Apresentação feita pelo especialista em planejamento de saúde pela Escola Nacional de Saúde Pública, Eugênio Vilaça, no seminário CONASS Debate - o futuro dos sistemas universais de saúde
O futuro do SUS: os desafios da universalização em sistema segmentado
1. O futuro do SUS
Eugênio Vilaça Mendes
CONASS Debate: O futuro dos sistemas universais de saúde
Brasília, 25 de abril de 2018
2. 30 Anos de SUS: tempo de celebrar os
avanços
• Produção
Internações hospitalares: 11.100.000
Procedimentos ambulatoriais: 3.700.000.000
Partos: 2.000.000
Exames laboratoriais: 300.000.000
Vacinas aplicadas: 150.000.000
• Programas de excelência
Sistema Nacional de Imunização
Programa de controle de HIV/AIDS
Programa Nacional de Controle de Transplantes de Órgãos e Tecidos
Programa de Controle do Tabagismo
Estratégia da Saúde da Família
• Uma política pública exitosa de inclusão social
Fontes:
Conselho Nacional de Secretários de Saúde. SUS, avanços e desafios. Brasília, CONASS, 2006
Tribunal de Contas da União. Relatório sistêmico de fiscalização da saúde. Brasília, TCU, 2013
3. Tempo de refletir sobre o futuro:
os grandes dilemas do SUS
Integração
Fragmentação
Segmentação Universalização
Fonte : Mendes EV. Os grandes dilemas do SUS. Salvador, Casa da Qualidade, Tomo I, 2001
Âmbito macropolítico
Âmbito micropolítico
4. A transição epidemiológica no Brasil:
a tripla carga de doenças
• Uma agenda não
concluída de infecções,
desnutrição e problemas
de saúde reprodutiva:
13,2%
• As causas externas: 9,5%
• A forte predominância
relativa das doenças
crônicas: 77,3%
Fonte:
Leite IC et al. Carga de doença no Brasil e suas regiões, 2008. Cad. Saúde Pública, 31: 1551-1564, 2015
GRUPO I
GRUPO II
GRUPO III
5. O dilema do SUS no âmbito micropolítico:
fragmentação ou integração em redes
• Problema:
A incoerência entre uma
situação de saúde que combina
transição demográfica e tripla
carga de doença, com forte
predominância de condições
crônicas, e um sistema
fragmentado de saúde que
opera de forma episódica e
reativa e que é voltado
principalmente para a atenção
às condições agudas e às
agudizações das condições
crônicas
• Solução:
A situação de tripla carga de
doença com predomínio
relativo forte de condições
crônicas exige um sistema
integrado de saúde que opera
de forma contínua e proativa e
é voltado equilibradamente para
a atenção às condições agudas
e crônicas: as redes de atenção
à saúde
Fonte: Mendes EV. As redes de atenção à saúde. Brasília, Organização Pan-Americana da Saúde, 2011.
APS
6. Uma agenda de inovações para o SUS
Essa agenda implica mudanças coordenadas e concomitantes nos
três componentes do SUS: o modelo de gestão, o modelo de atenção
à saúde e o modelo de financiamento
MT
MP
ME
MP: Modelo Político:
O modelo de Gestão
MT: Modelo Técnico:
O modelo de atenção à saúde
ME: Modelo Econômico:
O modelo de financiamento
Fontes:
Tobar F. Modelos de gestión en salud. Buenos Aires, 2002
Mendes EV. A redes de atenção à saúde. Brasília, Organização Pan-Americana da Saúde, 2011
7. Universalização ou segmentação?
O desempenho dos sistemas de saúde em anos
próximos a 2013
Fonte: Davis K et al. Mirror, mirror on the wall 2014 update: how the US Health System compares internationally. New York, The
Commonwealth Fund, 2014
8. Os sistemas de saúde segmentados
• Caracterizam-se pela segregação de diferentes clientelas em nichos
institucionais singulares, resultando uma integração vertical em cada
segmento e uma segregação horizontal entre eles onde cada segmento,
público ou privado, exercita as funções de financiamento, regulação e
prestação de serviços para sua população particular
• Marcam-se, em geral, pela presença concomitante de diferentes matrizes
institucionais para subpopulações singulares e pela concomitância de
subsistemas públicos e privados que atuam com pouca sinergia entre
eles
• São justificados por um suposto aparentemente magnânimo, o de que ao
se instituírem sistemas específicos para quem pode pagar, sobrariam
mais recursos públicos para dar uma melhor atenção aos pobres
• Identificam-se por um alto percentual de gasto privado em relação ao
gasto total em saúde e podem afetar a proteção de riscos financeiros que
são indicados pela proporção de famílias que tiveram despesas
catastróficas e pela incidência de famílias que empobreceram devido a
pagamentos diretos para obter serviços de saúde
Fontes:
Emanuel E. Political problems. Boston Review, 25: 14-15, 2000
Londoño JL, Frenk J. Structured pluralism: towards a new model for health system reform in Latin America. Health Policy.
41: 1-36, 1997.
World Health Statistics. World Health Statistics 2017. Geneva: World Health Organization; 2017.
9. As concepções de universalismo
sanitário
• O universalismo clássico
Incorporou a ideia de um Estado eficaz que seria capaz de garantir o
livre acesso de todas as pessoas a todos os serviços sociais
Conduziu à universalização da seguridade social e à instituição de
sistemas públicos universais de saúde como partes de Estados de
Bem Estar Social
• O novo universalismo
Oferta universal de serviços essenciais do ponto de vista sanitário,
providos com qualidade para todos os cidadãos, definidos pelos
critérios de aceitabilidade social, efetividade e custos
Fonte:
World Health Organization. The World Health Report 2000: health systems, improving performance. Geneva, WHO, 2000.
10. A cobertura universal em saúde
População Coberta
Carteira de Serviços
Gratuidade dos Serviços
População
não coberta
Serviços não
cobertos
Serviços pagos
do bolso
Fundos comuns
existentes
Fonte: Organização Mundial da Saúde. Financiamento dos sistema de saúde:
o caminho para a cobertura universal. Genebra, OMS, Relatório Mundial da
Saúde 2010, 2010
A situação em que as pessoas são capazes de utilizar os serviços de saúde
de qualidade que necessitam sem sofrer danos ao pagar por eles
11. Sistemas públicos universais e
cobertura universal em saúde
• Nos sistemas públicos universais a saúde é um direito decorrente de
condição de cidadania; mais que um direito social, há uma tendência
de se considerar o direito à saúde como um direito humano
• “O NHS é mais que uma organização. É um conjunto de princípios por
meio dos quais nós valorizamos a saúde nos planos individual e
societário. É uma expressão de um dos papeis fundamentais do
Estado que é proteger seus cidadãos”
• Isso não necessariamente ocorre em algumas propostas de cobertura
universal em saúde, formatadas por asseguramento universal, em que
as funções de regulação, financiamento e prestação de serviços estão
separadas entre setores públicos e privados e em que há diferenças
entre os planos de saúde, os subsídios públicos e os custos de
transação
Fontes:
Fleury S et al. Política de Saúde: uma política social. In: Giovanella L et al. (Organizadores). Políticas e Sistema de Saúde no
Brasil. Rio de Janeiro, Editora Fiocruz, 2008
Noronha JC. Cobertura universal de saúde: como misturar conceitos, confundir objetivos, abandonar princípios. Cad Saúde
Pública, 29:847-849, 2013
Barros FPC. Cobertura universal ou sistemas públicos universais de saúde? Anais do Instituto de Higiene e Medicina Tropical
da Universidade Nova de Lisboa, 13: 87-90, 2014
Heredia N et al. El derecho a la salud: cual es el modelo para America Latina? Medicc Review, 17: S16-S17, 2016
Appleby J. The NHS at 70: loved, valued, and affordable. BMJ, 361: k1540, 2018
12. Os modelos institucionais de sistemas
de saúde
• Os modelos institucionais de sistemas de saúde são
definidos, fundamentalmente, pelos modos como se
combinam suas três macrofunções de financiamento,
regulação e prestação de serviço e quem as executa
• Os tipos de modelos institucionais de sistemas de saúde:
O modelo de monopólio estatal
O modelo público universal beveridgeano
O modelo público universal bismarckiano
O modelo da competição gerenciada
O modelo de mercado
Os modelos mistos
Fonte: Reid TR. The healing of America: a global quest for better, cheaper, and fairer health care. New York,
Penguin Books; 2009.
13. SUS: Sistema público universal?
• O SUS, em sua concepção pelo movimento sanitário e em sua
instituição constitucional, foi concebido como um sistema
público beveridgeano, mas ao longo do tempo o objetivo da
universalização foi dando lugar a uma segmentação crescente
do sistema de saúde brasileiro
• Vários problemas contribuíram para a segmentação do sistema
de saúde brasileiro, mas o mais significativo foi o
financiamento. A generosidade dos constituintes na instituição
de um sistema público universal beveridgeano não foi
acompanhada pela criação de uma base material que
garantisse a saúde como direito de todos e dever do Estado
Fonte : Mendes EV. Os grandes dilemas do SUS. Salvador, Casa da Qualidade, Tomo I, 2001
14. Gasto público em percentual do gasto total
em saúde no Brasil e em países
selecionados - 2012
País %
Brasil 47,5
Canadá 70,1
França 77,4
Itália 77,3
Noruega 85,0
Espanha 71,7
Reino Unido 84,0
Fonte: World Health Organization. World health statistics, 2015. Geneva, WHO, 2015
15. A segmentação do sistema de saúde
brasileiro
• O SUS só é universal ou quase universal em algumas áreas
como a vigilância à saúde, as políticas de sangue e os
sistemas nacionais de vacinação e de transplantes de
órgãos e tecidos
• O subsistema privado de saúde suplementar:
cobertura de 47.400.000 (21,7%)
• O subsistema privado de desembolso direto ao qual
recorrem eventualmente todos os brasileiros
Fontes:
Mendes EV. O futuro dos sistemas universais de saúde: o caso brasileiro. Brasília, CONASS Debate, 2018
Instituto de Estudos de Saúde Suplementar. São Paulo, IESS, 2018
16. Gastos em saúde no Brasil - 2012
• Gasto total em saúde: 9,5% do PIB
• Gasto público em saúde: 4,5% do PIB
• Gasto privado em saúde:
5,0% do PIB
52,5% do gasto total em saúde
• Composição do gasto privado em saúde:
40,4% gastos no subsistema de saúde suplementar
57,8% no subsistema de desembolso direto que grava relativamente
os mais pobres
• Os gastos tributários representaram, em 2013, 30,5% das
despesas totais do Ministério da Saúde (R$ 25,363 bilhões)
Fontes:
World Health Organization. World health statistics, 2015. Geneva, WHO, 2015
Ocklé-Reis CO, Gama FN. Radiografia do gasto tributário em saúde, 2003-2013. Rio de Janeiro, IPEA, Nora técnica
nº 19, 2016
17. Cenários do sistema de saúde no Brasil
• Cenário Lampedusa
• Cenário de um Sistema Público Universal Beveridgeano
• Cenário de um Sistema de Cobertura Universal pela Via da
Competição Gerenciada
Fonte: Conselho Nacional de Secretários de Saúde. Os caminhos da saúde no Brasil. Brasília, CONASS, 2014
18. O cenário Lampedusa
• “Algo deve mudar para que tudo continue como está”
• Parece ser o cenário mais provável nos curto e médio prazos
• A Emenda Constitucional nº 95
• Mudanças erráticas, sem conteúdo estratégico e com visão de
curto prazo no SUS e nos subsistemas privados (mudanças
pontuais no SUS, políticas de copagamento e de franquia,
expansão das clínicas populares, oferta de planos de saúde com
carteira de serviços restrita, recuperação de custos das pessoas
idosas e outras)
• Incremento da competição predatória entre os três subsistemas e
aumento da descoordenação entre eles
• Aumento dos gastos tributários e da iniquidade do sistema
• O Cenário Lampedusa não parece ser sustentável no longo prazo
quando os custos de não mudar poderão ser maiores que os
custos de mudar, diferentemente do que se apresenta nos curto e
médio prazos.
Fonte: Mendes EV. O futuro do SUS. Brasília, CONASS, 2018
19. O cenário de consolidação de um
sistema público universal beveridgeano
• Pressupostos:
O SUS não pode ser um sistema para atender somente aos pobres
O SUS deve ser olhado como fator importante para o desenvolvimento
da ciência, da inovação e de uma base produtiva nacional
Essa reforma deverá considerar o sistema como um todo, não apenas
o SUS, mas também suas interfaces e a interdependência com o
subsistema de saúde suplementar
• Esse cenário levaria à consolidação de um sistema público
universal beveridgeano brasileiro caracterizado por, pelo
menos, duas especificidades: a incorporação de um papel
verdadeiramente suplementar dos planos privados de saúde
e a manutenção de um sistema federativo com a
coparticipação da União, dos estados e dos municípios
Fontes:
Conselho Nacional de Secretários de Saúde. Os caminhos da saúde no Brasil. Brasília, CONASS , 2014
Temporão JG. Para onde vai o SUS? In: Conselho Nacional de Secretários de Saúde. Os caminhos da saúde no Brasil.
Brasília, CONASS , 2014
20. O cenário de consolidação de um
sistema público universal beveridgeano
• Nesse cenário o SUS seria responsável pela prestação,
gratuita e integral, de uma ampla carteira de serviços
sanitariamente necessária a todos os cidadãos brasileiros,
sem os constrangimentos determinados pelas políticas de
seletividade
• As operadoras privadas de planos de saúde ofertariam
serviços suplementares, mas não poderiam competir com o
SUS na oferta dos serviços que comporiam a carteira
pública
• Esse cenário implicaria um aumento significativo dos
gastos públicos em saúde, uma reconfiguração do
subsistema de saúde suplementar e uma melhoria da
percepção da população em relação ao SUS
Fontes:
Conselho Nacional de Secretários de Saúde. CONASS Debate: Os caminhos da saúde no Brasil. Brasília, CONASS ,
2014
Temporão JG. Para onde vai o SUS? In: Conselho Nacional de Secretários de Saúde. CONASS Debate: Os caminhos
da saúde no Brasil. Brasília, CONASS , 2014
21. O cenário de um sistema de cobertura
universal pela via da competição
gerenciada
• Esse cenário seria uma tentativa de implantação de um sistema de
saúde com base na doutrina da competição gerenciada, em sua
versão latino-americana do pluralismo estruturado, à semelhança
do que ocorreu na Colômbia
• A competição gerenciada consiste em substituir a relação
bilateral do livre mercado que se estabelece entre financiador e
prestador e usuário por uma relação trilateral em que haja a
inserção, no terceiro vértice, de uma agência administradora
ou moduladora. As instituições prestadoras também se
colocam em situação de competição entre elas, gerando um
sistema de duplo mercado
Fontes:
Enthoven A. Managed competition of alternative delivery systems. Jornal of Health, Politics, Policy and Law. 13: 305-321, 1988
Londoño JL, Frenk J. Structured pluralism: towards a new model for health system reform in Latin America. Health Policy.
41: 1-36, 1997
22. Descrição operacional do cenário de
pluralismo estruturado
• O SUS seria estruturado em modelos de gestão e de prestação de
serviços
• A rede própria de serviços do SUS seria convertida em operadoras
públicas
• Todas as pessoas deveriam ter um cartão saúde unificado e
deveriam afiliar-se a uma operadora pública ou privada
• O financiamento seria público, mas passaria a ser feito por meio
de subsídios a demanda, ou seja, a transferência de recursos às
operadoras, na forma de per capita, a partir da preferência dos
indivíduos por operadoras públicas ou privadas
• Todas as operadoras deveriam ser acreditadas para iniciar sua
operação e ser reavaliadas a cada dois anos
• Cada operadora deveria se organizar em redes regionais com
coordenação por equipes de atenção primária à saúde
• A operadoras deveriam estruturar-se de forma a prestar contas à
sociedade e de ter uma participação da sociedade em sua gestão
Fonte: Medici A. Uma nova via é possível? In: Conselho Nacional de secretários de Saúde. CONASS Debate: OS caminhos da
saúde no Brasil. Brasília, CONASS, 2014
23. Os valores societários e as reformas
dos sistemas de saúde
• A estabilidade dos sistemas de saúde resulta da coerência entre os
valores prevalecentes na sociedade e as estruturas simbólicas e
materiais desses sistemas
• As reformas dos sistemas de saúde derivam das relações complexas
que existem entre os valores hegemônicos da sociedade, as normas
que elas adotam para operacionalizar esses valores e a existências de
grupos simultaneamente autônomos e dependentes dessas normas e
valores
• “Não é exagero dizer que para muitas pessoas neste país, o Medicare
é o que melhor define ser canadense. Ele fortalece nossa economia,
melhora nossa estabilidade social e expressa nossos valores”
• Valores liberais e igualitários conformam sistemas de saúde bem
diferentes
Fontes:
Contrandriopoulos AP, Lauristin M, Leibovich E. Values, norms and the refoprm of health care systems. In: Saltman RB, Figueras
J, Sakellarides C (Editors). Critical challenges for health care reform in Europe. Buckingham, Open University Press, 1998
Martin D. Better now: six big ideas to improve health care for all canadians. Penguin Canada, 2017
Pineault R. Compreendendo o sistema de saúde para uma melhor gestão. Brasília, Conselho Nacional de Secretários de Saúde,
2016.
24. Uma reflexão final:
“O SUS não é um problema sem solução,
mas uma solução com problemas”
Fonte: Conselho Nacional de Secretários de Saúde. SUS: avanços e desafios. Brasília, CONASS, 2006.