primeira fica na antiga Avenida Recife, hoje Mário Ypiranga Monteiro, próximo ao viaduto Miguel Arraes. A segun- da, construída para viabilizar o acesso de pedestres para o balneário Parque dez de novembro, fica na Avenida Darcy Vargas, também próxima ao mencionado viaduto. A terceira liga a Rua Paraíba, hoje Humberto Calderaro, com o Conjunto Castelo Branco, a Cohab-Am do Parque Dez. Sobre essa eu ando quando elejo o Passeio do Mindú como local de caminhada. A ponte Senador Fábio Lucena foi inaugurada no dia 16 de novembro de 1987. Tem 256 metros de extensão e liga os bairros de Aparecida, a partir da Rua Comendador Alexandre Amorim, e São Raimundo, via Rua Cinco de Setembro. Se tivesse sido inaugurada antes, eu não teria ido tantas vezes de ônibus e duas vezes de catraia – saindo da Pausada, na Rua Frei José dos Inocentes – paquerar as meninas nos arraiais do bairro da Glória ou as alunas da Escola Estadual Mar- ques de Santa Cruz, na praça em frente à igreja do santo que dá nome ao bairro. Em 1979, por iniciativa da vereadora Otalina Aleixo, a praça passou a homenagear o mais ilustre morador do bairro, o servidor público, político, presidente da Câ- mara Municipal de Manaus, presidente do São Raimundo Esporte Clube, diretor da Rádio Difusora do Amazonas e pai do querido amigo Francisco Roberto (Bob), Ismael Benigno.
  • 25. Série Lúcio Menezes 25 A Ponte da Conciliação fica sobre o Igarapé do São Raimundo, interliga os bairros da Compensa, São Jorge, Santo Antônio, Glória e São Raimundo com o antigo Boulevard Amazonas, hoje Boulevard Álvaro Maia. Sua inauguração data de 25 de outubro de 1979. Ao seu lado fica a Ponte Presidente Dutra, que conecta os bairros de São Raimundo, Santo Antônio e Glória ao mesmo Boulevard. Esta foi inaugurada em janeiro de 1951. Inicia na rua do mesmo nome e desemboca na Avenida Kako Caminha. Por esta Ponte cansei de ir e vir do Estádio da Colina, hoje Ismael Benigno e do Bar Ponta do Vento, onde ouvia Chorinhos de responsa. Sobre o Igarapé da Cachoeira Grande, a ligar a zona Oeste ao bairro de São Jorge, há duas pontes edificadas. A que permite o trânsito veicular no sentido centro/bairro chama-se Lopes Braga e foi inaugurada em 1952. Na direção bairro/ centro denomina-se Joana Galante e foi inaugurada em oito de agosto de 1978. A primeira homenageia um engenheiro manauara, a segunda a mãe de santo paraense mais famosa de Manaus. Mais de mil vezes atravessei essas pontes para ir e vir da Ponta Negra, Hotel Tropical, azarar as minas no Conjunto Residencial da Cophasa, passar o pano nos brotos da Vila Militar ou, dentro da mala do carro, entrar sem pagar nas memoráveis festas do Círculo Militar. Por cima do Igarapé do Mestre Chico se destaca a majestosa Ponte Benja- min Constant, a Ponte de ferro, a mais antiga e mais bonita da cidade. Sua inau- guração data de sete de setembro de 1895. Construídas por italianos e a guardar a arquitetura daquele País, as outras duas pontes são conhecidas como Pontes Romanas I (primeira ponte) e II (segunda ponte). A nomenclatura da Romana I é Floriano Peixoto, a Romana II se chama Deodoro da Fonseca, ambas inaugura-
  • 26. Série Lúcio Menezes 26 das em 1896. A Romana I fica sobre o igarapé de Manaus, a Romana II, depois do Palácio Rio Negro no sentido Cachoeirinha, sobre o Igarapé do Bittencourt. Cau- sava-me inveja a intrepidez contagiante dos curumins – verdadeiros áqualoucos – que, com os pés nos corrimãos das pontes, saltavam, nos períodos de cheia, em pé ou de cabeça, nas negras e ainda límpidas águas do delta formado pelos dois igarapés. As bolhas d’água que o impacto gerava, lembravam um copo cheio de Pepsi, Coca ou Baré Cola, a receber pedras de gelo. Prudente de Moraes é a Ponte dos Bilhares, que também já foi Ponte da Cachoeira Grande e ainda há quem a chame de Ponte do Bosque ou do Cidade Jardim. Construída sobre o Igarapé da Cachoeira Grande, hoje Igarapé do Mindú, também é de ferro e foi inaugurada em 1896. Dessa guardo triste lembrança, foi lá que o Carlinhos Cordeiro, meu vizinho de rua, em trágico acidente automobi- lístico feneceu. Ponte Ephigênio de Sales, no Igarapé do Quarenta, é a que liga o bairro Cachoeirinha ao bairro Educandos. Hoje não mais recebe o trafego de veículos, serve apenas para a travessia de pedestres. A Ponte Juscelino Kubitschek, pro- longamento da Avenida Castelo Branco, paralela à Avenida Ephigênio Sales, liga os mesmos bairros, essa sim é trefegada por veículos. Por estas ia ao Aeroporto Ponta Pelada comer as imbatíveis minis pizzas. Sobre o Igarapé do Educandos fica a ponte Padre Antônio Plácido de Souza a unir o bairro Educandos ao centro da cidade. Tem 340 metros e foi inaugurada em outubro de 1975. Convidado pelo Vavá das Candongas, por ela eu chegava
  • 27. Série Lúcio Menezes 27 para brincar o animado carnaval da Bhanda Bhaixa da Hégua. A concentração era num Bar acanhado de nome Casa Ideal, na famosa Baixa da Égua. Estimu- lado pela fome, antes e depois da construção da Ponte, eu me acabava na cal- deirada de tucunaré carregada de pirão e pimenta da Peixaria Panorama. Bom demais desfrutar da vista para o Rio Negro. Égua, como faz tempo! Por último ficou a Ponte Rio Negro sobre o rio do mesmo nome. É a maior ponte estaiada (suspensa por cabos) e fluvial do Brasil. Foi inaugurada em 24 de outubro de 2011, tem 3,6 quilômetros de extensão e une Manaus a Região Metro- politana (Iranduba, Manacapuru…). Bem, a Ponte é recente, eu já na descendente e um tanto quanto inapetente… não há história existente. “Manaus é a Veneza brasileira”. É sim.
  • 28. Série Lúcio Menezes 28 AOS NAMORADOS E ENAMORADOS Publicado em 10 de junho de 2016. Quem nunca namorou está perdoado, mas quem já namorou e disser que namorar não é bom, com certeza precisa de internação médica ou interdição judicial imediata. Namorar é bom demais. É bem inalienável, é o mandamento esquecido, o décimo primeiro: namorar até o último suspiro. Pensando melhor, talvez a sua versão para o português ficasse bem, assim: “é proibido namorar”. É que, lamentavelmente, está no DNA de boa parte dos brasileiros a trans- gressão às Leis de Deus e dos homens, então Deus nos pregaria uma peça e, as- sim, muitos brasileiros namorariam, finalmente, até o último suspiro. Namorar renova, rejuvenesce, renasce, estimula, encoraja, enche a gente de felicidade, não poupa sorriso, embeleza, arrepia, contagia, alegra; faz bem pra pele, pro coração, pros olhos, pro sono, pro corpo, pra alma, pra vida. Namorar é o melhor dos tônicos, é a fonte da eternidade, o melhor dos verbos, aquele que só deveria ser conjugado no presente do indicativo. Mas enquanto namorar não for Lei Divina então seja enamorado (a). Ena- more-se da natureza tão intensamente quanto intensa é a voracidade dos seus predadores; enamore-se da vida com tanta gana quanto a gana do moribundo pela sobrevivência; enamore-se da estética com tanto primor quanto o primor que a ela o arquiteto dispensa; enamore-se da ética com tanto zelo quanto o zelo que a ética reclama pra si; enamore-se da verdade com tanto apego quanto o
  • 29. Série Lúcio Menezes 29 apego que o mitomaníaco nutre pela mentira; enamore-se da pureza com tanta ousadia quanto os que teimam em pichar as cidades, em poluir os rios; enamore- -se da paz com tanto querer quanto o desejo de criança mimada pelo brinquedo impossível; enamore-se do dia com tanta intensidade quanto quem busca fugir das trevas; enamore-se do estudo com tanto fervor quanto quem crê na vida eterna; enamore-se da leitura com tanto tesão quanto quem dá ao primeiro beijo na boca; enamore-se da fé com tanto gosto quanto quem saboreia a melhor das iguarias; enamore-se da conquista com tanta alegria quanto a alegria do primei- ro filho; enamore-se da liberdade com tanto desejo quanto o cansaço deseja a cama… O melhor dos namoros é aquele que, quando olhamos no espelho, vemos a felicidade materializada a sorrir pra nós, o namoro é o espantalho da tristeza. Ah se o Êxodo contemplasse esse décimo primeiro mandamento! Talvez os homens cumprissem mais fielmente as demais Leis que, cá pra nós, estão cada vez mais sendo desrespeitadas. Gosto finalmente de supor, porque a suposição jamais se divorcia do sonha- dor. Vamos lá, fechemos os olhos e suponhamos que Deus acaba de acatar a minha sugestão, passou um MSN pro Moisés e autorizou mais uma Lei, o décimo primeiro mandamento: “namorar até o último suspiro”. Então seja obediente na- more bastante, sempre, pra sempre, até o último suspiro. Mas se for da sua prefe- rência a versão “é proibido namorar”, então vá além, transgrida, ultrapasse a ve- locidade; afinal, para o namoro não há sinal eletrônico, multa, bafômetro e nem
  • 30. Série Lúcio Menezes 30 perda de pontos na carteira de namorado(a) acelerado(a). Não perca tempo, a vida passa rápida como a velocidade de um meteoro. Não cabe a atitude passiva descrita na versão do Chico Buarque para a música Gesubambino: “… esperando, parada(o), pregada(o) na pedra do porto com seu único e velho vestido (calção) cada dia mais curto…”. FELIZ DIA DOS NAMORADOS!
  • 31. Série Lúcio Menezes 31 AS FESTAS JUNINAS Publicado em 24 de junho de 2016. Hoje é o dia de São João, o “Santo festeiro” e, caramba, quantas festas juni- nas eu vivi! Na brincadeira de quadrilha de 1967, no Grupo Escolar Princesa Isabel, eu fui par da Rosa, irmã do Flávio, pernambucanos que meteoricamente por aqui pas- saram. Ela era alva, loura cacheada, simpática e linda. Eu, tímido, vivia a primeira paixão um mês antes de completar onze anos. O que marcou aquele folguedo foi o detalhe de que, na coreografia ensaiada, todos deveriam ter uma flor de plás- tico consigo. Meninos para um lado meninas para o outro a uma distância pro- vável de quatro metros. Quando olhei Rosa estava a segurar a ponta da saia com uma das mãos e a outra vazia, sem a necessária flor. Num ato de impulsividade e cavalheirismo precoce joguei-lhe a flor que foi girando, girando, até alcançar a sua mão. O sorriso que ela abriu me deixou pávulo. O beijinho de gratidão que re- cebi no rosto foi tão impactante que pensei estar impregnado de toda a energia do universo, até a oculta que mora dentro de nós. O praná dos indianos havia se apoderado do índio Manaó. Era quase que hipnótica as labaredas das fogueiras gigantes; excitante as latas de leite em pó subindo após o papoco do catolé; hilariantes os sustos que os adultos tomavam com os “peidos de velha”; provocante o percurso imprevisível do busca-pé; arriscadas as fagulhas que a palha de aço queimada soltava, quan- do presa por um fio e em movimento manual giratório; disputadas as corridas de
  • 32. Série Lúcio Menezes 32 saco de estopa, individuais ou por equipes; idem as corridas do Saci-Pererê (com uma perna); frustrantes as escorregadelas dos paus de sebo que nunca consegui subir; animadas as corridas do ovo posto sobre a colher de sopa e presa a boca, (haja equilíbrio!). O quebra-pote contendo doces e balas provocava alvoroço tan- to quando o participante queimava suas tentativas de acertar o alvo – de olhos vendados e com um pedaço de madeira na mão a tentar quebrar o pote -, quan- to quando o acertava e espalhava as guloseimas pelo chão. Levava-se a sério as simpatias e adivinhações, as meninas queriam saber se iam casar? Com quem? Quando? Pra funcionar os objetos utilizados tinham que ser virgens. A faca virgem era enterrada na bananeira, depois a moça rezava uma Salve Rainha e voltava para casa sem olhar para trás. No dia seguinte ia conferir se, na faca, estava a inicial do nome daquele que seria seu noivo. Se a faca nada revelasse não casaria e repetiria no ano seguinte até surgir uma letra, caso con- trário, a pobrezinha era candidata certa ao caritó. Receber o pãozinho de Santo Antônio, ofertado tradicionalmente pela igreja católica, é crendice de que nunca faltará alimento. Quer saber quanto tempo levará para se casar? Amarre um fio numa alian- ça, ponha-o sobre um copo com água, segure-o sem mexer a mão e conte quan- tas vezes balançará. O resultado será o número de anos que você levará para se casar.
  • 33. Série Lúcio Menezes 33 Quer arranjar marido ou mesmo namorado? Devia ter feito isso no dia de Santo Antônio, agora se programe para o ano que vem, é assim: amarre com nós bem apertados duas fitas no pescoço da imagem de Santo Antônio, uma branca outra vermelha. Se as deixas frouxas o santo não age, se o castigas ele avia rapidi- nho. Milagre realizado a compensação deverá ser um rosário sem fim. Hoje é dia de colocar duas agulhas numa bacia com água e guardar distân- cia entre elas, se uma juntar-se a outra o casório estará garantido. Tá com medo da morte e quer saber quem morrerá primeiro? Recolha dois pedaços de carvão da fogueira de qualquer um dos santos, os pedaços devem ser desiguais, um maior e um menor, o maior representa seu marido ou namorado. Ponha-os numa bacia com água e aguarde. Se os dois boiarem vocês viverão jun- tos para sempre, se afundarem morrerão juntos, o que afundar primeiro morrerá primeiro. Eu hein! Tá doida pra saber o nome do pretendente? Escreva os nomes dos meninos, objetos dos seus desejos, em pequenos pedaços de papel. Dobre-os e ponha-os dentro de uma bacia com água. Aquele que amanhecer aberto será o cara. Ou- tra: se ficar quietinha atrás da porta, o primeiro nome que ouvir é ele, o cobiçado. Mais uma: vela nova e bacia nova com água, o lugar não pode ser agitado, reze uma Salve Rainha (sempre ela), acenda a vela, mantenha a mão imóvel e deixe a vela pingar na água da bacia, a letra que se formar será a primeira letra do nome do encantado.
  • 34. Série Lúcio Menezes 34 Aliete do Carmo Parente Salles, tia do Dedé da Cachaçaria, a mão mais aben- çoada para a arte culinária que eu conheço, preparava as comidas típicas do mês de junho: bolo podre, rabanada, bolo de milho, canjica, mungunzá, pé de mo- leque, paçoca, banana frita, vatapá, caruru, pirarucu de casaca, tacacá, aluá e o escambau. Sua casa era vizinha ao Caiçara Clube, hoje TVlandia Mall, o terreno era tão grandioso quanto a fogueira que queimava minhas fabulações infantis, a fartura era tamanha que me fazia cometer o pecado da gula, os sabores eram tão especiais que viravam inquilinos das minhas papilas degustativas por muitos dias. As festas de São João patrocinadas pela família Coutinho, donos do estaleiro com o nome do mesmo santo – dos amigos Danilo, Haroldo e Daniel -, aconte- cia num lugar chamado Caxangá, hoje Travessa do Caxangá, entre a Jonathas Pedrosa e a Visconde de Porto Alegre, entrando pela Rua 5 de setembro, hoje Candido Mariano. Eram festas realmente concorridas. A salva de fogos iluminava o céu por tanto tempo que dava até torcicolo. Ah, as festas juninas na casa do Dino e da Vovó Belmira, na Vila Martins! Avós, tios, pais e primos reunidos a desfrutar das músicas, comidas, brincadeiras e da atmosfera que só o mês de junho proporciona, inesquecíveis! Sem contar que os quitutes eram de primeira. O vatapá da Nazaré, minha tia, é de comer até passar mal e os quitutes da Dindinha, saborosíssimos e com gosto de quero mais. Além do aluá tinha a gengibirra, delícia! Faz tempo, muito tempo que não bebo essa bebida que é cara da família Meirelles, do mês de junho, do meu avô Dino, da mi- nha infância, das páginas da minha história escrita com o doce sabor do pirulito,
  • 35. Série Lúcio Menezes 35 rala-rala, algodão doce, quebra queixo, rebuçado… Tempo em que o açúcar, no máximo, dava cárie. Mas o melhor mesmo era o Festival Folclórico no campo do General Osório, hoje Colégio Militar, na ilharga da minha Rua. Os bois, os garrotes, as tribos, as danças… Valha-me meu São João! O que aconteceu com o mês de junho?
  • 36. Série Lúcio Menezes 36 SAUVEGARDER LA DIVERSITÉ! Publicado em 08 de julho de 2016. Tenho muitos e queridos amigos que quando dessa vida saírem virarão pur- purina. Ao longo desses sessenta anos vividos vi, conheci e convivi com tantos ho- mossexuais que até a conta perdi. Com o passar dos anos o número de adeptos esteve a perder o medo e a vergonha, a enfrentar a resistência de tantos e está a registrar crescimento exponencial. Se ontem só tínhamos o oligopólio dos assu- midos (e enrustidos), hoje temos o que os economistas chamam de tipo ideal de mercado: a concorrência. Não faço apologia, nem distinção, são queridos igual- mente. Hipocrisia dizer que homofobia por aqui não há, há e muita. Mas se pior já foi é redundante afirmar que melhor ficará. Então que venham e sejam felizes. A minha “Rua” hoje vive a efervescência da concorrência. Estão nos bares, nas esquinas e até na Rêmulo’s, a Boate onde, dizem, estão as profissionais do sexo mais interessantes de Manaus, em sua esmagadora maioria, oriundas de outras plagas deste país continente. De volta aos anos de oligopólio, é claro que a “Rua” não passaria batida. Havia um cabeleireiro de cabelos espichados, boa gente e ótimo profissio- nal, ele não guardava trejeitos, era discreto e até adotou um filho que de tão
  • 37. Série Lúcio Menezes 37 raquítico o apelidávamos de Meio Quilo. Outro era totalmente expansivo, ora se apresentava como Almira Castilho, ora como Akiko, a gueixa. Também o educa- do, inteligente e elegante moreno que o Mestre convocou prematuramente; foi meu professor na Universidade e “viajou” sem saber que o chamávamos de Eva Negra. Há causos de religiosos oriundos das congregações dos Capuchinhos e Salesianos, e até de quem já havia abandonado o hábito, mas que tinha em seus verbos e textos irrepreensíveis, as vestes dos clássicos. Se as ruas da minha “Rua” (o quadrilátero) fossem passarelas eu diria que foram palcos de desfiles memoráveis. Alguns dos mais notórios e notáveis por lá emprestaram seu charme, glamour, requebro e frescura mesmo. Eu devia estar com treze ou quatorze anos de idade, quando um desses mais “atirados” olhou pra mim e jogou a cantada mais hilária que eu tenho cata- logada: “Esse deve ser tão gostoso que deve cagar chocolate e mijar Coca-Cola”, chamavam-no Porquinha e se dizia sobrinho do então dono de uma empresa de transporte coletivo de nome feminino. Aliás, difícil aquele que não carregasse consigo um apelido ou nome artístico. Tinha Pelé, Astrid, Bolota, Mococa, Arroz, Mata Matá, Caixinha, Dom Dom, Intimo, Maria de Nazaré Lacute… Nazaré sempre andava de vestido ou saia, peruca, saltos altos, pintada e a se requebrar; seu sor- riso quase vazio denunciava o desfalque de quatro dentes superiores e frontais a mostrar o cabalístico número 100001. O Intimo tinha esse apelido porque assim ele era. Estudamos no mesmo colégio, fomos da mesma turma. Tinha um ótimo humor e, acho, “desabrochou”
  • 38. Série Lúcio Menezes 38 tarde. Em férias no Rio de Janeiro com os meus pais e irmãos no ido ano de 1972, fomos convidados a passar o réveillon na casa de um parente que morava na Tiju- ca. De manhã fomos à praia de Copacabana e lá o encontramos. Perguntou-nos para onde iríamos à noite e prontamente se convidou para ir junto. Ao chegar- mos à casa do anfitrião logo apresentou suas credenciais e danou-se a soltar gar- galhadas espalhafatosas, a falar em demasia, comer feito um glutão… Deitou-se na cama do casal, ligou a televisão e, como derradeira intimidade, fez ligações interurbanas a partir do telefone da casa sem qualquer cerimônia e parcimônia. Por pouco aquele réveillon não ocorreu dentro de um táxi, com o papai a cuspir fogo em cascatas tão caudalosas quantas aquelas que anos depois virariam atra- ção do Hotel Meridien, no Leme. Falava-se de alguns casados, de pais de filhos, aí incluídos professores do curso ginasial e secundário. Ainda de políticos, carnavalescos, jornalistas, músi- cos, cronistas, colunistas sociais, médicos, farmacêuticos, artistas plásticos, cos- tureiros, donos de bares, atletas, comerciantes, promotores de eventos, profissio- nais liberais, servidores públicos, autônomos… Um dos contáveis corajosos oligopolistas era alto, gordo e branco, seu regis- tro civil o homenageava com o nome de um famoso escritor francês e título de peça teatral, nada mais coerente porque ele realmente era uma peça, na Rua o chamávamos Buda Branco. O Bar referência da “comunidade” era o Patrícia, ficava na Av. Constantino Nery e seu proprietário atendia pelo nome de Alonso. Lá acontecia o famoso e
  • 39. Série Lúcio Menezes 39 esperado concurso de Rainha Gay do Carnaval, além de outros eventos protago- nizados por travestis. Foi num desses acontecimentos que o “Pato” mais queri- do do Amazonas aprontou. O desfile atingia seu ápice quando ele, subitamente, voou da cadeira para o tampo de sua mesa, retirou sua intrépida “mangueira” e tentou apagar o fogo que àquela altura tomava conta dos presentes. Os PMs que estavam de serviço o depenaram, não o jogaram na panela fervente, tampouco o assaram, mas o transportaram “delicadamente” para a rua, “Pato” estava no ponto para ser preparado com laranja, tucupi ou arroz. Sua carne foi “amaciada” com socos e safanões, o senão ficou por conta do amadorismo dos militares ao deixarem sua pele recheada de “canhões”. Ao dar seu último suspiro o valente bí- pede, encharcado do líquido normalmente dado aos perus, deixou a mensagem lapidar: “só me deram porrada porque tão de turma”. Vizinho ao Bar Patrícia os clarins do Clube Sírio Libanês anunciavam outro Baile Gay. O Atlético Rio Negro Clube deve ter sido o primeiro clube brasileiro a ter oficialmente uma torcida organizada gay, a Galo gay. O titular dessa facção era o Eurico Carvalho. Se a Barbie tem um carro conversível cor de rosa, o saudoso rionegrino tinha um fusca preto todo incrementado, transformado em conversí- vel e com o capô a exibir a pintura do Galo da Praça da Saudade com uma crista elegante, luvas de boxe, jeitão de campeão do terreiro e vestido com o tradicional uniforme barriga preta.
  • 40. Série Lúcio Menezes 40 Estudei inglês no Yázigi até o dia em que choveu e todos os alunos faltaram, exceto eu. Eram da minha turma: George Lins, Luis Ângelo e Leila Albuquerque Vianez, Thamy e outros que não recordo. O teacher sentou-se a meu lado, cruzou as pernas e danou-se a encaracolar seu bigode americano com característica ir- landesa. À medida que eu lia o texto ou repetia o que me era cantado, ele olhava pra mim e dizia: beautiful! Beautiful! Na dúvida se o lindo era pra mim ou pro meu sotaque, nunca mais voltei à escola. No ano de 1983, já casado e pai do primeiro filho dos dois que tenho, deci- di retomar meus estudos da língua falada por Jean Valjean e me matriculei na Aliança Francesa. O professor recém-chegado da França era muito mais jovem que eu. Desisti do curso quando me foi revelado que as flores e bilhetes com ver- sos e declarações de amor que me eram entregues no meu trabalho, não eram da fêmea que a minha imaginação pintava e minhas fantasias estimulavam. O jeune professeur de français se apaixonara por mim, ou pelo meu sotaque, sei lá! Bien, ce est la vie. Sauvegarder la diversité!
  • 41. Série Lúcio Menezes 41 LEON, UM NEGÓCIO DA CHINA! Publicado em 19 de julho de 2016. Em 1983, Norton César Marques Pinho era Juiz da Comarca de Eirunepé/AM. Numa tarde de maio daquele ano o telefone tocou: – Lúcio, é Norton falando. – Fala Pinho, que surpresa agradável é essa? – É o seguinte: tem uma “galinha morta” aqui. Um negócio da China. – Explica melhor, disse eu. – É um barco regional de treze metros de comprimento por três de largura, motor importado, novinho em folha, só o motor vale o que o cara tá pedindo pelo barco, o comando e a área de lazer ficam no piso superior; em baixo tem um ba- nheiro, uma cozinha e um camarote. Tá em ótimo estado, uma pechincha. Outra oportunidade dessa só na próxima encarnação. – É mermo é? E aí, quanto custa? – Cr$ 600.000,00 (seiscentos mil cruzeiros) – numa conversão nada ortodoxa diria que corresponderia a R$ 18.000,00 (dezoito mil reais) – a gente racha meio a meio, vamos ser sócios nessa porra. Já pensou? Pescaria, passeio, pescanagem,
  • 42. Série Lúcio Menezes 42 lazer, Praia da Lua, do Tupé, do Arrombado … pega logo um avião e vem pra cá antes que a cara venda pra outro. – Preciso de um tempo pra levantar essa grana. – Tudo bem, mas apressa que eu tô te esperando. Foi assim que me tornei sócio do Norton e sonhei ser o Onassis dos trópicos. Embarquei no táxi aéreo que fazia a linha Manaus/Eirunepé, com escala em Carauari, um voo com duração de três horas – a distância em linha reta entre Ma- naus e Eirunepé é de 1.160 km. Norton tinha um prestígio danado, era respeitado e por isso o proprietário da embarcação teve paciência para aguardar o sócio do magistrado que chegaria de Manaus. Leon era realmente um barco cativante e estiloso para um regional, o branco predominava, mas o azul dava um toque de elegância. Branco exprime a pureza, consagra o divino, azul é minha cor predileta. Na cosmogonia, o Deus Criador é azul, além do mais, azul simboliza o caminho na fé. Foi sob a inspiração do lendário Leon que, anos mais tarde, mais precisamente em 1996, Ariosto comporia a belíssima toada “Vento Norte”, do boi Caprichoso, cujo verso mais poético diz assim: “…azul é sempre cor de navegante…”. Perfeito. Fechamos negócio e no dia seguinte estávamos singrando o Juruá rumo a Manaus. Conosco embarcaram Augusto, cunhado do Norton e o Léo, uma es- pécie de faz tudo. O cara era pescador profissional, tarrafeava como eu nunca vi, era cozinheiro, prático, mecânico, contador de causos, bem-humorado, solícito e, em Manaus, tinha uma irmã que despertava instintos selvagens. Norton é dono
  • 43. Série Lúcio Menezes 43 de uma excelente pontaria e no trajeto até Carauari deu inúmeras provas dessa aptidão. Numa delas matou um alencor, não o comemos porque ele dizia que a carne daquele pássaro era remosa e inservível para consumo humano. À noite fo- cávamos jacarés. Nunca tinha visto uma população de jacarés tão grande como naquela viagem, o Juruá era infestado, um número incalculável, mas longe dos mais de dois milhões, trezentos e oitenta e sete mil, cento e setenta e um que o Ex-Governador Gilberto Mestrinho afirmava ter lá pras bandas de Nhamundá, no rio do mesmo nome. O Ex-Governador era notório em superestimar números. Quanto ao alencor, bem, o alencor virou banquete daqueles répteis pré-históri- cos. Emitindo um som estranho pela boca e dando algumas palmadas nas per- nas, Norton provocava os jacarés que respondiam dando rabanadas frenéticas na água. Absolutamente fascinante! Paramos em um tabuleiro de quelônios, retira- mos ovos e praticamos viração de tracajá. Até aí tudo perfeito, só não contávamos com o que ocorreria dezoito horas após deixarmos o porto de Carauari. Norton me disse que era um negócio da China, só não me disse que o motor era made in China. As reformas econômicas da China começaram em 1979, mas somente em 1984 o foco da política econômica voltou-se para o incentivo a in- dústria. Logo, o Leon era um inocente útil, cobaia da incipiente indústria chinesa. O motor era um gasolatra insaciável, só louco (ou liso) apostaria na tecnologia chinesa de então, nós apostamos, o chinês não resistiu e… pifou.
  • 44. Série Lúcio Menezes 44 Foi um Confúcio nos acuda. Buda que pariu! Exclamamos sem combina- ção previa, nos fu… Hoje, quando queremos pôr um ponto final numa discussão, mandamos logo que o desafeto vá de retro, vá tomar…, vá pra…, naquela época mandávamos pra bem longe, pra China. Era lá mesmo que tínhamos quebrado, na China. Bateu uma tristeza tão grande que os nossos olhos começaram a se fechar, era o retrato desolador de quatro tristes metamorfoseados chineses. O rio Juruá é o rio mais sinuoso do mundo e lembra o Dragão Chinês. Se o Dragão Chinês é visto como a criatura mítica divina que traz a abundância, prosperidade e a boa sorte, o Juruá, naquele momento, pelo menos para nós, era diametralmente o oposto. A rotina era a seguinte: acordar cedo, pescar, beber, conversar sobre todas as coisas, contar piada para descontrair, comer iaça, tracajá, peixe com farinha, pimenta e arroz – como não tínhamos os palitinhos (k’uai-tzu “algo rápido” na China, hashis “ponte” no Japão) comíamos com garfo e faca mesmo – rezar e aguardar que Buda ou Confúcio tirassem na porrinha quem iria nos enviar ajuda. Sim porque excluindo a excelência das companhias e a descontração reinante, invariavelmente pela manhã chegavam, aos milhares, os tarados piuns que tra- balhavam ininterruptamente até as 18h00min. Para o segundo turno, também com presença maciça, assumiam os putos dos carapanãs. E haja repelente pra suportar aquela tortura, tão desesperadora quanto a tortura chinesa da gota d’água. Minha pele estava sofrendo mutações, pareciam escamas, tamanho era o tempo que eu ficava de bubuia ou imerso naquela água morna fugindo dos insaciáveis insetos.
  • 45. Série Lúcio Menezes 45 As noites eram longas, sem dominó, sem baralho, sem livro, sem toca cds, sem telefone celular, sem televisão, sem ar condicionado, sem luz, com luar e sem violão, na mais remota praia do Juruá, uma paisagem bucólica como as do rio Min jiang. Dois dias depois, quando já começava a bater o desespero e o português já se confundia com o mandarim, não sei se pelo excesso de arroz ou de peixe; se pela paisagem ou pela tristeza dos olhos que se fechavam, eis que Buda ou Confúcio (sei lá quem perdeu a porrinha) nos enviou uma balsa. Foi uma euforia inenarrável, parecia a Festa da Primavera, a primeira festa do calendário lunar chinês. O prático do empurrador da balsa era um sujeito magro, tinha a cara do David Carradine e a postura de um lutador de kung fu. Os demais tripulantes eram três macérrimos e empoeirados ajudantes que, ao se depararem conosco, inexplicavelmente ficaram estáticos, como se fossem soldados de terracota. A viagem, em condições normais, duraria seis dias e quatorze horas, a nossa levou duas semanas. Faltando três dias para chegarmos enfrentamos uma tempestade que des- truiu completamente a quilha do Leon, além de outras avarias. O banzeiro provo- cava choques violentos contra a balsa, era uma luta involuntária e desigual, pobre Leon. Enquanto o Leon nos pertenceu Norton soube aproveita-lo: passeou, pes- cou, namorou, curtiu a valer. Eu fiquei traumatizado e pouco usufrui do saudoso Leon, não por conta da viagem, porque essa foi inesquecível, ali brotou um enor-
  • 46. Série Lúcio Menezes 46 me bem querer pelo Augusto e pelo Léo e consolidou ainda mais a minha amiza- de com o Norton. Norton é um ser humano especial absolutamente admirável. O trauma ficou por conta daquele motor chinês. Não tinha peça de reposição nem oferta de mecânico especializado, era barulhento, lento, tinha um vazamento crônico e dava prego constantemente. Conseguimos vende-lo para um cara de nome Saint Clair, gordo como o Buda (apesar do consumo incontinente de chás). Guardo com enorme carinho e imensa saudade aquelas duas semanas, o Leon e a “viagem” de querer ser o Onassis dos trópicos. Curiosamente o único jogo virtual que aprecio é o mahjong, um jogo chinês que muito exercita a minha memória. Recomendo. Norton, meu irmão, ser teu sócio foi um privilégio, viver aquelas duas se- manas foi marcante, conservar essa amizade por tanto tempo, definitivamente é merecimento reservado aos bons. Seja feliz, tenha saúde e conserva esse jeito Norton César de ser: às vezes urbano, às vezes monástico. Seria o monastério in- fluencia chinesa?
  • 47. Série Lúcio Menezes 47 MEU AMIGO IRMÃO, NORTON CÉSAR MARQUES PINHO Crônica escrita e compartilhada no dia 19/07/2011, data do aniversário do Norton. Norton, meu amigo e irmão, faleceu no dia 17 de janeiro de 2013. Obrigado por tudo, amigo-irmão Norton César Marques Pinho, pela socie- dade, pela amizade, pelo sorriso, pelos segredos, pelo carinho, pela palavra, pelo canto, pelos ensinamentos, pela irmandade. Até um dia!
  • 48. Série Lúcio Menezes 48 OS PORTUGAS DA MINHA RUA Publicado em 12 de agosto de 2016. Dona Balbina era proprietária da taberna que ficava na esquina da Rua Lobo D`Almada com a Rua 24 de maio. O guaraná Andrade que ela vendia era gela- díssimo e vinha em garrafas casco escuro de 600 ml, que nem essas de cerveja; o líquido contido era a cota certinha de três copos de vidro, grife Nadir Figueire- do, modelo americano. Ela era mãe do Antelqui, um sujeito cujo sobrepeso lhe permitiu o reinado de Momo por alguns anos. Sim, a Rua não tinha só beldades, Condessas, Rainhas e Princesas, também tinha Rei, Conde, Lord, Marquês… Dona Balbina era avó do Domingos e do Manel Cabeção, que depois virou Nelinho, em homenagem ao grande lateral direito do Cruzeiro de Minas Gerais. Tinha outros netos, mas não lembro seus nomes. A poucos metros daquela esquina morava a família Vianez. O casal Seu Bel- miro e Dona Bosi geraram uma bela família: a primogênita é a Omarina, depois vem Lúcia, Ieda, Belmiro Filho, Leila e o saudoso e querido Luiz Ângelo, o Dan- dinho. Seu Belmiro foi o responsável pela minha primeira aparição televisiva. O time do Fluminense – salve o Tricolor! – lá da Rua, do qual o Dandinho era goleiro, por ele foi entrevistado no seu programa esportivo dominical na extinta TV Ajuri- caba. Inesquecível! Na esquina da Rua José Clemente com a Lobo D`Almada tem o famoso Bar Caldeira. Nos anos 1960 era proprietário do bar o Seo Araújo. Juravam os meninos mais velhos que ele recolhia, com aquelas latas de manteiga enormes – a mesma
  • 49. Série Lúcio Menezes 49 manteiga que a gente comprava “a retalho” – a água da chuva que escorria no meio fio da ladeira da Rua Lobo D`Almada, vinda a partir da Rua Dez de julho. As- severavam que ele fervia e a usava para produzir os deliciosos sucos e picolés que tanto consumíamos. Reza a lenda que certa vez o Seo Araújo estava com dificul- dades para sintonizar uma rádio de Portugal. Douglas Lima, que por lá passava, vendo a dificuldade e irritabilidade do luso, por peraltice ou sacanagem, assim a ele se dirigiu: – Seo Araújo, é muito fácil sintonizar a rádio de Portugal, o senhor quer que eu lhe ensine? – Claro ô “puto” - os portugueses assim tratam seus filhos quando meninos. Estou eu cá a tentar e não encontro hipótese. Preciso saber notícias de além-mar, ora, pois! – Então preste atenção pra que eu não precise repetir: vá girando o botão de sintonia bem devagarzinho, quando o senhor sentir um cheirinho de merda é a rádio portuguesa. Diz-se que depois disso Douglas saiu em desabalada carreira com o Seo Araújo a persegui-lo. Felizmente os pés descalços do menino Douglas, a correr por sobre os paralelepípedos, foram mais ágeis que as sandálias de pescador que ele usava. Depois desse episódio testemunhei sua felicidade a ouvir a rádio do seu país, só não posso afirmar se o que respondeu pela sintonia foi a palha de aço ostentada na ponta da antena do rádio ou o cheiro insinuado por Douglas.
  • 50. Série Lúcio Menezes 50 Depois o bar passou para o Seo Antonio, pai da Ninita e esposo da Dona Ma- ria. Seo Antonio faleceu prematuramente, Dona Maria e seu irmão, Adriano, as- sumiram e lá trabalharam anos a fio. Atualmente o Caldeira está sob os cuidados do empresário Carvajal. A Rua Lobo D’Almada vai da Av. Sete de Setembro até a Rua Dez de Julho. Na Sete nos deparamos com a Igreja Matriz, na Dez com “A Cabacence”. Antes de se transformar em Casa Lotérica, “A Cabacence” era a taberna da família Pureza, da matriarca Dona Otília e seus filhos, Manoel e Miloca. Dona Otília até ficava no bal- cão, mas quem tomava conta mesmo era o “Manel” Pureza, uma figura bacana e pacata. Lá comprei muitos chicles Ping pong, mas o carro chefe eram as bolinhas de gude, com suas ponteiras, patacas, colombianas, bibianas… uma beleza para os olhos do menino que andava com pés descalços, cultivava unhas sujas e tinha na mão esquerda a pontaria que lhe garantia conquistas no jogo de ronda mate. Próximo à casa do Camilo Gil Cabral morava o Carlos, um gajo discreto, del- gado e que usava óculos que tinham armação preta e retangular. Sua solidão foi interrompida no dia que casou. José Clemente 268, uma casa alugada, era o meu endereço. Seo Antonio era o nome portuga proprietário, esposo da também portuguesa, Dona Hermínia. Ele era dono das outras duas casas ao lado da nossa e do Restaurante Central. Eu e meus irmãos o apelidávamos de “barrigudão de gravatinha” porque ele traba- lhava como garçom no seu restaurante e não abria mão da fantasia de pinguim com gravata borboleta. Não era coxo, mas andava a mancar: ou os sapatos eram
  • 51. Série Lúcio Menezes 51 menores ou tinha saliência na ponta dos dedos ou do calcanhar. Um dia ele im- portou, desde a santa terrinha, quatro sobrinhos: os irmãos Manoel, José e Do- mingos Ratto e o primo deles, o traquina Joaquim. Esse aprontou com a família e sumiu, foi um enorme abalo numa casa portuguesa, com certeza. Na esquina da Rua José Clemente com Av. Epaminondas tinha o Bar Natália, da família Loureiro. Ali se vendia o melhor “prego” (sanduba de filé). Na esquina do outro lado da Rua José Clemente, o Salão Grajaú do Seo Ernesto. Taí outro por- tuguês educado. Era ele quem a mamãe autorizava arruinar nossas cabeças com o corte militar bem rapado. Na Joaquim Sarmento tinha a família Carmona dos filhos brasileiros Fran- cisco, Antônio e Joaquim, o Quinzinho. Na mesma rua, esquina com a Rua Salda- nha Marinho, a família Henriques. Penso que eram três homens e três mulheres, dentre eles o Julião e o Carlinhos, o periquito. Lá funcionava uma loja sortida de materiais de construção. Na Eduardo Ribeiro tinha o luso, Seo Eduardo, dono da Padaria Avenida – o melhor pão doce do mundo – e a Confeitaria Avenida, do Seo Duarte – o melhor caramujo do planeta. Na Praça São Sebastião resiste o Bar do Armando – do falecido lusitano do mesmo nome – e seu incomparável sanduíche de leitão. Na Rua Costa Azevedo o melhor bacalhau de Manaus é vendido no Restaurante Calçada Alta, do saudoso Seo António, também naquela rua tinha o barbeiro Seo Ribeiro, avô do Maneca. Ao lado da Igreja de São Sebastião, na Rua Tapajós, morava a família Gaspar. Na Dez de Julho canto com a Rua Tapajós fica o Luso Esporte Clube, em frente mo-
  • 52. Série Lúcio Menezes 52 rava o Seo Ernesto Costa, pai do meu querido amigo Manoel Ribeiro da Costa. Maneca viveu muitos anos no Rio de Janeiro, lá teve tórridas relações amorosas com fêmeas de vários matizes (e quilates), mas o “senhor dos mares” atracou sua nau no Rio Negro e se casou com a cachopa Adriane, filha do Seo António, dono do Calçada Alta. Próximo dali, na Rua 24 de maio, ficava a Padaria Mimi, da família Simões. As bolachas e os pães eram demais. Os últimos, e sei que esqueci alguns, são: António do Bar Brasil – Av. Epa- minondas canto com a Rua Dez de julho – que fabricava sorvetes dos deuses e, finalmente, a Casa Dias, da família do mesmo nome – Av. Epaminondas esquina com Rua Luiz Antony – que até bem pouco tempo era gerida por Augusto Dias. Ali se vendia de tudo, impressionante! Tinha manteiga, cimento, vassoura, guara- ná, azulejo, parafuso, papel higiênico e o escambau. Um dia chegou de férias, lá das terras de Cabral, um Dias sobrinho. Ele foi até o Estádio General Osório onde jogávamos futebol, tímido, não teve coragem de pedir pra jogar. No dia seguinte apareceu com uma bola de couro, meião, suporte, chuteiras e aí, dono da bola, foi escalado. Uma desgraça, o “puto” era o único a usar chuteiras entre tantos pés descalços. O “miúdo” não jogava nada, mas tinha uma raça descomunal e só en- trava no estrompa. Não me lembro de tê-lo visto a jogar na linha depois daquele dia. Égua! Eu vou te contar, como tinha portugas lá na Rua!
  • 53. Série Lúcio Menezes 53 A MINHA PRIMEIRA VEZ Publicado em 26 de agosto de 2016. Aqui, no meu torrão amado, conheci algumas das “casas de saliência” que os jornais, livros e revistas nacionais de então, também rotulavam de lupanares, bordéis, antros de prostituição, rendez-vouz, covis de licenciosidades, casas de perdição… Seria pieguice optar por um desses qualificativos, quando dez entre dez frequentadores preferiam chamá-las, puteiros. Que me perdoem os purita- nos, mas se puteiros eram, nas minhas linhas, puteiros serão. O apogeu deu-se no fim dos anos sessenta – o que pra mim não foi possível testemunhar, já que em 1969 eu tinha treze anos de idade. Tudo bem que vivia a plena puberdade, mas os meus níveis de testosterona ainda não eram suficien- tes para engrossar a minha voz, destacar o meu pomo-de-adão, muito menos exibir com naturalidade para uma profissional do sexo, aquele embrião peniano. Em um dia do ano de 1971, deixei minha virgindade no quarto de um puteiro. Foi lá que também descobri o significado literal do dito popular: “mais cheiroso que penteadeira de puta”. Era menor de idade, não tinha carro nem sabia dirigir, tampouco dava pra ir a pé ao então longínquo “Lá Hoje”, cuja localização ficava exatamente onde está a nossa Rodoviária. Sem qualquer ameaça de dúvida, o Lá Hoje era muito mais decente que o medonho “terminal” que temos.
  • 54. Série Lúcio Menezes 54 Dois amigos do Colégio Brasileiro, um ou dois anos mais velhos que eu e que se intitulavam, “experientes”, me acompanharam na minha primeira empreitada sexual. É muito esquisita a “primeira vez” quando essa ocorre sem sentimento, quando o ato é mecânico e exclusivamente profissional. Cotejar o virgem de ontem com o de hoje é covardia desmedida, nós não tínhamos informações, nem ofertas, tínhamos apenas as histórias e estórias que os mais velhos contavam – dizia-se, naquela época, que melhor que “comer” era contar, há quem até hoje ainda pense assim – e que, naturalmente, fantasiavam para despertar a curiosidade dos invictos de plantão e posarem de garanhões. Tínhamos ainda, como referência desde os anos sessenta, os famosos “catecis- mos” do cartunista Carlos Zéfiro – revistinhas de sacanagem em quadrinhos com desenhos em preto e branco, depois coloriu – e nos anos setenta, as revistas ame- ricanas playboy e Penthause e as brasileiras Ele e Ela e Status. Quem, nos anos setenta, não levou para o banheiro uma foto da Rose de Primo? A preocupação do iniciante com o primeiro desempenho é e sempre será nenhuma. Isso é regra. Tenta-se, em vão, não demonstrar ansiedade, mas a pres- sa – sempre a pressa – em perder a virgindade, muitas vezes compromete a ere- ção, felizmente não foi o meu caso. Todavia confesso que a emoção muito me atrapalhou e a pontaria falhou na hora que precisei “conectar”.
  • 55. Série Lúcio Menezes 55 Era um quarto de madeira com telhado de zinco, uma cama de palha cober- ta por um lençol roto, com cheiro de suores de fregueses; fios elétricos aparentes alimentavam o ponto de luz tênue a matizar o ambiente soturno; o vaso sanitário não tinha tampa; um camburão cortado ao meio com uma cuia a boiar, com- pletava o que seria o banheiro. Pendurada sobre um prego fincado na madeira do quarto, uma toalha desgastada pela fuga das felpas; escorado na ripa que rodeava o meio das paredes do quarto, um pedaço de sabão grosso com indis- farçável sinal de corte de faca. Encostada na parede direita do minúsculo quarto, uma penteadeira com uma tesourinha, talco, pluma, uma escova carregada de cabelos multicores, um pente flamengo com escassos dentes e uma quantidade imprecisa de colônias diversas e perfumes com odores pra se esquecer. Por últi- mo um banco, também de madeira, posicionado em frente à cama no lado des- tinado aos pés, apoiava um surrado ventilador. O quarto ficava a mais ou menos vinte metros do salão onde homens e mulheres bebiam, fumavam, conversavam, dançavam e se acertavam ao som de músicas, a maioria boleros, com letras que falavam de amor, saudade, traição, abandono, desilusão, paixão, volta… Ela era morena, prováveis trinta anos; acumulava sobrepeso, estatura me- diana, cabelos negros e compridos, usava vestido decotado, se equilibrava sobre um salto plataforma a lhe emprestar imponência, exibia um sorriso simpático, dentes quase perfeitos, exalava cheiro de perfume barato que se confundia com a exagerada quantidade de talco espalhado por todo o corpo. Minha primeira vez foi rápida, não houve preludio, nem sublimação, só êx- tase e clímax. Saí aliviado, mas um tanto frustrado e a duvidar se aqueles ais
  • 56. Série Lúcio Menezes 56 carregavam alguma dosagem de prazer. Não demorou pra saber que tudo não passava de encenação. Foi minha primeira aula de administração do tempo e da produção – quero crer que o episódio não tenha influenciado na minha formação acadêmica. Mal terminou ela se levantou, e ao tempo em que caminhava em direção ao banheiro, me cobrava e me apressava. Disse ela sem qualquer cerimônia: “garoto você é muito legal, mas eu preciso faturar”. Saí daquele quarto cheio de questio- namentos, todos a convergir para um só: sexo era só aquilo? Juntei-me aos amigos, agora sem as minhas economias, e voltamos pra casa. Eles nunca souberam que aquela havia sido minha primeira vez, muito me- nos lhes contei a verdade que sentia. Naquela noite a estatística dos contadores de estórias ganhou mais um e a dos insones também. Voltei outras vezes ao Lá Hoje, também conheci seus concorrentes, espe- cialmente o Piscina Clube, sempre acompanhado de amigos, mas nunca mais para fazer sexo. Sentávamos, ouvíamos músicas, conversávamos, observávamos, bebíamos e saíamos. Lá encontrávamos todos os espécimes da fauna Baré, das mais esdruxulas até as mais impolutas. Parafraseando o Rossi: no puteiro todo mundo é igual. Já na Universidade, provavelmente no ano de 1977, fiz uma incursão, na ver- dade um tour, ao Saramandaia com o amigo Jerry Fonseca. Matamos a curiosi- dade das meninas da nossa turma. Todas ficaram dentro do carro de vidro fumê,
  • 57. Série Lúcio Menezes 57 quietinhas, abaixadas a esconder os rostos e a espiar só com o rabo do olho, que- riam ver como era. Mulher é um bicho muito curioso. Ah! Uma das meninas curiosas é a mãe dos meus filhos.
  • 58. Série Lúcio Menezes 58 OS BARES DA CIDADE Publicado em 09 de setembro de 2016. “…A minha vida boêmia de bar em bar…”, “ ...e eu vou levando minha alma aflita, à noite a cidade é tão bonita…”. A música Bares da Cidade do saudoso João Nogueira menciona os bares do Rio de Janeiro – Lamas, Capela, Luís e Amareli- nho – os quais, imagino, faziam parte do seu circuito de birita. O meu era outro, percorrido e bebido aqui, na terra dos igarapés. Não há hipótese de citar todos, mas discorrerei sobre aqueles que – aprovei- tando a sugestão do poeta e boêmio francês, Charles Baudelaire – escolhi para me embriagar, sem descanso, com campari, cerveja, uísque, caipirinha, batidas, rum, paqueras, amigos, encontros, estórias de bebedor, filosofia, poesia e virtude. A melhor batida de frutas do mundo era a do Bar do Caxuxa, na Cachoeiri- nha. O sujeito podia pedir a fruta regional mais exótica, de A a Z, que lá encontra- ria. Tinha tamarindo, tucumã, pitomba, ingá, pupunha, mari-mari, murici, mara- cujá do mato, sorva, sapota, uixi… Certa vez encontrei um conhecido, que decidira beber “de um tudo”. Na- quela tarde descobrira que sua cabeça, há tempo, vinha sendo impiedosamente adornada por um par de “guampas”. À medida que bebia, mais falava dos atri- butos da Belle de Jour. Quando saímos de lá fui deixa-lo em casa, ele bêbado a chorar e a vomitar; eu a imaginar a pérfida tão bela e desejável quanto a perso- nagem Séverine Serizy, que no cinema foi interpretada por Catherine Deneuve. Pensamentos indignos também me ocorreram.
  • 59. Série Lúcio Menezes 59 O Bar do Armando frequentei com irregularidade, ia mais pra comer queijo bola que sanduiche de leitão; ouvir as últimas da política local que confidenciar nova paixão; beber cerveja gelada que qualquer bebida destilada. Mais recente- mente, quando o carnaval ainda me arrebatava, brinquei no camarote animado pela Banda da Bica. Do Maca drinks era freguês de carteirinha, tanto na estrada do Aleixo, hoje Avenida André Araújo, quanto na cobertura do Palácio do Comércio, no centro da cidade. Ambiente, reportório e a voz do Maca eram os aperitivos; as frequentado- ras, o prato cobiçado. E que cardápio perfumado era aquele! Calandre, Cacharel, Paco Rabanne, Chanel nº 5, Bond Street, Contouré, Topaze… Além do pó Cashme- re Bouquet, é claro. Barrica – que depois virou Senzala – ficava na Rua Duque de Caxias, colado ao posto de gasolina na esquina com a Rua Tarumã. O ambiente era acolhedor e as batidas de frutas sua especialidade. Quem me carregava pra lá era uma acre- ana pra mil talheres. Discreta, ela gostava da mesa que ficava na penumbra do cantinho, eu, de suas prendas. A Choperia Signo´s, da família Falcão, tinha ótimos tira-gostos, música de extremado bom gosto e caipirinha no capricho. Eu listava as músicas que me in- teressavam; o baixinho que cuidava do som da casa as gravava em fitas cassetes e me vendia por um preço justo. Era a garantia de boa música a rolar no road star do meu Dodge Coupe. Às vezes atravessava a Rua Dr. Machado pra beber Chopp e comer bolinhos de bacalhau da Lobo´s.
  • 60. Série Lúcio Menezes 60 Koka 2 era o nome do bar que ficava no posto de gasolina na Av. General Rodrigo Otávio, a mesma do sinistrado Shopping Cecomiz. Quando a noite já parecia perdida, baixava lá. Guerreiro que é guerreiro jamais desiste, aposta no encontro “por acaso” com alguma pequena “boiada”, dessas que vão à luta e, quando nada conseguem, boiam na frente da gente feito deusas vencidas. Capítulo especial merece o Castelinho, hoje Miako. Invariavelmente às sex- tas-feiras, eu, Ariosto, Claudio Izel, Wilson, Manoel Ribeiro, Claudio Barros Gomes, Hamilton e Norton, despedíamo-nos das namoradas mais cedo, juntávamos as peças instrumentais e para lá íamos. Não creio que naquela primeira metade dos anos setenta tenhamos sido os pioneiros a cantar e tocar sem cachê, mas arrisco crer que no quesito bebida e tira gostos pagos pelos notívagos das mesas vizinhas, nós o fomos. Quanto mais bebíamos, mais cantávamos. A harmonia e repertório agradavam e nós nos permitíamos fazer alguns trocadilhos, mudar no- mes ou palavras, alterar algumas letras. Foi assim que a Portela virou Raimunda: “…ah minha Raimunda, quando eu vi você passar, senti meu coração apertado todo meu corpo tomado, minha alegria voltar…”. Até Juca Chaves fazia parte: “… só porque sou moço pobre, que vim vencer na capital, as moças pensam que já podem me levar pra cama, pra me fazer mal…” “…eu sofro de um complexo social, não sou mais virgem foi no carnaval…”. Íamos a outros mais, como o Telhadão, na Rua Japurá com Apurinã e a um boteco lá dentro do CEASA. O Quatro Graus foi uma experiência exitosa do amigo Edson Gil, seu irmão Ernesto e o Fares Abnader. Funcionava de quinta a domingo onde hoje está ins- talada a Oana Publicidades. Eles queriam e conseguiram provar à Cervejaria Mi-
  • 61. Série Lúcio Menezes 61 randa Corrêa que a rejeição a Brahma, cerveja por ela distribuída, não era por conta do produto, mas em razão do serviço prestado nos bares. Era perfeito, tinha excelência no público, nas músicas, nos músicos, tira gostos e cerveja Brahma a quatro graus. Foram cem dias apoteóticos e, acredite, fechou por excesso de pú- blico. Uma pena! Na fase universitária ia ao Pequeno Príncipe, Daniel das Codornas e Xorimã, nesses dois últimos eu e meu cunhado, Jeferson Garrafa, tivemos memoráveis papos filosóficos, etílicos e sentimentais. Dos Bares da minha Rua frequentei o Natália, lá duas coisas se destacavam, o sanduiche de filé e o Ratinho, um garçom íntimo, figuraça. Por qualquer coisi- nha ele mandava, sem titubear, a gente “se fudereter”. Balalaika recebia aqueles que se julgavam os melhores jogadores de domi- nó da terra. Patrícia era o bar da comunidade gay, mas que todos, indistintamente, fre- quentavam. Na maioria das vezes pra comer os acepipes do cardápio, noutras… O Alex Bar, na Av. Getúlio Vargas com a Rua Saldanha Marinho, tinha fre- quentadores fiéis, eu ia esporadicamente. Andando mais um pouco e do outro lado da rua, ficava o Jaú, um boteco fuleiro, mas com público cativo, o carro chefe ali era cachaça. Atravessando a Avenida Sete de setembro, já na Rua Floriano Pei- xoto, canto com a Rua Quintino Bocaiúva, ficava o São Marcos, o famoso bar dos
  • 62. Série Lúcio Menezes 62 cornos. Foi o primeiro bar em Manaus a vender Chopp tirado do barril e servido em tulipas e canecas. Numa ocasião presenciei uma interminável discussão en- tre o Tonico e seu pai, o saudoso José Luiz, também conhecido como Cavalo de Aço por sua peculiar “delicadeza”. Em alto e bom tom eles usaram e abusaram de vocábulos impublicáveis. Hilariante! O local que tinha a cara dos bares boêmios do Rio de Janeiro, infelizmente fechou. Algumas vezes bati ponto no Castelo de Ouro, A Camponesa e Pérola da Visconde. Inúmeras vezes eu fui aos especialíssimos Ury´s; ao Noturno, do amigo Totonho Ausier; ao convidativo Calabar, na Rua Japurá; Beb´s, na Rua Leonardo Malcher; o saudosíssimo Mineirão, e mais Messejana, Consciente, Paulo´s Bar, Marreiro, Amarelinho Bar, Katekero… E o que dizer do único bar da Ponta Negra? Um chapéu de palha no ponto final da praia, isso antes da duplicação da pista, da construção do Hotel Tropical e da transformação daquele sítio em Complexo Turístico. Égua! Melhor parar que eu tô ficando é “bebo”.
  • 63. Série Lúcio Menezes 63 ARIOSTO, O CINEASTA DO CINE PORÃO Publicado em 23 de setembro de 2016. Já gostei mais da sétima arte. É que as superproduções, os efeitos especiais e a computação gráfica não me seduziram, eu gostava mesmo era dos seriados, dos filmes que as telas dos cines Odeon, Éden, Popular, Ipiranga e Avenida roda- vam; as velhas produções americanas da Universal, Metro Goldwyn Mayer, 20th Century Fox, Columbia e Paramount; da francesa Gaumont; da italiana Cinecittà e da brasileiríssima Atlântida Cinematográfica. Os filmes “cabeça” vieram bem depois. Gostava do rugido do leão da Metro e daquela águia que eu e os meninos da minha geração afugentávamos com um sonoro xô, xô, xô… Ela saia do alto de uma colina, cruzava a tela do cinema e na volta se transformava em letras escre- vendo a palavra present (apresenta), para anunciar o título do filme que iniciaria. As películas épicas me encantavam, sacavam-me lágrimas, alegria e indignação com a espécie humana. Em 1970 eu e meu primo Armando assistimos “Barbarella”, um filme de 1968 impróprio para menores de dezoito anos; tínhamos então quatorze de idade, não sei por ele, mas eu me achei o Cara do Roberto Carlos só porque o porteiro do Cine Saul, lá em Parintins, fez vista grossa e nos deixou entrar. Barbarella é uma produção franco-italiana que tem Jane Fonda no papel principal, naquele tempo ela vivia o esplendor das suas beleza e juventude, para a época um filme prá lá de excitante, desses que convida o adolescente a se trancar no banheiro de casa e “viajar” no improvável.
  • 64. Série Lúcio Menezes 64 Filmes como “A primeira noite de um homem”, “Midnight Cowboy”, do Agente Secreto 007, os Spaghetti Westens “Ringo”, “Django”, “Pecos”; também Hercules, Maciste, Tarzan… Giuliano Gemma, Marcelo Mastroianni, Gina Lolobrigida eram meus artistas italianos favoritos; Alain Delon, Brigite Bardot e Jean Paul Belmondo, os france- ses; adorava o mexicano Mario Moreno, o Cantinflas, e os brasileiros Grande Otelo, Oscarito, Ankito, Ronald Golias, Mazzaropi e Zé Trindade, esses, impagáveis. Mas nada disso era comparável ao prazer de assistir as produções cinematográficas que passavam no porão da casa de nº 290 da Rua José Clemente. Ora, se a indústria cinematográfica tinha como ícones John Ford, Orson Wel- les, Federico Fellini, Alfred Hitchcock, Ingmar Bergman, François Truffaut, Char- les Chaplin e Francis Ford Coppola, apenas para citar alguns, o cinema no porão tinha o genial dois em um Ariosto Lopes Braga Neto. Ariosto era ao mesmo tem- po proprietário do cinema e criador dos filmes animados que tanto animaram a minha infância. A coisa funcionava assim: ele e a ajudante, sua irmã Socorro Braga, recor- tavam figuras das revistas O Cruzeiro, Fatos & Fotos, Manchete e Realidade e as colavam em um lençol branco. As figuras eram variadas, podiam ser pessoas, carros, prédios, móveis, animais, objetos… tudo que fosse interessante e que cau- sasse um efeito visual impactante na hora da sessão. Havia critério, a sessão só começava quando a lotação estivesse completa, os assentos todos ocupados – o que não era tarefa difícil -, aí as janelas eram vedadas pra ficar escuro e o silencio devia ser respeitado.
  • 65. Série Lúcio Menezes 65 A animação era feita com uma vela – a inocência do público não alcançava o risco de um iminente sinistro. Ariosto ou Socorro, às vezes os dois, munidos de velas nas mãos iam para trás do lençol branco, pendurado e bem esticado, aproximavam as velas das figuras coladas e começavam a mexer as mãos que seguravam as velas; as figuras ganhavam vida, mexiam-se para frente e para trás, para cima e para baixo levando-nos ao delírio. Como eram muitas figuras a coisa passava um surrealismo indescritível. Quando nos excitávamos em demasia o cineasta e dono do cinema nos re- preendia e, se necessário fosse, abria a porta do cine-porão e colocava pra fora o(s) mais empolgado(s). Registre-se que antes das sessões gibis eram distribuí- dos para leitura enquanto se aguardava o início, tal qual se fazia nos cinemas tra- dicionais de então. Ao término de uma sessão eu e muitos outros expectadores saímos do cine-porão e esperávamos o início da próxima e da próxima sessão que exibiria o mesmo” filme”, e daí? Era emocionante assim mesmo. Quando o “filme” começava a ficar manjado o cineasta mudava as figuras, dava nova dinâ- mica e conseguia motivar e atrair novamente a plateia embevecida. Ariosto, com o seu dom criativo, conseguia entreter gratuitamente uma ge- ração inteira de meninos e meninas da minha “Rua”. O cinema no porão não ti- nha bilheteria nem sonoplastia, mas tinha tudo o mais que os grandes cinemas tinham: tela, lugar pra sentar, plateia, expectativa, escuro e emoção; a outra dife- rença é que nas salas de cinema tinha um cara que trocava os rolos de fita, já no cine-porão tinha “o cara” que manipulava velas e dava vida aos filmes que criava. Foram momentos inolvidáveis.
  • 66. Série Lúcio Menezes 66 Fico eu a meditar: muitas vezes deixamos – por ignorância ou estupidez – de admirar o singelo, mesmo sabendo que este pode ser tão ou mais grandioso e surpreendente que o sofisticado. Chego a óbvia conclusão que as crianças são sábias, tolos são os adultos. Ariosto fez sua escolha, trocou de arte, bacharelou-se em Direito, saiu-se vi- torioso no concurso prestado e segue a sua missão de trabalhar e atuar para e pelo público. É um brilhante e respeitabilíssimo Defensor Público do Amazonas.
  • 67. Série Lúcio Menezes 67 CACILDA É MELHOR QUE MONDRONGO Publicado em 14 de outubro de 2016. Em outubro de 1968, por ocasião do III Festival da Canção Internacional da Rede Globo, o paraibano Geraldo Vandré concorreu com a música “Pra não dizer que não falei de flores”, música que virou hino da resistência civil naquele período militar. Em 13 de dezembro foi editado o AI 5, Ato Institucional que suspendia várias garantias constitucionais. Em fevereiro do ano seguinte Vandré auto exilou-se no Chile – antes de ir pra França – e lá gravou um compacto simples. O lado A conti- nha a música Caminando, uma tradução não literal para a mencionada música. Não tive o privilégio de tê-lo no acervo musical de casa, uma pena, mas o meu pai comprou o compacto simples gravado no Brasil. O lado A continha a gravação ao vivo e o lado B a gravação em estúdio. A proibição pelo AI 5 da sua radiodifusão e venda nas lojas especializadas tornou aquele disco objeto de desejo da maioria esmagadora dos brasileiros, uma relíquia para quem o tinha. Tê-lo em casa es- condido me causava uma emoção indescritível, provocava arrepios e batimentos cardíacos acelerados; contar baixinho pros amigos então, dava um orgulho da- nado – não experimentei a sensação deles, mas suponho que ficavam a lamber os beiços. Embalado por essa e por outras tantas músicas de protesto – especial- mente as de Chico Buarque – e pela literatura, fui forjando o que hoje sou. Entre os anos de 1973 e 1975 vivi um período de efervescência cultural, o grupo de amigos da Juventude Franciscana – JUFRA foi um marco importan-
  • 68. Série Lúcio Menezes 68 tíssimo na minha vida. Discutíamos política, cantávamos as músicas proibidas e permitidas; frequentávamos, tocávamos e cantávamos as músicas das missas de sábado à tarde na Igreja de São Sebastião; promovíamos encontros e retiros; frequentávamos o banho dos padres na antiga estrada da Paraíba V8; tínhamos reuniões noturnas na antiga sede da Divina Providencia, hoje Colégio Objetivo, na esquina das Ruas Ramos Ferreira com Tapajós. O Grupo de jovens era misto, o que era um estimulo a mais: Carlinhos, Guilherme e Cibele Johnson, Norton Pinho, Ariosto Braga, Hamilton Henrique, Manoel Ribeiro, Bina, Demolidor, Jorge Gaspar, Duda, Humberto Breval, Joana D’Arc; Vania, Inês e Agnelo Surimã; José Rocha (Rochinha), Eliseanne Pina (Lili), Maria José, Marly, Bia, Geraldo e outros aos quais peço perdão pelo lapso de memória. Era uma delícia aquele exercício de duas horas tendo como facilitador o Frei Fulgêncio. Guardo com carinho aquela época preciosa da minha vida. Foi numa dessas apresentações teatro/musicais na Divina Providencia – um Teatro para mais ou menos 100 pessoas – que eu ganhei um apelido inesperado e pelo qual, acredite, meu irmão me chama até hoje. Estava eu no palco com alguns dos meus pares, provavelmente declaman- do um resumo repassado pelo meu pai, do discurso de 1913 do grande pensador uruguaio Enrique Rodó, que sonhava o que sonhavam San Martin e Simon Bo- livar. O fragmento servia de introdução para que cantássemos a música Terral do cearense Ednardo. Eis o pensamento na sua integra: “Yo creí siempre que en la América nuestra no era posible hablar de muchas patrias, sino de una patria grande y única; yo creí siempre que si es alta la idea de la patria, expresión de
  • 69. Série Lúcio Menezes 69 todo lo que hay de más hondo en la sensibilidad del hombre: amor de la tierra, poesía del recuerdo, arrobamiento de la gloria, esperanzas de inmortalidad, en América, más que en ninguna parte, cabe, sin desnaturalizar esa idea, magni- ficarla, dilatarla; depurarla de lo que tiene de estrecho y negativo, y sublimarla por la propia virtud de lo que encierra de afirmación y de fecundo: cabe levantar, sobre la patria nacional, la patria americana, y acelerar el día en que los niños de hoy, los hombres del futuro, preguntados cuál es el nombre de su patria, no contesten con el nombre de Brasil, ni con el nombre de Chile, ni con el nombre de México, porque contesten con el nombre de AMÉRICA. Toda política interna- cional americana que no se oriente en dirección a ese porvenir y no se ajuste a la preparación de esa armonía, será una política vana o descarriada.” Pois bem, nesse exato momento dois dos mais espirituosos e gozadores ra- pazes da rua em que eu morava, Bosco Spener e Robertinho Caminha, passam pela Rua Tapajós e, ao verem as portas do Teatro escancaradas resolvem bisbi- lhotar – pra minha infelicidade naquela época o único teatro com o conforto do ar refrigerado era o Teatro Amazonas. Ao vê-los a cochichar fiquei a imaginar como seria a minha recepção quan- do chegasse a minha rua, de que tamanho o texto de trinta segundos não estaria. Fui recebido por um coro ensurdecedor a repetir: Cacilda Becker! Cacilda Becker! Cacilda Becker! Sim, a atriz brasileira, o mito do teatro nacional agora tinha um sósia masculino na capital da Amazônia Ocidental, que tal? Até parecia que eu tinha encenado A Dama das Camélias e não declamado um resumo do discurso de Rodó.
  • 70. Série Lúcio Menezes 70 Esse apelido rende até hoje, o Robertinho Caminha (Barriga) e o meu irmão, Cadinho, não abrem mão, só me chamam de Cacilda. Cadinho, quem sabe supondo que me agrade mais, às vezes me chama de Becker. Mas o que ele gosta mesmo é de berrar quando me avista ao longe, sem se importar com quem venha a testemunhar: CAACCIIIILLLLLDDAAA!!! Eu atendo, Cacilda é melhor que Mondrongo.
  • 71. Série Lúcio Menezes 71 MANAUS DE UM A DEZ Publicado em 24 de outubro de 2016. Conviver com tantas mazelas Virou lugar comum, São tantas as querelas Da minha número um. Lugar da Barra, muito prazer! Aqui querer é poder, Agora ou além depois, Sozinho ou a dois. O sol da tarde ou da manhã, Altera a cor da tez, Beleza e sedução de cunhã (Uma, vale por três). Sem susto, sem vixe! Precisas de urgente trato. Em relação a Greenwich O fuso são quatro.
  • 72. Série Lúcio Menezes 72 Não troco essa terra, Digo com afinco, Magnífico o que encerra O poente às cinco. O trânsito? Que vexame! É a mazela da vez, Um metálico enxame Antes e depois das seis. Não tens preconceito, Teu crescimento é quem mede; Oportunistas mamam teu peito E ainda picham o sete. Expões tuas filhas À noite, ao coito, Nas esquinas, trilhas, quilhas… Antes e depois das oito. Após o calor escaldante O ar, úmido, sobe e chove; A condensação para o estudante É a prova dos nove.
  • 73. Série Lúcio Menezes 73 És absoluta, és “a Cidade” Das belezas, feiuras…contrastes; Da natureza agredida, ferida…caos. Violentada de frente e de viés, Resistes impávida, heroica Manaus, Cúmplice resoluta, minha amante nota dez.